Agora, uma coisa que eu não falei sobre este Bradesco é que
ele tem um sistema de senhas que desafia a compreensão humana. Funciona assim:
você entra e, antes de ir ao caixa, pega uma senha. Mas o caixa não chama o
próximo cliente pela senha: basta um guichê esvaziar para o próximo na fila ser
atendido. Ou seja, sua senha não serve para nada.
Na primeira vez que fui ao banco, fiquei segurando a senha
na mão, feito bobo, procurando qual lugar chamava a senha. Nenhum. Aí imaginei
que a senha fosse um brinde aos clientes, quase como um brinquedinho que você
ganha em festas infantis, porque dava para dobrar o papel e fazer um
aviãozinho, ou um chapeuzinho. Seria o diferencial do banco: vá ao Bradesco e
ganhe um papelzinho com um número para poder brincar.
Ou, quem sabe, ao entrar no Bradesco você automaticamente se
inscreve numa rifa e ganha um número. Quem sabe você não um conjunto de panelas
enquanto espera na fila do caixa?
Nada disso. Quando fui atendido, o caixa me pediu a senha.
Eu, evidentemente, nem lembrava mais que estava com o negócio na mão – já que
não chamam o cliente pela senha, eu coloquei o papel no bolso e esqueci
totalmente dele.
- Sua senha, por favor?
- Senha?
- Isso. A senha para ser o senhor atendido.
- Hum... Sei lá... Deixe eu ver... Abre-te Sésamo?
- Senhor, preciso do papel com a senha.
- Ah, essa senha! Está aqui no bolso. Pronto.
- Como posso lhe ajudar?
- Espere, espere. Uma dúvida: por que eu preciso pegar uma
senha, se vocês não chamam os clientes pela senha?
- Para que o Bradesco possa ter um controle sobre o tempo
que o senhor demorou na fila.
- Ou seja, a senha é de vocês para vocês. Eu sou apenas o
portador. Certo. E se eu não estiver com a senha...
- O senhor não é atendido.
- Entendi.
- Como posso lhe ajudar?
Paguei minha conta e fui embora, pensando sobre isso. Mas
confesso que pouco depois eu já havia esquecido sobre isso, e nem pensei mais
sobre o assunto até hoje, quando entrei no banco e dei de cara com a máquina
das senhas. Fui até lá, apertei o botão e a máquina ordenou que eu pegasse a
senha impressa.
Nada.
Nem um mísero papel.
Repeti o procedimento. Novamente, a mensagem na tela dizia
para eu pegar minha senha.
Nada.
Bom, não havia mais alternativa. Olhei ao redor e vi um
funcionário gordinho sentado numa mesa ali perto. Fui até ele.
- Com licença?
- Pois não?
- Sabe aquela senha que não serve para nada?
- Como?
- A senha que eu preciso para ser atendido no caixa?
- Ah, sim.
- Então, eu estou apertando o botão ali e não sai nada.
Aparentemente, o sujeito era o encarregado da máquina de
senhas, pois ele pareceu ter levado a coisa para o lado pessoal. Olhou para mim,
para a máquina e de volta para mim, com a expressão de alguém que acaba de
descobrir que está tem poucos dias de vida e sua única salvação é a única operação
que seu plano de saúde não cobre.
- Como assim?
- Bem, eu apertei o botão. E não saiu papel algum.
- Deve ter engripado.
- Sim, eu imaginei isso.
- Vamos até lá dar um jeito nisso.
Pensei em dizer a ele que, "olhe, eu posso ficar ao seu lado
enquanto você arruma a máquina, mas eu prefiro não me meter, pois parece que
você e esta máquina de senhas têm algum problema pessoal e antigo e que, aliás,
se eu pudesse esperar aqui mesmo, acho que seria melhor para todo mund...
- Vamos até lá comigo.
- Hum... Certo.
Nos aproximamos da máquina e o sujeito se ajoelhou no meio
do banco. Pelo seu olhar fanático, imaginei que ele fosse fazer alguma oração,
ou até mesmo me oferecer como sacrifício para algum deus da senha. Estava
pronto para sair correndo, mas respirei aliviado quando ele abriu uma tampa de
metal e começou a mexer na pequena impressora dentro do negócio.
- Sim. Estava engripado. As senhas não estavam saindo.
- Que coisa. Olhe, enquanto você arruma aí, acho que vou indo
para a fila...
Ele me olhou. Sua expressão era ainda mais fanática.
Aparentemente, ele não era um adorador da máquina de senhas, mas sim uma
espécie de sumo-sacerdote.
- O senhor precisa da senha para ser atendido.
