17 de novembro de 2012

Green Hot Chilli Peppers


Confesso que o gene da pimenta demorou a se manifestar em mim.

Até os 30 anos de idade, eu não comia praticamente nada com pimenta. Mas era apenas uma questão de tempo até isso começar, já que este gene é totalmente dominante na família do meu pai. Em alguns casos, chega quase a ser uma mutação, de tão intenso.

Meu pai é um exemplo. Cresci acostumado a ver seu pequeno ritual antes de cada almoço: colocar uma pimenta vermelha da cor do inferno no seu prato e picá-la pacientemente em pedaços milimétricos, antes de comê-los um por um. Pura. Sem comida, sem nada. Apenas a pimenta. Aposto que se minha mãe não estivesse olhando, ele ainda colocaria molho de pimenta em cima da pimenta “para dar um gostinho”.

Mas isso não é nada perto do meu avô, pai de meu pai. Tive muito pouco contato com ele, mas reza a lenda que ele, sergipano, era capaz de beber um copo de lava vulcânica sem sequer transpirar. Para desgosto da minha avó, ele levava uma pimenta escondida no bolso em festas de casamento, para dar um “sabor especial” aos salgadinhos servidos no coquetel.

Perto dos dois, sou um amador. Mas confesso que, depois dos 30, meu apreço por pimenta começou a aparecer, mas numa forma muito mais civilizada. Normalmente, uso molho – daqueles industrializados mesmo – em alguns pratos. Na verdade, nem são pratos, mas sim coisas como coxinha e pastéis. E pipoca.

Eu sou absurdamente maluco por pimenta na pipoca. Se eu me sento com uma bacia de pipoca em casa, eu obrigatoriamente estou com o vidrinho de pimenta ao lado. No cinema, não faço isso, mas somente porque eu não posso levar o vidrinho de pimenta junto comigo para a sala – sim, eu já tentei e não deixaram.

Então, pipoca com pimenta, só em casa. E a coisa funciona assim. Como meia dúzia, coloco pimenta na parte de cima. Como outra meia dúzia, coloco mais pimenta na parte de cima. Quando já comi metade, estou com a careca encharcada de suor e as pipocas que restam estão encharcadas de pimenta – e eu continuo colocando mais molho. E não bebo nada durante o processo. Fico ali, encharcado de suor, me desafiando a terminar a bacia de pipoca com pimenta (que normalmente se transforma em pimenta com pipoca) sem beber nada.

É quase algo obsessivo.

Não, minto. É uma disfunção familiar.

E é da pimenta que vem meu gosto pela culinária mexicana. O dia em que descobri os jalapeños minha vida mudou. Coloco um na boca e fico ali, sentindo o sabor, a língua queimando. E adoro.

Seria algo normal se não fosse pela maldita herança genética. Provavelmente, meu avô chuparia jalapeños como se fossem balas, e isto está no meu código genético. Tanto que uma vez cheguei a colocar três de uma só vez na boca e quase fui expulso do restaurante, minutos depois, porque o gerente estranhou a fumaça que saía da minha boca e achou que eu estava fumando escondido na mesa.

Pimenta e jalapeños. O que me leva ao Burger King.

Eu nunca gostei do Burger King. Quando as primeiras lanchonetes da rede abriram aqui em São Paulo, me irritava o fato de que eu não conseguia chegar perto de nenhuma delas, por causa da fila. Era tanta gente se amontoando em volta do balcão que às vezes eu me perguntava se na verdade eles não estavam distribuindo dinheiro nos caixas.

Assim, demorei uns dois meses para conseguir comer naquele lugar. E a experiência não foi das melhores. Depois de criar coragem e enfrentar meia hora de fila em um dia que eu não tinha nada mais para fazer, consegui ser atendido. Pedi o tal do Whopper, batata e uma Coca.

- Não tem Coca, respondeu a menina do caixa.

- Como assim não tem Coca?

