2 de outubro de 2013

Entre a Ficção e a HQ Terapia

Se existe um gênero de não ficção que eu gosto de ler são biografias.

Isso vale especialmente para pessoas que admiro – ou que pertencem a um mundo que admiro – como músicos e diretores de cinema. E isso vale mais pelo mundo ao redor da pessoa que pela pessoa em si. Claro que eu adoro aprender sobre pessoas que admiro há anos, mas eu realmente fico muito empolgado ao ver o biografado tropeçar em outras pessoas das quais sou fã.

Vou tentar explicar melhor. Vamos pegar como exemplo a biografia do Eric Clapton. Talvez seja uma das melhores que eu tenha lido até hoje, pela história do sujeito – se você não leu, leia; se você não leu e gosta de música, leia agora. É doce e amarga ao mesmo tempo, e chega a ser incômoda de tão comovente em algumas passagens.

Mas ela brilha de verdade em momentos que ele se aproxima de outros sujeitos que, por si só, merecem ser biografados, como os Rolling Stones, os Beatles. É mais ou menos assim: você está lendo sobre o Clapton e, de repente, ele está num bar trocando confidências com o George Harrison. Você está lendo sobre a vida do Ozzy Osbourne e de repente ele começa a conversar com o Robert Plant. Você está lendo sobre John Huston e de repente ele está bêbado no meio da África com o Humphrey Bogart.

Eu considero estes trechos, estas “participações especiais”, como bônus em uma biografia. Você está aprendendo sobre a vida de uma pessoa e vê um lampejo sobre a vida de outra. E assim você aprende um pouco mais sobre o mundo da pessoa sobre a qual está lendo. Aprender sobre como o Eric Clapton se sentia ao gravar um determinado disco faz você saber como ele se sentia. Ver sobre o que o Eric Clapton e o George Harrison conversaram em um bar faz você se sentir na mesa ao lado da mesa deles.

Isso talvez aconteça porque eu sempre fui apaixonado por mundos. Para mim, o cenário de uma história é tão importante quanto a história em si. Isso vale para uma biografia como para um filme. Neste ponto, isso vale muito para ficção científica e fantasia.

E aqui eu vou divagar um pouco para tentar exemplificar melhor essa sensação: lembro-me de ser criança e assistir O Império Contra-Ataca e, na cena em que Luke e Vader se enfrentam pela primeira vez, na Cidade das Nuvens, eu me senti privilegiado. Aquele combate é um dos momentos mais importantes na história da galáxia, e provavelmente tema de comentários de gerações e mais gerações, mas ninguém estava vendo aquilo. Eles lutam num lugar vazio, sem testemunhas.

Ninguém estava vendo aquilo, a não ser eu. Eu estava vendo a história acontecer na minha frente. Eu estava na mesa ao lado, ouvindo Clapton e Harrison conversarem. É um privilégio.

Quando eu percebi meu privilégio em ver a batalha entre Luke Skywalker e Darth Vader, eu entendi que havia uma história enorme por trás daquilo que eu estava lendo. Talvez este momento tenha sido um ponto chave na minha vida, algo que me fez querer contar histórias pelo resto da vida – talvez não tenha sido, mas confesso que esta historinha em si é boa demais para não ser contada.

Tracei esta fusão entre biografias e ficção para chegar aonde eu queria: neste momento, estou lendo Marvel Comics – A História Secreta. O livro traça a história da editora, desde os anos 30 até a potência que ela é hoje.

E, nas primeiras páginas, eu percebi que teria uma dificuldade em ler o livro. E não porque assim como Easy Riders & Raging Bulls, é daqueles livros que pega algumas pessoas que admiro e não apenas o humaniza, mas literalmente os apodrece. Mas por causa das participações especiais. Você está lendo e testemunhando uma conversa entre Stan Lee e Jack Kirby. E se sentindo privilegiado. Mas, de repente, surge, no meio do diálogo, o Reed Richards.

E você se sente ainda mais especial por estar vendo tudo aquilo acontecer, por estar assistindo a três nomes que significam demais na sua vida...

Até que você abaixa o livro, respira fundo e lembra-se que o Reed Richards não existe, ele é apenas um personagem de quadrinhos que lidera o Quarteto Fantástico. E passa o resto do capítulo se forçando a acreditar que o Sr. Fantástico não está na sala junto com Lee e Kirby. Porque ele não existe de verdade.

A não ser, claro, na minha mente – o que certamente é o indício de algum problema mental que eu possa ter.

Vai ser difícil ler este livro, pois eu vou precisar me concentrar o tempo inteiro e ficar repetindo em voz alta que o Peter Parker não existe. Porque, no fundo, eu sei ele existe, eu convivo com ele há quase 25 anos. Eu me sinto mais próximo dele que de muitos amigos meus – que, até onde eu sei, existem.

Por outro lado, talvez não seja um problema mental. Talvez seja o fato de que alguns personagens se tornam tão importantes na nossa vida que eles se tornam reais. Eles deixam de ser imaginários e se tornam amigos e cúmplices de verdade. O amigo Luke Skywalker, o parceiro Peter Parker, o cúmplice James Kirk.

Existem personagens que são reais. E quem faz isso acontecer é o público.

