Era noite de sábado e o Mais Novo entrou no quarto com olhar
desesperado. O Mais Velho perguntou o que havia acontecido.
O Mais Novo contou que havia perdido todo o seu trabalho.
Estava desde a noite anterior com a cara enfiada no computador, trabalhando e que
uma piscada na luz fez com que ele perdesse tudo. O Mais Velho perguntou a ele
se o trabalho estava salvo; o Mais Novo respondeu que sim, mas a queda de energia
fez o arquivo se corromper. Havia perdido tudo.
O Mais Velho foi até o computador e tentou recuperar o
arquivo. Não conseguiu. O Mais Novo começou a entrar em pânico. Teria que
recomeçar do zero e não escondeu o desânimo quando o Mais Velho disse que “acho
que vai ter que ser isso mesmo”.
O Mais Novo começou a explicar que não teria tempo. Havia
passado a noite em claro para terminar isso hoje, pois tinha outras tarefas
para fazer no domingo, e não podia perder tempo com isso. Conforme falava,
alternava entre a raiva de ver horas de trabalho desaparecem e o desânimo por ver
todo sua dedicação jogada fora.
O Mais Velho pediu para ele se acalmar e explicar exatamente
o que ele teria que fazer e para quando. O Mais Novo explicou da melhor forma
que pode, e o Mais Velho decidiu fumar um cigarro no quintal, pedindo ao Mais
Novo que o acompanhasse. O Mais Novo foi atrás, maldizendo a vida.
Na metade do cigarro, o Mais Velho apresentou um plano.
Havia organizado os próximos dias de trabalho do Mais Novo de forma a minimizar
o prejuízo. Metade do domingo seria usada para refazer parte do trabalho
perdido; a outra metade seria dedicada às tarefas agendadas para o domingo. O
mesmo aconteceria com a segunda-feira, e, com sorte, parte da terça-feira.
O Mais Novo argumentou, disse que as tarefas do domingo
ocupariam mais que metade do dia. O Mais Velho pediu para ele explicar e ele o
fez. O Mais Velho ouviu a explicação, apagou o cigarro e mostrou para ele como todas
as tarefas do domingo podiam ser feitas em, no máximo três horas – e se
prontificou a ajudar o Mais Novo com algumas delas.
O Mais Novo pensou por alguns instantes e olhou com surpresa
para o Mais Velho, dizendo que poderia funcionar. O Mais Velho respondeu que o
Mais Novo tirava aquilo tudo de letra. O Mais Novo pensou um pouco.
- Mas eu ainda vou ter que refazer tudo.
- Sim. Eu sei como resolver seu problema, não sei como apagá-lo.
Mas agora você tem um plano. E, muitas vezes, um plano é tudo o que a gente precisa.
- Entendi.
- E mais uma coisa: não faça nada agora. Vá jogar videogame.
- Não, eu preciso começar a refazer o que perdi.
- Sim, mas não agora. Você está sem cabeça para isso. Se começar agora, vai ficar ruim. Tire um tempo para você se recuperar do problema.
- Mas eu preciso...
- Você precisa dar um passo para trás, para poder dar cinco passos à frente. E você ainda vai descobrir que isso vai acontecer muito na vida e, em todas as vezes, vai ser difícil tomar essa decisão.
Entraram novamente.
O Mais Novo agradeceu pela ajuda e voltou para o seu quarto,
querendo não exatamente ser o Mais Velho, desejando apenas ser mais velho.
Pois, naquela noite, ele enxergou que ser mais velho é saber lidar com os
problemas de forma muito mais racional. Horas depois, sentou no computador e
começou a refazer o trabalho, pensando que, quando ele for mais velho, a vida
vai ser mais fácil e os problemas vão ser menores. E que, quando ele for mais
velho, vai lidar com esses problemas com a mesma rapidez que o Mais Velho.
E concluiu que a vida deve ser muito mais fácil quando se é mais velho.
Já o Mais Velho voltou para o quarto, sentou-se à cama e
contou para a esposa o que havia acontecido. Contou também sobre a solução que haviam
encontrado e como o Mais Novo iria colocá-la em prática nos próximos dias. Mas,
enquanto deitava novamente para continuar a assistir ao filme, disse baixinho,
e um pouco cansado dos próprios problemas:
- Às vezes que eu queria muito ainda ter a idade do Mais Novo e precisar lidar somente com problemas como esse.
Dedicado ao meu enteado, que,
apesar de ainda não saber disso,
será um Mais Velho
melhor que eu.
4 comentários:
Mestreeee!
Outro dia mesmo estava conversando com uma amiga sobre o quão importante é termos um tempo pra respirar. Algumas horas fazendo o que gostamos fazem o resto render bem mais, e ainda por cima sobra mais tempo depois pra curtir.
Grande abraço Rob, manda um pra Ana e pro enteado também.
Li esse post outro dia do celular e tentei de todas as formas comentar, mas parece que não era a hora, porque o blogspot, naquele momento, disse que não.
O fato é que eu nunca soube o que era ser "Mais Velho". Filha de dois pais e duas mães, e a caçula das duas famílias, sempre estive no papel do "Mais Novo".
Até que um dia, já adolescente, quando eu e minhas amigas queríamos sair e fomos pedir permissão para a mãe de uma delas, o tio da menina interrompeu o sermão dizendo "Deixa ela ir... A Carla é mais velha e toma conta dela."
Dois anos de diferença não era muita coisa, mas eu senti o peso do mundo caindo sobre os meus ombros naquele momento, como se num estalo eu tivesse percebido: "Sou a mais velha, e PRECISO cuidar delas."
Dali em diante, vesti a camisa do "Mais Velho", e raramente tive a oportunidade de ser o "Mais Novo" outra vez.
Por isso seu texto foi inspirador, iluminado e, por que não, aconchegante. =)
Obrigada!
Bjs!!!
Rob, você é um gênio. Sério. Amei esse texto!
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