- Não tem Coca.

- Bom, pode ser, sei lá, um guaraná.

- Não tem guaraná também.

- Vocês tem algum tipo de bebida gaseificada não alcoólica?

- Algum o quê?

- Algum refrigerante!  Qualquer um!

- Não, nossa máquina de refrigerante quebrou. Mas nós temos suco.

- Sei. E você acha que eu vou comer um hambúrguer e batatas fritas tomando um copo de suco de acerola com abacaxi e folhinhas de hortelã?

- Não, nós só temos laranja e uva. O senhor deseja algum?

- Não. Eu quero só o sanduíche e a batata.

- Mas se o senhor pedir o combo com o suco, o senhor ganha uma coroa!

- Que ótimo. A coroa pode ser derretida e usada como bebida?

- Não, senhor. Ela é de papelão. O senhor quer ver a coroa?

- Deixe ver se eu entendi. Em terra sem Coca, quem tem suco é rei?

- Como, senhor?

- Olhe, eu quero somente a batata e o sanduíche. E rápido, que eu ainda vou até o restaurante aqui ao lado comprar uma Coca.

- Mas a coroa...

- Veja bem, eu não iria querer sequer morar num lugar sem Coca-Cola, quanto mais ser o rei desse lugar maldito. Sair daqui carregando um copo de suco e usando uma coroa na cabeça seria dar um sentindo totalmente novo à frase “é melhor reinar no inferno que servir no céu”.

- Senhor...

- Por que eu garanto que no inferno tem refrigerante! Pode até ser Pepsi! Pode ser Fanta Uva! Mas tem refrigerante ali embaixo! Tenho certeza! Eu quero um sanduíche e uma batata!

Visivelmente ofendida pelo fato de que renunciei à coroa de papelão, a menina do caixa me empurrou a bandeja e fui embora dali, comprar uma Coca em outro lugar. E jurei nunca mais colocar os pés no Burger King.

Mas o mundo dá voltas.

E o nome desta volta em particular se chamava Furioso.

Quando eu descobri, meses atrás, que o Burger King havia lançado um sanduíche com molho de pimenta e jalapeños, os genes de pimenta que herdei da família do meu pai começaram a celebrar dentro do meu corpo. E eu sabia que eles só me deixariam em paz depois que eu experimentasse o negócio.

Claro que isso implicaria em um cuidado especial. Como minha única experiência com o Burger King resultou em nada de bebida – o que seria algo fatal em se tratando de um sanduíche com jalapeños – me preparei com calma. Meu plano era: caso eles não tivessem refrigerantes, eu iria até um mercado, compraria uma Coca de dois litros e só então voltaria à lanchonete para experimentar o sanduíche.

Felizmente, desta vez eles tinham refrigerante (ao menos, tecnicamente falando, já que era Pepsi) e eu pude experimentar o sanduíche. E, quatro mordidas e meio litro de suor escorrendo pela careca depois, eu tive a certeza de que sim, Deus existe e seu nome é Furioso.

E, em algum lugar do céu, meu avô sorriu orgulhoso.

Eu disse que transpirava.
Ao fundo, uma menina que ganhou a coroa porque provavelmente aceitou beber suco.

Viciei no negócio. Comia pelo menos duas vezes por semana. Sempre que precisava ir para um shopping, me preparava para ir durante a hora do almoço ou do jantar, para me entupir com as pimentas do Burger King. Sentava-me num canto e começava a comer, suando, enquanto as outras pessoas da praça de alimentação me olhavam com atenção, provavelmente se perguntando se aquele carequinha vermelho e suado ali naquela mesa não está enfartando.

Mas tudo que é bom dura pouco.

Acabou-se o que era apimentado, no momento em que o Burger King tirou o sanduíche de linha.

