Desde crianças aprendemos que o homem “nasce, cresce, evolui
e morre”.
Entretanto, qualquer pessoa que já cresceu e evoluiu descobre
que a frase é incompleta. Entre o “evolui” e o “morre” existe um “envelhece”
que não aparece na frase porque provavelmente está escondido atrás do “evolui”,
reclamando do frio. E, claro, morrendo de medo de ser vista pelo “morre” que
permanece ali, orgulhosa do seu posto, logo ao lado do ponto final.
Talvez o “envelhece” esteja fora da frase por delicadeza. Mas,
mesmo assim, trata-se de um erro. Se estivesse na frase, o “envelhece” ocuparia
a maior parte dela. Uma pessoa nasce em um instante; cresce e evolui na
primeira metade da vida (e isso sendo bastante generoso com algumas pessoas); e
morre em outro instante. O “envelhece”, que não está na frase, ocuparia toda a segunda
metade da vida e da frase.
Agora, o problema da palavra “envelhece” é que, por não estar
na frase, ela se sente no direito de ficar aparecendo o tempo inteiro, em todos
os lugares. E não adianta ignorá-la. O “envelhece” é teimoso e não desiste de
aparecer. Tenta conversar com as pessoas na rua sem fazer muito sentido, pede
ajuda para mudar o canal da TV ou contar as moedas do bolso, fica puxando assunto
em ônibus e filas de banco.
Eu sei disso porque o “envelhece” tem falado bastante comigo
nos últimos meses.
A primeira vez foi quando eu estava assistindo a um jogo de
futebol na Copa. O lateral direito pegou na bola e eu comentei que “esse menino
joga muito bem”. Foi só depois de alguns minutos que eu percebi que havia dado
um grande passo rumo à melhor idade.
Quando você é jovem, você se refere ao jogador de futebol
como “cara”. “Esse cara joga muito”. “Esse cara não devia estar no time”. Porque
o “cara” tem, no máximo, a mesma idade que você.
Mas chega um dia que o jogador de futebol deixa de ser “cara”
e se torna “menino”.
Quando isso acontece, é porque seu cérebro está reconhecendo
oficialmente que uma pessoa que tem condições de praticar esporte é mais nova
que você. Você não tem mais condições de jogar bola. Você não pode mais sonhar
em ser um jogador de futebol quando crescer. Tudo o que você pode fazer é ficar
na arquibancada vendo os jovens jogarem e torcendo para que não vente muito no
estádio.
Mas chamar jogador de futebol de “rapaz” ou “menino” não foi
meu primeiro passo rumo à velhice.
Isso começou já há anos, de forma discreta, em frente às
bancas de jornal.
Quando eu era moleque, estava sempre em bancas de jornal. E sempre
que encontrava a Playboy, prestava atenção em duas coisas: quem era a mulher da
capa e se eu fazia ideia de quem era o entrevistado – porque quando você é
moleque, conhecer o nome do Ministro da Fazenda não está exatamente na sua
lista de prioridades, especialmente quando tem um par de seios pulando ao lado
do nome do sujeito.
Hoje, a coisa mudou: em 100% das vezes, eu conheço o
entrevistado. Ministros, escritores, artistas, presidentes de outros países...
Conheço todos.
Mas, na maior parte das vezes, eu não faço ideia de quem é a
mulher da capa. Não sei se é atriz, cantora, apresentadora. É desanimador
demais saber que “a nudez mais esperada do ano” (porque a cada três meses a
Playboy publica a nudez mais esperada do ano) é de uma mulher que eu nunca ouvi
falar.
Com isso, fica claro que a Playboy não é mais para mim. A Playboy
tem um público alvo muito bem definido: são as pessoas que estão ali na
primeira metade da frase, no “cresce e evolui”. Eu não estou mais lá, e aquele
bando de desconhecidas seminuas na capa fica jogando isso na minha cara todos
os meses.
Chamar jogador de futebol de “menino”? Check.
Não fazer ideia de quem seja aquela mulher na Playboy?
Check.