Vamos pegar o exemplo do garoto de Terapia. Ele não existe, certo? Tudo o que ele fala foi escrito por mim e pela Marina. A cara dele é criada pelo Mario. Todas as vezes que ele segura o choro ou explode de raiva, não é ele. É o lápis do Mario obedecendo ao que eu e a Marina queremos que ele sinta.

Mas, para mim, ele é real. Para o Mario e para a Marina, também. E não porque ele “está dentro de nós” – isso seria clichê demais – mas porque ele existe de verdade. Eu sei que ele está andando por aí nas ruas, mesmo sem conhecer a gente. E espero de verdade que ele (ou eles, porque pode ser mais de uma pessoa) nunca nos processe por mostrar a intimidade dele para tanta gente que, assim como nós, sabem que ele existe de verdade.

Porque não somos poucos. Aposto que boa parte destes 700 e tantos apoiadores da imagem abaixo acreditam nisso como a gente. Sim, muitos compraram por admirarem o traço do Mário, outros por gostarem do que a Marina e eu escrevemos. Alguns compraram pelo blues, outros pela psicologia. E, alguns, claro, pela amizade que mantém conosco, por desejarem nosso sucesso nesta empreitada.




Mas eu tenho certeza que muitos compraram pelo garoto. Porque sabem que já faz anos que este menino cheio de problemas e apaixonado por blues se tornou amigo delas. E espero que cada um de vocês se sinta privilegiado em estar ali naquele consultório vendo o menino contar tudo o que pensa (ou quase tudo) e tudo o que sente (ou quase tudo) para seu terapeuta.

Foi difícil? Foi. Foram dois meses de ansiedade, querendo ver essa HQ impressa. Em muitos momentos, eu achei que não ia dar. E me surpreendi: não apenas batemos a meta antes do prazo, como atingimos a meta máxima que estipulamos (R$ 40.000,00).

E já faz alguns dias que estou dormindo com a sensação de dever cumprido. Não sobre o livro – o trabalho pesado começa mesmo agora – mas sobre o garoto. Estes números mostram o que eu defendo neste texto, algo que tanto a Marina como o Mario certamente concordam comigo.

Esta história é maior que a gente. Este personagem é maior que a gente. E ele existe de verdade.

Ao menos, no coração de muitos de vocês.


E é nome deste meu amigo, o “Garoto de Terapia”, que eu agradeço a cada um de vocês.

5 comentários:

Climão Tahiti disse...

Quero ver como será a cantoria... Compor é fácil diante do microfone.

Tem que ter fotos. =)

*começando a pilhar*

Nelson disse...

Eu comprei pelos quatro motivos que você apresentou: sou fã dos desenhos do Mario, fã do roteiro seu e da Marina, fã do garoto e gosto bastante de psicologia. Fiz o que pude aqui pra ajudar no projeto, até onde eu sei 3 amigos compraram por indicação minha.

Estava ansioso também, entrava quase todo dia pra ver como ia a arrecadação, e quando estava lá pelos 20 mil e o negócio meio que estacionou eu gelei, achei que não ia dar.. O pior: ia ser por pouco.
Não sei o que aconteceu com o universo um pouco depois e o povo desembestou a contribuir... fiquei feliz pacas. Quando entrei hoje de manhã e vi que tinha passado dos 40 mil... rapaz! To feliz até agora, pra ser sincero.

Agora, aguardo ansiosamente pelo volume aqui em casa. Juro que será lido com muito carinho.

Parabéns Rob, e manda um abraço pra Marina e pro Mario. O que vocês fazem nesse projeto está com um nível absurdamente sofisticado, Terapia tem nível pra ser lançado em qualquer país do mundo. Tenho certeza que essa campanha do Catarse foi só o começo de algo gigante pra vocês.

Grande abraço!

Digo disse...

Excelente texto!

Anônimo disse...

É...
Essa aproximação entre as personas é sempre muito sensível: nem sempre conseguimos definir onde começa e onde termina o que sentimos, esperamos, ansiamos e experimentamos, ainda mais quando nos sentimos dentro do texto, como acontece nos exemplos que vc citou.

Sabe, Rob: todo leitor é um pouco autor, pois criamos partes do personagem que adoramos pra conversar conosco, trocar idéias, rir, chorar e enriquecer nossas vidas. Independente da mídia, é a hora em que as personas se chocam, pois estes personagens "fictícios" tornam-se tão reais que passamos a "perceber o que eles sentem", a ter empatia com eles.

E é assim comigo para com o Projeto do Terapia como um todo.

Não pude contribuir por "N" motivos, daqueles que só cerveja e conversa me fariam falar, mas já divulguei no Twitter e no Facebook como darei minha contribuição - algo que seria a minha forma de agradecer ao projeto (e a seus criadores, obviamente) por me proporcionar algo tão legal.

E é esse o jeito que eu sei felicitar e agradecer a vocês por fazer com que o Terapia saísse da tela e fosse pro papel.

Grande abraço,
Cesar

Rafiki Papio disse...

Eu gosto muito das coisas impressas, e eu já estava querendo há muito ter uma, o projeto do catarse foi perfeito então.

Eu acho que as coisas impressas tem certa magia, um pouco da alma dos seus autores talvez, depois terá um pouco da minha também.