Fazia tempo que eu não precisava ir a um banco.
Aliás, este talvez seja o grande avanço tecnológico das
últimas décadas: possibilitar que as pessoas não precisem ir ao banco.
Por outro lado, com isso é possível entender o motivo da
Igreja não aprovar muitas das descobertas tecnológicas. Como em agências
bancárias você paga não apenas suas contas, mas (principalmente) seus pecados,
o inferno deve estar transbordando de almas, já que as pessoas não precisam
mais pegar fila graças aos home bankings.
Enfim, pela primeira vez em anos, precisei ir pessoalmente a
dois bancos nos últimos dias.
A primeira foi em uma agência da Caixa, semana passada. Em
poucos minutos, percebi que as agências bancárias estão dentro de um limbo
temporal, vivendo uma espécie de paradoxo: enquanto a tecnologia permite que as
pessoas não precisem mais ir ao banco como antigamente, o interior da agência
continua congelado em algum lugar da década de 80. Tudo é atrasado, mal planejado
e nada funciona.
Aparentemente, quem organizou o funcionamento da agência é alguém
que sofre de dislexia: você pega uma senha e espera ser chamado em um dos
monitores: no monitor da esquerda – e quando eu digo esquerda, é lá na esquerda
mesmo, no canto do banco, a duas estações de metrô de distância da porta – são chamadas
as pessoas que serão atendidas nos guichês da direita; no monitor da direita,
são chamadas as pessoas que serão atendidas nos caixas da esquerda.
No meio disso tudo, uma menina trajando um colete do banco,
uma calça jeans e chinelos, que está encarregada de distribuir senhas erradas
para as pessoas e proibir que os clientes retirem suas próprias senhas na
máquina de atendimento automático (o interessante é que a máquina é de “atendimento
automático”, mas nenhum cliente pode sequer chegar perto dela, devido à
presença da guardiã das senhas).
Enfim, depois de algumas horas lá dentro, saí da agência jurando
a menina de morte – eu e ela tivemos alguns problemas durante minha (longa)
estada lá dentro – e jurando nunca mais colocar os pés dentro de um banco.
Hoje, foi a vez do Bradesco.
Precisava pagar uma conta no caixa e, assim que coloquei os
pés lá dentro...
Não, estou me adiantando. Demorou até que eu colocasse os
pés lá dentro, pois fui barrado na porta. Tive que dar meia volta e esvaziar
meus bolsos, retirando carteira, iPod, isqueiro, maço de cigarros e moedas. Curiosamente,
deixei meu chaveiro de metal no bolso, de propósito, e mesmo assim tive minha
entrada liberada.
Enfim, entrei, recolhi minhas coisas e, enquanto guardava a
carteira, me desanimei. Dezenas de pessoas aguardavam na fila, enquanto somente
dois caixas atendiam os clientes – na verdade, três caixas funcionavam, mas um
deles era de atendimento prioritário.
Felizmente, desta vez eu estava armado com meu iPod e minha
coleção de músicas. Segurando humildemente a conta que eu precisava pagar, fui
para o final da fila e coloquei os fones de ouvido, me preparando para ouvir a
discografia inteira do Judas Priest – incluindo os álbuns ao vivo – antes de
ser atendido.
Minha previsão foi acertada: a fila andava praticamente com velocidade
média de zero quilômetros por hora. Foi quando eu concluí que neste tempo no
qual a tecnologia faz com que tudo seja interligado, as agências do Bradesco em
São Paulo estão conectadas diretamente com a Rebouças. Se a Rebouças para, a
fila para. Como a Rebouças nunca está andando – e isso nos meses normais,
imagine agora que é dezembro –, a conta não é difícil.
Estava pensando sobre isso quando vi uma correria ao meu
lado. Por um momento, pensei que o banco pudesse estar assaltado por alguma
outra pessoa que, assim como eu, entrou com a chave de casa nos bolsos e agora
a segurava no pescoço de um dos gerentes, mandando o sujeito abrir o cofre, mas
não era nada disso.
Tirei os fones e olhei na direção da confusão a tempo de ver
um office-boy de dois metros de altura, que era a quinta ou sexta pessoa à
minha frente, se estatelando no chão, enrolado nos cordões que delimitam a
fila. Aparentemente, sua pressão despencou e ele quase desmaiou, caindo no chão
mais para lá do que para cá.
