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5 de novembro de 2008

A Máfia de All Star

Ano passado, mais ou menos nesta mesma época, eu postei um texto falando sobre os pseudo-intelectuais da Mostra de São Paulo. Este ano, a Mostra já está a todo vapor e fiquei satisfeito de ver que eles continuam os mesmos, mudaram apenas alguns detalhes do vestuário dos estereótipos que habitam a Paulista nesta época: as havaianas (que viraram pop) foram abandonadas e os catálogos da Mostra, agora, são vistos obrigatoriamente ao lado de um par de tênis All-Star. Tomara que ano que vem o All Star vire logo modinha, fazendo o povo da Mostra ter que apelar logo para Kichute ou Conga.

Aliás, aparentemente, a cor do All Star é um indicador da posição que você ocupa na pirâmide social da Mostra. Quanto mais estranha a cor do seu tênis, mais cult você é. Se você usa All Star preto, é porque você é um cult amador, que quando muito vai em alguma sessão do novo filme do Almodóvar (porque, Almodóvar, na Mostra, é pop); agora, se você é daqueles que só assiste a filmes egípcios, seu All Star precisa ser, no mínimo, laranja.

E, infelizmente, All Star de todas as cores estavam presentes na fila para a entrada da exibição de O Poderoso Chefão em cópia restaurada. Isso sem falar nos cachecóis, nos “óculos de Mostra”, aqueles quadradinhos, sempre verdes ou laranjas, e dezenas de pessoas fazendo cara de conteúdo enquanto assistiam ao filme.

Se eu fui?

É claro que eu fui. Apesar das minhas restrições à Mostra, O Poderoso Chefão entra naquela categoria (que eu já citei em alguns posts do blog) de algo que precisa ser assistido por todo e qualquer vertebrado do planeta – seja uma pessoa, seja um peixe, seja um texugo. Eu, como sou absolutamente tarado pelo filme, iria até mesmo se ele fosse exibido num telão no meio da festa do peão de Barretos. Além disso, tratava-se da cópia pessoal do Coppola, o que tornava o evento mais obrigatório ainda.

Então, sábado à noite, entro no Cinesesc ao lado de um amigo, também fã do filme. Uma pequena fila já se amontoava na porta do cinema, mas acabei pegando um lugar aparentemente bom, mais ou menos em trigésimo. Porém, minutos depois, acabei percebendo que eu estava no pior lugar da fila, por causa do grupinho de pseudo-intelectuais que estava ao meu lado. Eles eram quatro: três suportáveis e uma gordinha particularmente odiosa, que fazia questão de mostrar para todas as outras pessoas da fila o quanto ela era cult.

Como se não bastassem as suas vestimentas, que davam a impressão de que ela havia acordado às cinco horas da manhã só para ter bastante tempo para se dedicar à fina arte de se vestir mal (como aquelas pessoas que usam roupas que não combinam, como calça social, havaianas e regata, e dizem que “gostam de brincar com os estilos”) o tom de voz dela era insuportável. E não digo isso porque eu fiquei prestando atenção no que ela dizia, digo isso porque até os freqüentadores da igreja evangélica ao lado do cinema tinham dificuldades para se concentrar em suas preces quando ela abria a boca.

Mas, pior que o tom de voz, era o conteúdo do papo. Querendo bancar a veterana de Mostra, ela fazia questão de comentar em alto e bom som os filmes que ela já havia assistido. Mas, diferente das pessoas normais, ela não escolhia seus filmes por gênero, assunto, ator ou diretor, mas por país.

– Eu já assisti quatro até agora nesta Mostra. Um inglês, um nacional, um porto-riquenho e um chinês.

Quando ela disse isso, eu não consegui evitar um suspiro de saco cheio. Por que esse povinho da Mostra dá tanto valor a isso? Só para mostrar que “não gosta de filmes americanos”? Será que ela tem a menor desconfiança de que O Poderoso Chefão é americano? Estava quase perguntando para a gorda se, ao invés de possuir um catálogo da Mostra, ela não havia saído de casa com uma das cartas de objetivo do War, que dizia que ela precisava conquistar 24 territórios até o fim do festival, mas não tive chance, pois ela continuou:

– Ah não! Errei! Assisti a um ucraniano também, mas saí no final. Ou seja, são cinco filmes até agora.

