Eu estava naquele ponto de ônibus numa rua qualquer de uma cidade grande.
Na calçada, as pessoas passavam sem reparar em mim ou na conversa que eu estava tendo com John Lee Hooker. Na rua, carros rodavam sem reparar em mim ou mesmo nas outras pessoas da calçada.
Para as pessoas, eu era apenas mais um. Para os carros, eu era apenas menos um.
Enquanto eu estava ali, ninguém ouviu John Lee Hooker me confessar que amor é bom mas, naquele momento, ele precisava mesmo de dinheiro. Ninguém ouviu. Nem as pessoas da calçada, nem os carros que cuspiam fumaça, muito menos o ônibus que parou no ponto, impaciente para continuar sua viagem.
Foi quando ela ficou do meu lado.
Devia ter uns quarenta anos, mas cara de quem já viveu quase cinquenta, como acontece com todo mundo da cidade. Estava em uma janela do ônibus que roncava, ansioso para partir e se misturar aos carros. Seu olhar era perdido, mas seus olhos eram fáceis de encontrar: estavam ali no meio das lágrimas.
Fiquei olhando por alguns instantes. Estava a menos de um metro de onde eu estava, mas uma janela embaçada e engordurada de dedos nos deixavam a quilômetros um do outro. Eu estava sozinho, entre tanta gente na calçada; ela estava sozinha, no meio das lágrimas dentro do ônibus.
Eu poderia ter olhado para o nada. Talvez abaixado os olhos, talvez tentado ler o nome do ônibus que estava se aproximando. Mas resolvi olhar para tudo – pois quando uma pessoa se permite chorar dentro de um ônibus, é porque aquilo que ela está sentindo é tudo. E, numa cidade grande, não se mostram lágrimas de tudo na frente dos outros. Numa cidade grande, só se chora sozinho e escondido em casa.
Talvez seja por isso que ela tenha despertado e, ainda com os olhos molhados, olhou ao redor para ver se alguém havia reparado não nela, mas em suas lágrimas. E se surpreendeu ao ver o sujeito que estava na calçada, a centímetros-quilômetros dela, observando em silêncio seu choro.
Ela não soube o que fazer, porque numa cidade grande, pessoas costumam chorar quando não sabem o que fazer. E eu sorri para ela, porque no mundo que eu moro você sorri para pessoas que não sabem o que fazer.
Ela me estudou por uns instantes e sorriu de volta. Um sorriso de “talvez” que abraçou meu sorriso de “amanhã pode ser melhor”, e saíram andando pela rua, dois sorrisos abraçados que ninguém viu. Nem as pessoas, nem os carros, nem o ônibus que já partia roncando e deixando um rastro de fumaça.
Eu ia pedir para o John Lee Hooker ficar quieto por alguns instantes, mas ele foi mais rápido e começou a gritar que estava no clima para o amor. E eu deixei ele continuar. Não por mim, nem por ele, mas pela mulher do ônibus. Para que ela saiba que numa cidade onde ninguém se importa, alguém viu e sorriu e cantou de volta.
E mostrou para ela que o amanhã pode ser melhor – e que, justamente por isso, está torcendo com ela para que esse amanhã comece hoje.
10 comentários:
E a gente pode chorar escondido em casa pq o texto foi lindo demais? Pode, né... ainda bem!
Lágrimas são contagiosas... esperança também.
Valeu, Rob!
Ninguém precisa saber que caiu areia aqui no meu olho.
Lindo texto.
Sempre que volto a frequentar o blog encontro ele com uma carinha nova e me reencontro de uma maneira diferente. Como leitora, como escritora, como observadora. Adoro seus textos! Depois de ler começo a observar as coisas cotidianas de um jeito bem mais especial e vou levando o blog junto comigo. Obrigada e parabéns :)
Momento Chronicles modo mundo real.
Muito bom.
8 anos acompanhando esse blog e Rob sempre me surpreende com belos textos. Obrigado, só isso a dizer.
Muito bacana!
muito bom!
adoro seus textos , passei a observar tudo a minha volta com mais atenção...
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