Dos três sinais clássicos da velhice, eu já podia riscar
dois. Faltava apenas um: não conseguir mais usar o Mc Donald’s, algo que todo
velho que se preze tem que fazer. Na verdade, alguns velhos mal sabem falar o
nome da lanchonete, pronunciando “máque donald’s” ao invés de “méc donald’s”,
mas isso é algo que já classifico como exibicionismo. Enfim, faltava apenas um
sinal da velhice.
Não falta mais. Semana passada entrei em um Mc Donald’s e fiz
meu pedido.
– Me dá um número quatro.
O atendente – um menino de vinte e poucos anos – olhou para
mim sem entender direito.
– Qual é o número quatro?
– Como assim, você não sabe? Você não trabalha aqui?
– Sim, mas não sei o que é número quatro.
– Isso é um absurdo!
Foi quando a Esposa me cutucou e disse, discretamente, que as
promoções de números não existem mais há um bom tempo. Talvez anos.
Comecei a resmungar, dizendo que no meu tempo era mais fácil
fazer o pedido, que quero um Cheddar, mas também quero saber aonde esse mundo vai parar já que ninguém
respeita mais nada. Peguei a bandeja e voltei para a mesa, deixando a Esposa
pagar porque tive medo de não conseguir entender como passar o cartão e
roubarem todo meu dinheiro, e é sempre bom ter dinheiro porque a gente nunca sabe quando vai precisar comprar remédio.
E, na praça de alimentação, descobri que estou na pior fase
da velhice, que é o começo dela. Sou velho o suficiente para não saber como as
coisas funcionam, mas não sou velho o suficiente para alguém me oferecer um
lugar para sentar. Fiquei ali, com a bandeja na mão, velhinho, procurando um
lugar para sentar e poder comer meu sanduíche que no meu tempo chamava “número
quatro”, reclamando que quero ir embora, que meus pés estão doendo, que eu vou
perder meu programa na TV. E praguejando que é cada dia mais difícil pedir as
coisas no Mc Donald’s.
Dos três itens da “to do list – velhice”, agora sim estavam
todos cumpridos.
Estou oficialmente naquele limbo entre o “evolui” e o “morre”.
E assim vou vivendo meus dias. Hoje, por exemplo, entrei num
táxi e o sujeito (que, anos atrás, eu diria que era um velho de 102 anos de
idade, mas hoje enxergo como uma pessoa normal) estava ouvindo sambas antigos.
Comecei a prestar atenção na letra – por causa das semelhanças com o blues, falando
sobre falta de dinheiro e falta de amor – e perguntei causalmente quem estava
cantando.
– Francisco Alves, ele respondeu.
Eu ouvi mais um pouco e concluí.
– Isso que era música de verdade. Essa molecada de hoje em
dia só escuta bobagem.
O taxista olhou para mim e respondeu:
– É verdade. Concordo com o senhor. Antigamente, as coisas
eram melhores.
E abri um sorriso.
Acho que me encontrei. Este é meu clube. Esta é a minha vida – ou, ao menos, o que resta dela.
Acho que me encontrei. Este é meu clube. Esta é a minha vida – ou, ao menos, o que resta dela.
Ainda hoje vou comprar um cachecol e meias de lã.
8 comentários:
E um gorro, é claro!
Tô velho, tô muito velho.
Chamo meus amigos de meninos, sendo que eles tem 6 ou 10 anos a mais que eu. Sempre falo "Vou sair com os meninos" ou "Os meninos estão me esperando lá no bar"
Continuo não sabendo quem são os entrevistados na playboy... mas não compro playboy mesmo. rs
E.. tá me zoando que não tem mais promoção de números... Não dá pra pedir mais o número 1? Tudo bem, não tem máque donald’s aqui na cidade.. mas isso aí tá errado
Também em relação à Playboy, um marco para mim foi quando notei que era mais velho do que as coelhinhas.
P.S.: Agora você vai poder dizer com gosto um "vai colocar um gorro, jovenzinho!".
Acabaram os números? Logo agora que me deu a maior vontade de partir para um número 2...
E no meu tempo, com dez centavos eu comprava um saco de balas, vinte suspiros e uma maria-mole!
Não esquece de comprar também as polãinas!
Boina. Compra boina.
Como foi que o sujeito dos cinquenta reais em jalapeños foi parar no méqui?
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