Cinco? Como cinco? Se você não assistiu o final, você não assistiu ao filme! Perder o começo do filme é uma coisa, mas perder o final é totalmente diferente. Qualquer cineasta – e isso deve incluir os ucranianos – fazem o filme pensando no final. Imagine uma pessoa que saiu do cinema faltando dez minutos para acabar O Sexto Sentido. Tive um impulso de comprar a briga, dizendo que ela havia desrespeitado o cinema ucraniano e todo o trabalho do cineasta ao fazer isso, e que ela uma gordinha comercial de merda, que deveria estar mesmo era no Cinemark, assistindo a qualquer coisa do Adam Sandler e se entupindo de Mc Donald’s depois, mas me segurei. Não valia a pena.

Felizmente, fui surpreendido por uma das monitoras da Mostra, que passam pelas filas distribuindo as cédulas para os espectadores, na saída, dar suas notas para o filme – os chamados “votos do júri popular”. Não sei qual o propósito de fazer isso numa sessão de O Poderoso Chefão, já que qualquer pessoa que estivesse ali daria a nota máxima, pois se tratavam de fãs do filme. Não, talvez a gordinha ucraniana desse apenas nota 3, alegando que o roteiro escorrega em alguns momentos e o James Caan está um pouco exagerado. O curioso é que eles fizeram isso na sessão do Chefão, mas o filme – fiquei sabendo depois – não iria concorrer, para alegria da gordinha, que detestaria ver um filme produzido num país que possui água potável e cujo roteiro possui começo, meio e fim, como sendo o melhor da Mostra.

As portas se abriram e entramos no cinema. Felizmente, as únicas pessoas cults perto de nós estavam atrás da gente, e não falavam muito no cinema. Ao nosso lado, um casalzinho formado por “senhor e senhor” assistiam ao filme de mãos dadas o que me rendeu as duas gargalhadas da noite: a primeira, na cena da punhalada na mão do Luca Brasi, quando um deles soltou uma interjeição que ganharia poucos pontos num concurso de masculinidade; a segunda, na cena em que o Pacino foge do restautante após cometer os dois assassinatos crucias para o filme, um dos membros do casal não agüentou de tanta tensão e resolveu aliviar os nervos gritando (eu disse gritando) no cinema:

– Lar-ga a ar-ma! Lar-ga a ar-ma! (assim mesmo, com tudo separadinho em sílabas, vai saber o porquê.)

Pobre Michael Corleone. Duvido que ele durasse muito tempo na máfia com um consiglieri desses.

Em quase três horas da manhã quando o filme acabou, e fomos para o Oregon, comer o melhor X-Salada Bacon da história do Universo. Curiosamente, falamos pouco sobre o filme – da mesma forma que eu falei pouco sobre o filme aqui. Não há muito que dizer sobre a experiência de assistir a Chefão no cinema, é o mesmo que tenta descrever um orgasmo em palavras.

Então, acabamos montando a grade de programação da nossa Mostra de Cinema ideal. Sendo assim, deixo vocês com o Top 5 salas da programação da Mostra Championship Vinyl de Cinema:

1. Sala Ultraviolência – ficaria exibindo Laranja Mecânica 24 horas por dia, ininterruptamente, durante todos os dias do festival.

2. Sala sobre o Nada – a cada dia, uma temporada inteira de Seinfeld seria exibida.

3. Sala Cult – Todos os filmes das séries Rambo, Velozes e Furiosos e American Pie serão exibidos com dublagem em russo. Para sacanear os pseudo-intelectuais, o catálogo do festival não identificará os filmes e chamará isso de “Retrospectiva Leste Europeu”, informando também que cachecóis serão sorteados ao final de cada sessão.