Dois homens ao lado dele abaixaram-se para acudi-lo. Um dos
seguranças veio correndo, não sei se para ajudar o rapaz ou comunicá-lo que o
Kassab proibiu as pessoas de desmaiarem dentro de bancos e, por isso ele
precisaria se levantar. Eu fiquei no meu lugar porque acredito que tudo o que
garoto não precisava era uma multidão se aglomerando em cima dele.
Foi quando eu ouvi berros ao meu lado.
- Também, estamos há horas aqui na fila!
Olhei e vi um sujeito que era a cara do Castrinho, com os
punhos cerrados em direção aos caixas. Ele continuou seu discurso.
- Existe uma lei que as pessoas não podem ficar mais de meia
hora no banco! É uma lei! O menino desmaiou por causa disso!
Seu discurso inflamado e inspirador contagiou uma velha ao
meu lado. Erguendo sua conta de luz em forma de protesto, ela aderiu ao
movimento.
- Mas também, tem cinquenta pessoas na fila e somente dois
caixas funcionando! É um disparate!
Achei que ela seria ignorada, já que ninguém mais usa a
palavra “disparate”, e metade das pessoas ali nem devem saber o que isso significa,
mas sua mensagem sobre os dois caixas funcionando foi entendida pelas pessoas.
- Nós estamos em cinquenta e somente dois caixas atendendo!
E os gerentes ali, de gravata, ignorando isso! Por que não abrem outro caixa?
As pessoas começaram a se agitar. A situação política, que
já estava difícil a hora que entrei no banco, tornou-se insustentável. E o
Castrinho, aparentemente, havia aceitado de bom grado o papel de líder.
- Nós somos cinquenta! Na fila dos idosos estão mais dez
pessoas! Se nos juntarmos com as pessoas que estão aguardando para falar com os
gerentes, seremos quase setenta pessoas! Eles não vão poder nos ignorar!
Então, era isso. O Castrinho devia ser algum descendente do
William Wallace, e sabia que a única maneira de derrotar os malditos ingleses que
trabalhavam no banco era unindo os clãs. O povo escocês precisava deixar de
lado suas aspirações pessoais, como pagar a conta da TV a cabo ou transferir
dinheiro para os filhos em nome de um bem comum: a derrocada dos ingleses que controlavam
o banco, obrigando as tribos da highlands a pegarem filas quilométricas aos
custos de suas próprias vidas.
- Nós somos maioria!
- Isso não pode ficar assim!
- Vamos reclamar com a gerência!
- Precisamos nos unir!
O MacCastrinho já estava pronto para colocar seus planos em
prática. Olhou ao redor, contabilizando quantas pessoas poderia arregimentar
para seu exército. Seu próximo passo seria pintar o rosto de azul e correr pelo
banco, ao som de uma gaita de foles, convencendo os líderes de cada tribo –
idosos, pessoas que aguardavam para falar com a gerência ou que sacavam
dinheiro nos caixas automáticos – a se unirem em torno de um único ideal: a
liberdade.
- SONS OF SCOTLAND!
Todos olharam na direção do grito, avistando seu autor: o
baixinho careca que, com os braços levantados e abertos pedia pelo direito de falar. Segurava uma conta na mão e possuía dois fones de ouvidos
pendurados ao lado do pescoço, por onde era possível ouvir, bem baixinho, uma
música do Judas Priest.
Respirei fundo e, aproveitando que havia conquistado a
atenção de todos, continuei.
- Não é melhor ajudarmos esse menino que está no chão a se
sentar numa cadeira e pegarmos água para ele?
Todos se voltaram para o office boy no chão. Menos o MacCastrinho,
que me olhou com ódio por atrapalhar seus planos de conquista.
- É verdade!
- O menino quase desmaiou!
- Precisamos ajudá-lo!
Assim, levaram o garoto para um banco ao lado dos idosos, e
foram correndo buscar água para ele. Logo, o menino se recompôs, e isso fez com
que a tensão se aliviasse um pouco.
