Foi algumas horas atrás.
Estava indo rumo ao ponto de ônibus
quando fui parado por três mulheres na rua. Duas delas deviam ter quarenta e
poucos anos, mas a que parecia ser a líder devia ter quase setenta. E não
parecia a líder por ser mais velha, e sim porque ela que veio falar comigo,
enquanto as outras apenas observavam.
– Posso fazer uma pergunta?
– Pois não.
– O que você espera do futuro?
Na verdade, eu não espero muita coisa. Hoje é domingo, são
10 e pouco da manhã e estou indo pegar um ônibus para trabalhar. Detalhe que
estou indo para fazer algo que não é minha função. Ou seja, eu não estou muito
feliz com o presente. Tudo o que eu espero do futuro é que ele chegue, porque quando
isso acontecer o presente vai ter se tornado passado. Mas não acho que seja
isso que ela está perguntando.
– A senhora pode ser um pouco mais específica?
– O que você espera do futuro da humanidade?
Bom, em curto prazo, não espero nada. Aliás, às vezes eu
acho que tudo o que espero do futuro é que ele não seja igual ao passado, mas
duvido que isso vá acontecer, já que para cada passo à frente que damos, parece
que damos outros dez passos, todos para trás. Em médio prazo, eu gostaria
apenas que fosse um lugar onde eu ficaria tranquilo em ter um filho, sabendo que
ele pode crescer num lugar minimamente justo e educado, e que, ao fazer o
correto, ele será visto como uma pessoa normal, e não como um portador de uma doença
contagiosa. Longo prazo? Espero que os vulcanos apareçam logo. Com a ajuda
deles e com o uso do motor de dobra, poderemos começar a viajar pelo espaço,
entrando em contato com novas vidas e civilizações, mostrando que o significado
de “audaciosamente ir onde nenhum homem esteve” não diz respeito somente a visitar
planetas inexplorados, e sim ser mais tolerante e generoso do que somos hoje.
Mas não acho que seja isso que ela está perguntando.
– Em que sentido?
– Você acha que, no futuro, a humanidade vai piorar, vai
continuar igual, vai melhorar?
Eu não deveria ter pensado em Jornada nas Estrelas, porque
agora meu cérebro fundiu. Eu acho que a humanidade pode sim, melhorar, mas
somente se as máquinas tomarem o controle do planeta. Com isso, ao invés de esconder
nossas frustações atrás de fotos do Instagram, teríamos que pegar em armas e
combater o exército da Skynet. Mas como ela parece estar falando sobre
religião, meu argumento das máquinas não vai funcionar direito... A não ser,
claro, que eu fale de Battlestar Galactica, que mexe com religião. Agora, o
panfleto que ela está segurando fala de um único deus. Ela não acredita nos
Lordes de Kobol, ela é monoteísta. Talvez ela seja uma cylon infiltrada. Ou talvez
não seja isso que ela está perguntando.
– Olha, eu acho que...
– Piorar? Ficar igual? Melhorar muito?
A pergunta foi tendenciosa. O “melhorar” tem um “muito”, e o
“piorar” não. Ela está encaminhando a conversa para o “mundo vai melhorar”,
porque precisa provar isso para mim. Ou talvez ela precise provar isso para ela
mesma. Não vou culpá-la. Uma pessoa que fica na rua perguntando este tipo de
coisa precisa ver sua fé reafirmada o tempo inteiro, de preferência nas outras
pessoas. É o princípio do Facebook. Damos nossas opiniões e temos a certeza de
que ela está certa quando recebemos o “like” das pessoas que pensam exatamente
como a gente e não estão dispostas a se questionar por um instante. Assim,
podemos virar para nós mesmos e gritar que “so say we all!”. Mas chega de
pensar em Galactica. Vou responder que vai piorar, mas não vou entrar no campo
da projeção, e sim da retrospectiva. Vou alegar que nós pioramos a cada dia.
Vou alegar que quando mesmo quando parece que não temos mais onde errar,
inventamos um novo meio. Criamos uma nova intolerância, colocamos em prática
uma nova injustiça, fechamos uma porta de diálogo. Até mesmo quem defende as
coisas que o senso comum diz que são corretas fazem isso, então para mim existe
claramente uma tendência ao erro. E é com isso que devemos trabalhar.
– Eu acho que vai p...
– De acordo com Deus, vai melhorar. Vai melhorar muito. Você
não acha que vai melhorar?