4. Sala Deus – Onde acontecerá a “Retrospectiva Sergio Leone”.

5. Sala CorleoneO Poderoso Chefão, O Poderoso Chefão II, O Poderoso Chefão III exibidos ininterruptamente.


Update: Sra. Gordon de blog novo. Visitem, linkem, comentem, prestigiem.

25 de maio de 2008

Ser ou não Ser... Mas que Seja Longe de Mim

Eu sempre me perguntei onde os freqüentadores da Mostra de São Paulo se escondem durante o resto do ano. Na época da Mostra, eles podem ser encontrados ao montes na Avenida Paulista, discutindo a nova fase do cinema egípcio (isso porque acabaram de assistir ao primeiro filme egípcio de suas vidas, mas não entenderam o final direito) ou reclamando que os filmes iranianos “estão se tornando comerciais demais e perderam sua identidade criativa”.

Mas, no resto do ano, o número de intelectualóides diminui consideravelmente. Claro, alguns continuam sendo vistos nas imediações da Paulista – especialmente no Espaço Unibanco – desfilando com suas roupas que nada mais são que contradições climáticas (afinal, eles usam boina e cachecol com bermuda e papetes). Mas estes são apenas criaturas desgarradas do rebanho e não correspondem a 10% da população total de intelectualóides da cidade.

E aí cabe a pergunta: onde ficam os outros? Será que passam o ano escondidos num enorme galpão, assistindo filmes do Godard até o começo da Mostra, quando eles recebem dos seus líderes o catálogo do festival, junto com as ordens de conquistar a Avenida Paulista? Ou se organizam em pequenas células terroristas, elaborando planos mirabolantes para conquistar um Cinemark e promover um festival de cinema húngaro?

Aos poucos, tenho descoberto que eles ficam, na verdade, procurando outras formas de cultura. Cinema, para eles, só existe durante a Mostra. Nos outros meses do ano, eles dedicam-se a freqüentar peças de teatro amador, exposições de arte e leituras de poesia, sempre com aquele ar blasé de quem está absorvendo cultura e disparando seus comentários repleto de polissílabas e expressões rebuscadas, mas que normalmente tem a profundidade de um pires.

Dias desses fui ao teatro com a Sra. Gordon e uma amiga dela. Sempre gostei de teatro, mas admito que vou muito menos do que gostaria, por basicamente dois motivos: primeiro, minha conta bancária mal consegue lidar com as paixões que eu tenho (jantares, cinema, DVDs, CDs, quadrinhos etc), e uma nova paixão iria deixar meu saldo em frangalhos; segundo, meus horários de puta jornalista não permitem nem que eu tenha a certeza de vou almoçar no dia seguinte, quanto mais saber que estarei livre no dia e horário da peça.

Enfim, esta semana consegui achar uma brecha e fomos assistir a uma peça produzida por uma amiga da Sra. Gordon Mas, apesar de ter gostado do espetáculo, saí de lá com uma certeza na cabeça: o teatro brasileiro sofre de um grande problema. E este problema é o público, que está cada vez mais dominado por intelectualóides.

Claro, eu já deveria ter desconfiado de que estaria me enfiando num reduto de intelectualóides se tivesse simplesmente juntado os fatos. Na minha cabeça, eu estava apenas indo ao teatro com a namorada, mas, na verdade, eu deveria ter me preparado para ir a uma peça de teatro amador em Pinheiros – o que, no mundo dos intelectualóides, deve ser um equivalente a uma semifinal de Copa do Mundo.

Comecei a desconfiar no que havia me metido já no saguão do teatro, minutos antes da peça. Olhando ao redor, estranhei o fato de que eu – usando apenas calça jeans e uma camisa – era o homem mais bem vestido do lugar. Justo eu, que não consigo ser o homem mais bem vestido do lugar nem mesmo se colocar um smoking e ficar sozinho em casa. Estudando as pessoas do lugar, avistei uns dois pares de papetes, alguns cachecóis e – claro – uma boina. E, obviamente, uma pessoa sentada em um canto, lendo um livro arrebentado.

