Dia desses, entrei numa padaria. Uma daquelas grandes,
famosas, que todo mundo já ouviu falar.
Estava morrendo de sede e precisava de uma Coca gelada. E como
eu estava com pressa, meu plano era comprar a Coca e tomá-la no caminho. Assim,
fui rapidamente até o balcão e pedi uma lata de Coca.
O atendente, uma daquelas pessoas cuja aparência desafia a
lógica (ele poderia ter qualquer idade entre 45 e 890 anos) se aproximou e me
entregou a bebida.
- Você quer copo ou canudo?
E, não, tomar a Coca direto na latinha não é uma opção para
mim.
Antes que vocês pensem que eu fico lendo atentamente todos
os e-mails informando sobre urina de ratazanas mutantes e alienígenas nas latas
de refrigerante, e como beber direto da lata pode fazer com que seu
corpo entre em contato com a urina e seus órgãos internos explodam, e que isso
já aconteceu com um garoto no interior de Goiás que hoje está no hospital
esperando por um transplante de corpo inteiro e repassem esta mensagem para o
maior número de pessoas que você puder, eu explico.
Desde que eu comecei a ter problemas de inflamação na gengiva,
anos atrás, tive alguns problemas com bebidas geladas – que normalmente implicavam
em eu cair na rua gritando de dor após o primeiro gole depois de sentir a
bebida gelada batendo na minha gengiva (algo que não acontece quando uso um
copo ou um canudo).
Assim, meu corpo precisou se adaptar e desenvolver métodos
de sobrevivência para bebidas geladas.
Foi mais ou menos o que aconteceu com as zebras. Quando elas
descobriram que os leões eram perigosos, a Evolução, ao perceber que daria
muito trabalho transformar as patas dianteiras dos animais em metralhadoras com
lançadores de granadas, embutiu no cérebro delas que “olhe, chegar perto daqueles
bichos ali é perigoso, então tome cuidado com eles”, deu-se por satisfeito e
foi trabalhar em outra tarefa.
E a Evolução tomou o mesmo caminho com minha boca. Sem conseguiu
bolar nenhum plano decente – como desenvolver uma terceira dentição ou criar
uma carapaça metálica sobre a minha gengiva – tudo o que ele conseguiu foi
fazer com que eu tivesse pavor de bebidas geladas.
Isso está melhorando, e às vezes até consigo tomar uma long
neck no gargalo. Mas o pavor de bebidas geladas ainda está incrustado no meu
DNA, então usar canudo, para mim, não é exatamente coisa de criança – inclusive
eu cheguei a pedir uma receita médica para comprar canudos, mas minha dentista
disse que não era possível (por outro lado, confesso que adoro quando dou a
sorte de pegar um daqueles canudos que dobram na ponta, algo que classifico
como uma das maiores invenções da humanidade).
Assim, voltamos à padaria, no momento em que o atendente
pergunta se eu quero copo ou canudo.
Eu, com a latinha na mão, respondo “canudo”.
Ele olha para mim atentamente e, ao invés de me entregar os
canudos, decidiu que seria melhor entregar uma nova pergunta.
- Você sabe onde ficam os canudos?
- Não. Caso contrário, eu não teria pedido, respondi
naturalmente, olhando no relógio.
- CANUDOS FICA NA BAHIA!, ele urrou, fazendo eu dar um pulo
para trás.
- Oi?
- Canudos fica na Bahia! Perto de Juazeiro!
Eu deveria ter respondido que “olhe, eu mudei de ideia e
acho que prefiro um copo, pode ser?”, mas não tive tempo. Aparentemente, o
espírito do Antônio Conselheiro havia possuído o corpo do sujeito. Se bem que,
pela idade dele, talvez ele fosse o próprio Antônio Conselheiro, ou algum
parente próximo. Talvez seu avô. Assim, me perdi nos pensamentos e acabei respondendo
somente:
- Oi?
- Foi lá que teve a revolução de 32! Uma verdadeira insurreição!
Não, espere. Canudos foi antes disso. Todo mundo viu o filme
com o José Wilker.
- 32? Não, foi...
- Foi lá que lutaram pela liberdade, e só perderam porque o
governo americano ameaçou bombardear tudo aquilo! José Conselheiro!
Americanos? José Conselheiro? Achei melhor interrompê-lo,
antes que ele colocasse Genghis Khan e os exércitos romanos no meio da salada.
- Olhe, eu acho que...
- Acredite em mim! Eu conheço a história de Canudos! Eu leio
muito!
- Não, eu não estou duvidando, é só que...
- Eu li isso na Bíblia! Eu li a Bíblia inteira!
Algo dentro de mim começou a dizer que, dentro de instantes,
o exército de Canudos teria sido transformado em sal depois de Antônio
Conselheiro ser traído por Judas Iscariotes.
Meus neurônios foram mais longe e começaram a questionar
se o Darth Vader iria aparecer na história também – dois deles inclusive começaram
a fazer apostas sobre o tema, com um deles defendendo de que esta ideia poderia render um spin-off, batizado de Guerra de Canudos nas Estrelas.
- Certo. É que, na verdade, Canudos não aparece na Bíblia.
Tem Canaã, eu acho, mas Canud...
- Eu li a Bíblia inteira! E mais de uma vez! Está tudo lá!
Desisto.
- Ok.
- E como eu posso lhe ajudar?
- Não, nada. Eu estava apenas procurando a câmera escondida.
Sabe quando você tem a impressão de que está numa pegadinha?
- Como?
- Nada. Obrigado.
- Você não vai querer um canudo?
- Não. Deixa. Eu prefiro um copo.
- Saindo um copo!
Por favor, não use o copo como desculpa para me explicar a
história do aeroporto de Viracopos, e não tente me convencer que o nome da
capital da Dinamarca é Coponhagen.
- Obrigado.
Peguei a latinha e o copo, fui até a mesa e comecei a beber
minha Coca, pensando em porque a vida é assim, porque essas coisas acontecem.
E, mais importante: porque precisa ser sempre comigo?
10 comentários:
CÊ TÁ DE BRINKS COM A MINHA PESSOA.
Cada figura! Ótimo!
Que atendente maluco, como ele conseguiu levar Canudos pra bíblia? hahaha.
Um dos melhores!
Podia ser pior.
Ele podia te oferecer suco de cajú.
Sensacional, gostei do velho... certeza que é um comediante...maravilhoso.
Hahahaha, pense na confusão que é a cabeça desse senhor!
Tô sem acreditar, MELDEUS.
É tudo mentira Rob, faz parte de um plano para te deixar louco!
A história sempre oculta certos fatos, só quem estava lá para saber.
Todo dia você aprende algo novo, sobre algo que você achava que já sabia tudo.
Você é o escolhido, está sempre nos pontos onde o universo colapsa com outros.
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