9 de janeiro de 2007

Longa Jornada Noite Adentro - 8

Finalmente, a série de posts Longa Jornada Noite Adentro sai do limbo e volta à ativa. Para quem é novo por aqui e não sabe do que se trata, aconselho que leia este post aqui. Lembrando que os filmes postados anteriormente foram Quanto mais Quente Melhor e Apocalypse Now. Seguimos, agora, com...


Tempos Modernos
(Modern Times, EUA, 1936)
Direção: Charles Chaplin
Elenco: Charles Chaplin, Paulette Godard

Falar que Charles Chaplin é um dos maiores gênios do cinema é chover no molhado. Chaplin pertence ao status de ícone, sendo admirado e respeitado até mesmo pelas pessoas que nunca assistiram a um filme dele. Ou você realmente acha que todaas as pessoas que compram, nas feirinhas de artesanato, aqueles espelhos cafonas com uma imagem dele (normalmente sentado na guia ao lado de Jackie Coogan em O Garoto) realmente poderiam debater se Luzes da Cidade é melhor que O Circo ou vice-versa?

Curiosamente, apesar de ser considerado um dos grandes cineastas americanos de todos os tempos, Chaplin era inglês e começou sua carreira ainda criança, nos teatros de revista. Indo para a América, conseguiu uma chance no cinema e passou a estrelar (e, posteriormente, dirigir) centenas de curtas que o tornaram um dos maiores sucessos do momento. Porém, quando começou a assinar longas-metragens, mostrou que não era apenas um comediante, mas um cineasta maduro e com uma carreira totalmente engajada.

É difícil escolher o seu maior filme, especialmente porque, mesmo dentro das fronteiras da comédia, visitava outros mundos – sem nunca perder a graça. Há o romantismo de Luzes da Cidade, o nonsense de Em Busca do Ouro, o final lacrimoso de O Circo, a inocência de O Garoto... Isso, claro, para ficar apenas na sua fase muda. Mas em toda a filmografia de Chaplin, nenhum filme tem a mesma importância que Tempos Modernos.

Antes de mais nada, é ali que ele mergulha, realmente, no seu lado engajado – criticando a automatização das fábricas e o desemprego na América – que teria continuidade em seu trabalho seguinte, O Grande Ditador. E, segundo, porque é nesta produção que ele encerra a carreira cinematográfica de seu mais famoso personagem: O Vagabundo (ou Carlitos, como é conhecido no Brasil), que se afasta das telas após resistir uma década ao advento do cinema falado, ao qual Chaplin era radicalmente contra.

A verve política de Tempos Modernos é a mais fácil de ser identificada. À primeira vista, a obra surge como apenas “mais um filme” de Chaplin, com todos os elementos essenciais de sua obra, mas a política e a crise social estão presentes em praticamente todas os momentos, desde as (clássicas) cenas na fábrica, onde ele trabalha num ritmo sobre-humano – o que abre espaço para demonstrações da genialidade de Chaplin na pantomima – até em cenas menores, como aquela em que ele é perseguido pela polícia após ser confundido com o líder de uma manifestação comunista.

Com poucos minutos de cena, Chaplin já deixa clara qual a pirâmide social dos Estados Unidos na época: poucos e abastados empresários que tratam os empregados como gado (o que ele deixa claro visualmente); o proletariado, a grande maioria da população, todos desesperados por emprego; e entre essas duas camadas, o governo, sempre representado em seus filmes pela polícia, que está ali para vigiar de perto as camadas mais baixas. Nesse centro, temos os dois personagens que compõe o eixo da trama: o trabalhador vivido por Chaplin e a órfã interpretada por Paulette Godard. A trama do filme, girando em torno dos dois, aborda basicamente o que todo americano fazia na época: tentava sobreviver.