Todas as pistas estavam ali, na minha frente: a boina, as papetes, o livro arrebentado (intelectualóides estão sempre lendo livros caindo aos pedaços) os ares de superioridade e as olhadelas pedantes por cima dos óculos de aros grossos e vermelhos – porque nem todo mundo que usa óculos vermelhos é intelectualóide, mas todo intelectualóide usa óculos vermelhos.

Percebi o que estava acontecendo. Eu estava no meio de uma ninhada de intelectualóides.

Obviamente isso fez com que a peça (que narra três histórias diferentes e é bastante interessante, mesmo com o texto arrastado demais em um ou outro momento) saísse perdendo, já que os melhores personagens estavam na platéia e não no palco. Convenhamos, não dava nem para competir. Afinal, qual nem Shakespeare, Tennessee Williams ou Nélson Rodrigues, juntos, poderiam criar algo tão estranho quanto aquele ser que se sentou na minha frente e começou a tirar a roupa no meio da peça?

Não, não estou exagerando.

No meio da peça, a criatura, de aproximadamente sete metros de altura e pesando uns 9 kilos (eu consegui identificar como bípede; calculo que era humano, mas não sei o sexo, já que a cabeleira mostrava apenas que ele (a) era parecido (a) com o Sideshow Bob, dos Simpsons) levantou a camiseta até o meio das costas e apoiou o rosto nos joelhos, numa clara demonstração de “estou consumindo cultura, e nem o calor pode me atrapalhar neste momento”. E eu ali atrás, olhando aquelas costas “bronzeadas” e “musculosas” (vela de sete dias mode: on).

Então, ao assistir uma peça de teatro amador, você escolhe: ou senta-se na frente e corre o risco de ter que participar do show – afinal, muitas peças querem bancar as modernosas e fazem os atores interagirem com a platéia (quer a platéia queira isso ou não) – ou você se senta lá trás é obrigado a presenciar uma palmeira-albina-metida-a-cult exibindo o corpinho que Deus lhe deu porque como ela está num ambiente cultural, faz questão de mostrar a todo mundo que está se sentindo em casa. Faltou só começar a coçar as frieiras na minha frente. Ô fase.

Curioso é que olhei ao redor e os outros intelectualóides continuavam vestidos. Claro, todos faziam aquela cara de conteúdo, com o rosto apoiado em uma das mãos e o olhar perdido, mas, ainda assim, vestidos. Típico. Num lugar com 90 intelectualóides, o mais estranho deles, que tem mania de tirar a roupa no teatro, vai se sentar logo na minha frente. É sempre assim.

Passei a última meia hora da peça me controlando para não acender um cigarro – já que as pessoas podem tirar a camisa, eu posso fumar – e começar a bater as cinzas nas costas do it (porque, como eu disse, não sei ainda se ele he ou she, então vamos de it) e me concentrei na peça. E, confesso que fiquei chateado quando acabou, porque eu realmente estava gostando. Mas nem tive tempo para pensar nisso, pois, enquanto me levantava, uma mulher atrás de mim comentou com a amiga:

– Nossa, eu adorei a montagem. Como eles usaram bem a linguagem cinematográfica na narrativa, você reparou?

Deus do céu. Porque não dizer apenas que “gostei da peça”? Tem que ficar inventando teorias de linguagem para gostar do que viu? Não basta apenas dizer que “foi bem legal”? Tem que ser sempre uma narrativa aristotélica que causa uma ruptura na semiótica teatral clássica dos anos 50? Imagino uma pessoa dessas assistindo Star Wars e comentando o filme com o George Lucas depois, dizendo que:

– ... mas o que me chamou a atenção mesmo foi o foco narrativo episódico, com diálogos entrecortados e metafóricos, abordando com sutileza cortante o modo de pensar das religiões asiáticas.

E o George Lucas respondendo: “Hã... Ok”.

Sério, que povinho sacal.

Gostei da peça? Gostei. Mas isso não me impediu de voltar para casa e ler um Homem-Aranha antes de dormir, sem ficar procurando referências pictográficas aos quadros de Goya em cada quadrinho.