- Certo. É que, na verdade, a fila não está grande...
- Sem a senha o senhor não será atendido.
Assim que ele disse, encaixou um negócio na impressora que
fez a máquina ligar sozinha. Imediatamente, o negócio começou a cuspir dezenas
de senhas, todas elas no meu pé. Aparentemente, eram todas as senhas da história
do Bradesco. Era como se a máquina estivesse morrendo e sua vida inteira
estivesse passando na frente dos seus olhos – mas caindo aos meus pés, em forma
de papeis numerados.
O sujeito sorriu aliviado. As senhas continuavam caindo no
meu pé e já chegavam ao meu tornozelo. Pelas minhas contas, aquele mar de
senhas se tornaria fundo demais para mim e eu e meu 1.60m morreríamos afogados
em papéis do Bradesco em, no máximo, meia hora.
O sacerdote das senhas olhou para mim.
- O último papel será sua senha.
- Estas senhas eram as que estavam presas, sem imprimir?
- Isso.
- Mas e os donos das senhas?
Veja bem, minha pergunta fazia sentido. Se a pessoa não é
atendida sem senha, como ela teria sido atendida se a sua senha estava ali aos
meus pés? O sujeito olhou para mim e respondeu apenas:
- Elas se foram.
E, pela primeira vez, eu senti medo do sujeito. E achei
melhor ficar quieto e não pedir para ele desenvolver o assunto. Dei uma olhada
com calma nele e constatei que se ele tivesse alguma foice usada em rituais de
sacrifício estava muito bem guardada, ou na sua mesa.
Uns vinte segundos depois – no qual as pessoas olhavam para
mim e eu tentava agir como se uma máquina cuspindo papel em mim fosse a coisa
mais normal do mundo e quem nunca passou por isso, não é mesmo? –, a máquina parou
de cuspir senhas. Peguei o papel que ficou pendurado nela.
- Esta é a sua senha.
- Sim. Obrigado.
- Cuide bem dela.
- Hã... Certo. Obrigado.
Fui para a fila e esperei para ser atendido. E, de vez em
quando, eu pegava o gorducho das senhas olhando para mim, talvez receando que
eu amassasse o papel ou desrespeitasse a senha de qualquer outra forma.
Fui atendido – entreguei o papel da senha para o caixa com
muito cuidado e fazendo uma reverência respeitosa com a cabeça – paguei minha
conta e voltei para casa.
E desde a hora que coloquei os pés em casa, tenho a sensação
de que estive mais perto de morrer do que posso entender. E tenho a certeza de
que escapei por muito pouco. Afinal, se existem mais mistérios entre o céu e a
terra do que supõe nossa vã filosofia, que dirá, então, dos mistérios e perigos
que se abrigam em um Bradesco?
(Já curtiu a página do Champ no Facebook?)
7 comentários:
Usa a senha como arma. Quando eu tenho que ir no Bradesco a máquina cospe duas senhas em cima de mim, daí eu entrego elas pro cara, ele devolve uma com a hora em que eu tou sendo atendida. Se você passar mais tempo do que diz a lei esperando, chama um advogado e dá-lhe processo...
Mas sério: como é que você consegue engripar uma máquina só com o fato de precisar usá-la?
Completamente "Além da Imaginação". E o pior é ninguém na agência achar nada demais no procedimento. A humanidade tem de sofrer muito mesmo.
Eu acho que você devia ter pego uma braçada de senhas e levado ao caixa e pedir para ser atendido um monte de vezes. Ou pegar a primeira senha e dizer que você estava ali esperando o atendimento há três horas, e que ia processar o banco por isso. Só por diversão mesmo...
Mas Varotto, com a sorte do Rob, capaz de o sacerdote conjurar algum encantamento na hora em que as senhas estivessem sido recolhidas e os papéis transformariam-se em pequenos soldadinhos verdes prontos para acabar com a vida dele...
Que criatura dual esse funcionário e seus sentimentos mistos de adoração e revolta com a máquina de senhas.
Se for alguma espécie de seita, gostaria de saber quem é o deus das senhas e filas.
"Dei uma olhada com calma nele e constatei que se ele tivesse alguma foice usada em rituais de sacrifício estava muito bem guardada, ou na sua mesa."
Eu sei que vai parecer meio sem consideração, mas eu ri muito nessa parte.
O Bradesco sempre com uma pegadinha melhor que as do Silvio Santos. Irei preparado na próxima vez que for lá.
sabe o que eu tou pensando? virarei cliente bradesco semana que vem. me ferrei? sim ou com certeza?
Isso me parece um conto do Stephen King...
Postar um comentário