Mas o ponto forte do filme está em outra camada do roteiro: é a guerra de Chaplin contra o cinema falado, inventado dez anos antes e que, segundo ele, iria acabar com o caráter universal da Sétima Arte. Sua idéia original era a de fazer um filme falado – seria o primeiro de sua carreira – mas desistiu no meio do caminho, optando em fazer um filme “com som”, mas não falado. As únicas vozes ouvidas ao longo da produção são aquelas ouvidas através de aparatos eletrônicos, como o rádio na sala do diretor da prisão e os videofones usados pelo presidente da fábrica, por exemplo – a única exceção são os cantores no restaurante. Com isso, Chaplin critica a desumanização decorrente da tecnologia, como as próprias técnicas do cinema falado, mostrando que os filmes, com inclusão de falas, perdem em brilho e espontaneidade.

Após diversos momentos antológicos, como aquele que mostra Chaplin preso dentro das engrenagens de uma máquina, ou as aventuras ao lado da órfã dentro de uma loja de departamentos deserta, chega-se a cena-chave do filme, que anuncia não apenas o final da produção, mas também a morte do personagem que consagrou o cineasta. Ambos arrumaram emprego num bar e a função de Carlitos é a de cantor. Como ele não sabe a letra da música, Godard lhe escreve uma “cola” nos punhos de sua camisa, que, obviamente, ele perde assim que entra no palco. A solução improvisada: cantar a letra num idioma inexistente.


O texto está em francês. Mas, como trata-se de Chaplin, é genial em qualquer idioma

Pela primeira vez, Chaplin fala nas telas, escancarando a sua repudia com filmes falados em qualquer idioma. A belíssima cena final que mostra os dois personagens, de costas para a câmera, caminhando em direção ao horizonte, deixa claro que o cinema falado não acabou com Carlitos – como fez com outros ídolos do cinema mudo, a exemplo de Buster Keaton e Harold Lloyd – mas si que o Vagabundo retirava-se de cena por vontade própria. E suas últimas palavras na tela não poderiam ser mais otimistas: “Smile! C’mon!” (“Sorria! Vamos!”). E elas não são faladas, mas pode-se facilmente ler os lábios de Chaplin, antes de ele virar as costas e caminhar para a eternidade, mesmo com a chegada dos tais tempos modernos.

Às vezes, o silêncio diz muito. Esse era o caso de Chaplin.


5 Curiosidades sobre Tempos Modernos

1. O filme originalmente terminaria com Chaplin sofrendo um colapso nervoso e acordando no hospital, apenas para descobrir que a órfã arrumou um emprego de enfermeira. Chaplin, porém, resolveu por escrever um epílogo mais otimista.

2. O filme foi uma das razões para que o Comitê de Atividades Anti-Americanas acusasse Chaplin de comunismo, algo que ele sempre negou e que resultou em seu auto-exílio na Suíça.

3. Nas filmagens da cena em que Chaplin serve de cobaia para a máquina que irá alimentar os empregados da fábrica, era ele mesmo quem controlava o aparato, através de alavancas na parte inferior.

4. O estúdio francês Frace’s Tobi processou Chaplin, alegando que a cena da esteira na fábrica fora plagiada do filme A Nós a Liberdade, de René Clair. O estúdio encerrou o processo quando Clair declarou publicamente estar honrado com a homenagem, e que ele havia usado em sua carreira muito do que Chaplin fazia nas telas.

5. Chaplin compunha todas as músicas de seus filmes, e Tempos Modernos traz sua canção mais famosa: Smile. Posted by Picasa

3 comentários:

Mariliza Silva disse...

Sou simplesmente apaixonada por este filme!!! Delícia demais!!!

Champs,
Te aguardo no meu blog, agora todo reformado, com imagens para não deixá-lo só em letras, apesar das letras continuarem a ser o principal.

Beijão e aqui continua sendo um prazer visitar.

Mariliza

Anônimo disse...

Esse filme é maravilhoso mesmo, eu ví a primeira vez quando era pequeno e até hoje essa cena não perdeu a graça.
Genial.
Ta passando um especial no Telecine Cult com filme dos Chaplin toda quinta...
abraços

Anônimo disse...

Cara, recebi um vídeio-animação com o Chaplin no universo Spielberg... Muito interessante!
Está lá no Youtube: http://www.youtube.com/watch?v=PkITesFhfVo&eurl=
Dá uma olhada rapidinho antes que alguma modelo bloqueie o site de novo... rs...