Falando sério, se você é metido a cult e quer mostrar que é inteligente, intelectual e escolado no mundo das artes, uma dica: fique em silêncio. Isso dá um ar intelectual indiscutível. E, mais importante, você não corre o risco de dizer bobagem, algo que, inevitavelmente, você vai dizer, no máximo, na terceira frase.

Mas, caso você queria realmente sair por aí cagando regra sobre o filme, a peça ou o livro, segue o Top 5 expressões que todo intelectualóide usa, invariavelmente, ao comentar uma obra artística:

1. “Resgate”

2. “Ruptura”

3. “Rompe os parâmetros”

4. “Brinca com os estilos”

5. “Provoca o público”

22 de outubro de 2007

Mostra o Seu, que eu Mostro o Meu

Pronto.

Começou a Mostra de SP.

Com isso, os bichos grilos e indies metidos a cult que habitam as calçadas do Espaço Unibanco podem abandonar por alguns dias aquele ecossistema que dividem com os camelôs que vendem livros sobre socialismo e camisetas do Che Guevara e migrarem para outros locais da cidade. Assim, nos próximos dias, as imediações da Avenida Paulista serão tomadas por dois tipos de pessoas: alguns poucos fãs de cinema que se deliciam com a programação da Mostra de São Paulo, mas, que, como possuem empregos normais, precisam escolher a dedo qual sessão irão assistir; e hordas de jovens que estudam ciências sociais na USP ou na PUC, não trabalham porque são sustentados pelo pai, lutam pelo fim da exclusão social (mas moram num apartamento de quatro quartos no Jardins) e que são loucos para trabalhar numa Ong e passar o resto da vida fumando maconha na praia porque, além de serem intelectuais e de esquerda, são moderninhos e transgressores.

Se você se encaixa neste último tipo, e esta é a sua primeira Mostra de SP, não fique nervoso. Siga as dicas abaixo e você passará tranquilamente por cult, talvez até mesmo tornando-se mais insuportável que muitos intelectualóides que carregam muito mais Mostras de Cinema que você na bagagem.

O que assistir?
Pegue um catálogo da Mostra e selecione seus filmes, fazendo isso obrigatoriamente sentado sob o vão do Masp. O critério de seleção dos filmes é fácil: primeiro, elimine todos os filmes falados em língua inglesa. A seguir, analise as películas francesas e marque para assistir aqueles cuja sinopse de duas linhas já é terrivelmente chata. Por fim, pegue todos os filmes feitos em países latino-americanos ou em regiões da Ásia que não possuem água potável e assinale como obrigatórios. Marque com canetinha, pois, assim, qualquer pessoa que espiar o seu catálogo verá o quanto você é cult e só assiste a filmes difíceis. Não se esqueça de dizer repetidamente para todos os seus amigos que a única coisa que presta na Mostra é aquele filme afegão sobre uma noiva que cai – junto com um camelo e um garoto aleijado – numa fossa de esgoto e passa oito dias lá dentro – e que ninguém vai ver – é, de longe, o melhor filme dos últimos quatro anos.

O que vestir?
Vá de bermuda e havaianas, porque calça jeans e sapato é coisa de gente que segue modinhas fúteis como ter emprego com carteira assinada. Não se esqueça também daquela camiseta do Che Guevara (com ou sem a cara do Seu Madruga, para mostrar sua verdadeira consciência política latino-americana) que seus amigos acham que foi comprada na porta do Espaço Unibanco mas, que, na verdade, sua tia comprou no Shopping Iguatemi e lhe deu de Natal. Se estiver frio, vá com seu abrigo da Adidas daquele modelo que se usava nas aulas de educação física dos anos 70 (época na qual já eram toscos) e que foram retirados do esquecimento uns dois anos atrás por algum estilista infeliz . Se você for mulher, uma saia indiana e um chinelão de couro gasto também podem ser utilizados.