A fila voltou ao normal, menos para o MacCastrinho, que
continuou praguejando sobre o atendimento do banco, sobre a pouca vergonha que
é isso, e tentando construir um novo exército recrutando as duas pessoas ao seu
lado: uma garota que parecia mais interessada no livro que lia, e uma velha que
estava esperando apenas uma oportunidade para mostrar a foto dos netos ao líder
escocês. E sempre me jogando olhares de ódio.
Fui atendido, paguei minha conta e fui embora. E o líder escocês continuou na fila.
No ano de 2012 do Nosso Senhor, MacCastrinho, sozinho e
faminto, lutou como um guerreiro poeta, como um verdadeiro escocês. E
conquistou sua liberdade.
Mas
deve ter demorado, pois quando saí do banco ainda tinha quase dez
pessoas na frente dele.
12 comentários:
e a pessoa aqui, no auge da febre, que me confunde william wallace com william waack?
ok, remédios e mt descanso, longe do pc, pra mim
Gargalhadas daquelas de doer a barriga aqui, por esta sua criada que além de advogada - vivenciando esse mesmo purgatório de almas nas filas dos balcões do Fórum - ainda é advogada... de banco. Creia em mim, o lado de trás do balcão é ainda pior. Adorei, como sempre!
Belo relato do que acontece nesses bancos ! Quando existe a necessidade de ir ao banco, é de se pensar aonde foi que erramos !
Pelo menos essa ida ao banco rendeu um post !
Banco online, de fato, é uma benção do século XXI (surgiu antes, mas não com tanta praticidade, acho). Mas o que me irrita é que, lá no banco, pessoalmente, como você mesmo disse, estão estacionados em algum lugar do velho oeste.
Por exemplo, pra sacar dinheiro sem cartão precisa ser na agência onde você tem conta - como se os computadores não se comunicassem, não estivessem em rede e como se fizesse diferença meu rosto e meus documentos sendo na minha agência ou não. Aliás, há muita coisa que se pode fazer apenas na agência onde tem conta.
Quanto aos reclamões de plantão (sempre tem um), os vejo como jogadores que vão reclamar com juiz, como se ele fosse voltar atrás: "Olha, Kleber, você tem razão, você não merece este cartão. Assistente, consegue um microfone, por favor. Preciso avisar ao estádio e redes transmissoras que errei e que vou retirar o vermelho do Kleber. Valeu, Kleber". Mesma coisa no banco. "Gente, verdade, deixa eu chamar aqui alguns gerentes, pessoal ali que está almoçando etc, pra me ajudar aqui". NUNCA ACONTECE, NUNCA VAI ACONTECER e o povo continua ali, reclamando.
To falando pra caralho, enfim. Foi mal!
Cara, você gritou mesmo "sons of Scotland"?
"...neste tempo no qual a tecnologia faz com que tudo seja interligado, as agências do Bradesco em São Paulo estão conectadas diretamente com a Rebouças. Se a Rebouças para, a fila para. Como a Rebouças nunca está andando – e isso nos meses normais, imagine agora que é dezembro –, a conta não é difícil."
Ri horrores!
Olha, quer me ver de mau humor é quando eu tenho que ir ao banco! Claro: você sempre VAI ao banco. Não existe essa coisa de "dar uma passadinha" no banco. Você NUNCA dá uma passadinha no banco, porque, toda vez que você vai lá, passam-se horas até você conseguir sair. Sempre.
Quando eu não consigo pagar o condomínio (única conta que não está no débito automático) pelo internet banking eu SOFRO. Choro rios, me debato, esperneio. E deixo o condomínio atrasar até o outro mês. Porque assim eu justifico a minha ida ao banco pagando dois boletos em vez de um só. rs
Michele:
Espero que tenha melhorado.
Beijos!
Rob
Renata de Toledo:
Eu nunca tinha pensado sobre isso: o outro lado do balcão ser tão ruim quanto. Mas pelo menos vocês podem usar o celular, né?
Beijos!
Rob
Adriano Matos:
"É de se pensar onde foi que erramos." Disse tudo, cara.
Abraços!
Rob
Fagner:
sua comparação com os jogadores que vão lá reclamar com o juiz é genial. Ri alto aqui!
Abraços!
Rob
Varotto:
Adivinhe.
Abraços!
Rob
Kel:
Ir ao banco na esquina é pior que ter que ir ao outro lado da cidade a pé. Isso independe do banco e da cidade.
Beijos!
Rob
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