Aqui, a manipulação se tornou evidente. Ela estava me
cercando, esperando para me tirar todas as opções. Quando ela fez a pergunta “você
não acha que vai melhorar?” faltou somente fazer um gesto com a mão e eu
responder que “estes não são os dróides que estamos procurando. Sigam adiante! Sigam
adiante!”. Desculpa, senhora, mas seus truques jedi não funcionam comigo.
– Na verdade, eu acho que vai p...
– Deus, em sua sabedoria, diz que o mundo vai melhorar.
Chega. Eu preciso trabalhar. Adoraria continuar nisso, mas
eu preciso trabalhar.
– A senhora ainda precisa de mim?
– Como assim?
– A senhora está fazendo uma pergunta para mim, mas a
senhora mesmo está respondendo. A senhora perguntou o que eu acho do futuro, e
eu estou tentando responder. Mas a senhora não me deixa falar para dizer o que
Deus acha do futuro. Se a senhora quer saber o que Deus acha do futuro, eu não posso
responder, eu não posso falar por Ele. Não seria correto, porque nunca nem
conversei com Ele a esse respeito.
– Mas Deus, em sua infinita sabedoria, se expressa por todos
nós.
Essa era a hora que eu deveria responder que “com licença,
por que Deus precisaria de uma espaçonave?”, mas isso é do filme dirigido pelo
William Shatner, e só uma pessoa num grau avançado entenderia a referência. Então,
resolvi encerrar a conversa pelas regras.
– Então a senhora não precisava de mim.
– Como assim?
– Se Deus se expressa por todos nós e a senhora já sabe que
Ele acredita que o futuro vai ser melhor, eu vou obrigatoriamente ter que
responder isso, concordando ou não. De acordo com sua lógica, qualquer pessoa
vai ter que responder isso. Ou seja, a senhora faz a pergunta já sabendo a
resposta. Então, acredito que a senhora não precise mais de mim aqui.
– Na verdade...
– Na verdade, estou com um pouco de pressa. Mas foi um
prazer.
Sorri e fui embora. Andei cinco metros, resmunguei para mim
mesmo que “humanos são completamente ilógicos”. Puxei o celular do bolso,
apertei um botão e disse que “Scotty, um para subir” e fechei os olhos.
Nada aconteceu. Abri os olhos e continuava naquele estranho
planeta, onde as pessoas precisam de outra pessoa para falar sozinhas e
mostrarem para si próprias o quanto estão corretas. Olhei para as estrelas pensando
o quanto eu gostaria de não estar mais aqui.
Quem sabe um dia.
Enquanto o dia não chega, preciso trabalhar. Guardei o celular no bolso e continuei andando até o ponto de ônibus.
Enquanto o dia não chega, preciso trabalhar. Guardei o celular no bolso e continuei andando até o ponto de ônibus.
8 comentários:
Malditas formas humanóides baseadas em carbono...
Se você perguntasse "com licença, por que Deus precisaria de uma espaçonave", provavelmente a criatura iria te atacar. Ou começar a dizer "Deus irá levar os escolhidos para o Paraíso..." e você cairia no sono de tédio. Se bem que ela não é o Sybok, provavelmente não ia entender a pergunta - a referência não ia entender mesmo... =P
Adorei, texto genial! Uma cena cotidiana transformada numa bem-humorada reflexão-ficção-científica :)
Ai Rob...
Eu realmente gostaria que você tivesse encerrado a conversa com todas as coisas que você disse.
Uma vez eles vieram aqui em casa e me perguntaram o que eles eram, prontamente eu respondi: "ué, vocês são testemunhas de Jeová!" o senhor me disse: "viu só? vc já disse o nome de Deus!" Olhei pra ele e conclui: "bom, eu sou umbandista. Pra mim o nome dele é Olorum, mas também chamamos de Oludamaré." E fechei a porta.
Sinto muito, mas não posso ser testemunha de Jeová, pois não estava presente quando da ocorrência do delito.
A culpa é das estrelas.
Pare tudo que está fazendo.
Deus tem um MILAGRE pra você.
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E ligando agora ainda recebe INTEIRAMENTE DE GRÁTIS a Bíblia narrada por ninguém menos que Cid Moreira.
Mas seja rápido, porque essa oferta só vale para os primeiros cem fiéis que deixarem seu dízimo.
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