E os acessórios?
Durante a Mostra, os assessórios são quase tão importantes quanto a roupa, pois são eles que fazem a diferença entre o cult profissional e o amador. O primeiro item é o cachecol: independente de estar fazendo 42 graus à sombra, o uso do cachecol é obrigatório em todas as sessões. Lembre-se que, sem cachecol, você não é digno de assistir a nenhum filme da Mostra e deveria estar estar mesmo é num Cinemark qualquer, assistindo a Hora do Rush 3 e se empanturrando com baldes daquele líquido negro do imperialismo norte-americano. Outro item essencial são os óculos de Mostra, com armação grossa, pequenos e quadrados que só quem é cult usa. Alguns acessórios que não são obrigatórios mas muito bem vindos são a bolsa de couro meio hippie, que você vai encher de livros do Gabriel Garcia Marques que você nunca leu (e nem pretende, porque você já teve dificuldades em entender o texto da contracapa), mas que deixará à vista de todos – lembre-se que todos os livros devem ser surrados, porque cult que é cult só compra livros em sebo. Não se esqueça também de comprar a Caros Amigos e andar com ela fora da bolsa, para as pessoas acharem que é isso que você lê quando quer uma leitura leve.

Como se comportar?
Nas filas, finja que está fazendo marcações no seu catálogo da Mostra, para as pessoas acharem que você é altamente experiente no que diz respeito às mostras de cinema. Ou finja que está no celular com alguém explicando porque aquele filme afegão da noiva no esgoto é, de longe, o melhor filme dos últimos quatro anos. Durante as sessões faça cara de conteúdo o filme todo, mesmo que você não esteja entendendo nada do que está acontecendo na tela – o que é bem provável que aconteça. é fácil: fique com o rosto apoiado na mão (o ideal é manter o indicador ao lado do rosto e o polegar sobre o queixo) e, se o braço começar a doer, não demonstre isso. Além disso, se as pessoas começarem a rir em alguma cena engraçada do filme, vire-se para trás e olhe feio para todo mundo, deixando clara sua indignação. Lembre-se que você não pode rir no cinema. Os filmes da Mostra são arte em estado puro e arte não é divertida.

O que fazer depois do filme?
O único lugar que você pode ir após os filmes é um Frans Café. Faça questão de manter o seu catálogo da Mostra na mesa, bem visível a todos, para que os demais clientes saibam o quanto você é cult. Se estiver sozinho, compre uma Folha de São Paulo e faça comparações entre os horários das sessões no jornal e do catálogo da Mostra. Se estiver com seus amigos insuportáveis como você, faça questão de que as pessoas das mesas ao lado ouçam o que você fala, para que você possa mostrar o quanto manja horrores de cinema alternativo. Lembre-se: os filmes que todo mundo assistiu (e gostou) são ruins; já aquele filme afegão sobre a galera presa no esgoto – que passou em apenas uma sessão e ninguém viu porque tinha apenas legendas em alemão – é a única coisa que valeu a pena na Mostra. Faça referências a todos os diretores pelo sobrenome, como se você estivesse familiarizado com o trabalho deles – mesmo o sujeito tenha feito apenas um filme (não se esqueça de estudar a pronúncia correta dos cineastas franceses antes de sair de casa). Quando comentar os filmes, use sempre, em alto e bom som, expressões como "transgressor", "ruptura", "resgate", "releitura", "humano demais" e "bem construído" sempre que possível.

O que fazer até a próxima Mostra?
Não se esqueça que ser intelectualóide da Mostra é algo que rende frutos mesmo depois do final do festival. Quando seus amigos lhe convidarem para assistir algo, diga que você não vai porque já assistiu na Mostra. Aliás, diga que você já assistiu na Mostra e é bem meia-boca. Caso o convite seja para ver a porra do filme afegão sobre a noiva, o camelo e o menino presos no esgoto, diga que após a Mostra você assistiu ao primeiro trabalho do diretor (não se preocupe, ninguém vai saber se é verdade ou não) e que é infinitamente superior. Sendo assim, seus amigos estarão todos no cinema e você poderá ir para assistir a Heroes ou 24 Horas sem correr o risco de algum amigo seu descobrir que você gosta desses programas burgueses e comerciais.