É quase uma tradição das cadeias de fast food: eles lançam um sanduíche maravilhoso, mas vendem o negócio somente por duas semanas. Aí eles inventam outra novidade para colocar no lugar. E é sempre algo pavoroso, tipo um sanduíche com carne de lhama e coberto com alfafa – e que, de acordo com eles, faz tanto sucesso que acaba sendo incorporado ao cardápio regular.

Assim, minha vida se tornou menos apimentada. Tentei ir duas vezes ao Burger King e pedir pelo Furioso, esperando encontrar uma atendente mais distraída, mas nunca deu certo. O sanduíche não existia mais. Cheguei até mesmo a propor que se me dessem um Furioso eu usaria a porra da coroa – e se colocassem uma porção extra de jalapeños, eu deixaria até mesmo que tirassem uma foto. Não adiantou.

No jalapeños for you.

Mas tudo mudou ontem. Estava com a Esposa no Burger King da Avenida Santo Amaro, que talvez seja a pior lanchonete da rede. Ela é quase uma reedição da cantina de Mos Eisley, frequentado pelas criaturas mais estranhas da galáxia e com funcionários oriundos de planetas ainda não catalogados. Mas eu queria experimentar um sanduíche de calabresa que eles lançaram e as lojas de shopping já estavam fechadas, sobrava somente aquele lugar esquecido por Deus.

Depois de brigarmos com o atendente e com umas quatro criaturas que tentaram furar a fila, conseguimos fazer nosso pedido. E enquanto esperávamos o sanduíche ficar pronto, ouvimos uma pessoa no caixa ao lado pedindo para acrescentar jalapeños no seu sanduíche.

Imediatamente, peguei o menino do caixa pelo colarinho.

- Eu posso acrescentar jalapeños no meu pedido?

Seu rosto lentamente se modificou – provavelmente, pertencia a uma raça de transmorfos – e assumiu a forma de um enorme ponto de interrogação. Pelo seu olhar, aparentemente eu havia perguntado algo bizarro e sem sentido, como “posso colocar um pouco de cimento nas minhas batatas?” ou “em qual cidade brasileira fica a fazenda em que vocês cultivam a alface?”.

Apertei minha mão e puxei o moleque mais para perto de mim.

- Eu posso colocar jalapeños no meu pedido?

- Numsei, foi tudo o que ele respondeu.

- Jalapeños! Posso?

- Numsei.

- Habla español? Jalapeños!

Antes que ele conseguisse ligar o tradutor universal instalado em seu caixa – pois naquela loja eles possuem isso, acreditem – uma menina jogou nosso pedido numa bandeja e nos entregou, respondendo que:

- Sim, pode. Desde o Furioso pode. Próximo!

- É sério isso? Que demais!

- Caixa livre!

Desde ontem, os genes do meu avô e do meu pai estão sem dormir, ansiosos. Mas ainda não voltei ao Burger King. Estou esperando que um horário em que a loja esteja vazia, para não passar vergonha ao fazer meu pedido. Porque eu não vou apenas pedir um Whopper. Eu vou pedir um Whopper e pedir também para acrescentar jalapeños.

Mais ou menos cinquenta reais em jalapeños. 

17 comentários:

Varotto disse...

E já que te gusta tanto jalapeñosu vídeo para comemorar...

...on a stick.

Michele disse...

pega a porra do stacker triploooooooooo!!!

e hj vc pode levar a pimenta pro cinema. esconde na bolsa da Ana =)

Patricia B. disse...

É de impressionar como você troca de assunto sem perder o contexto... ;-)
Ah ! E eu sou uma baiana que odeia pimenta !

Elise disse...

Basta eu olhar pra pimenta que eu começo a passar mal. Minha família toda tem os genes, mas eu acho que nasci sem ele. Mas desejo que seja feliz com jalapeños. E é, seguindo a Michele, pega a porra do stacker triplo! Aquele sanduíche garante orgasmos pra amantes da carne!

Brunín Assis disse...

O maior problema do Burger King é que não tem Coca e no lugar da Soda é água com gás (sim, já fui enganado pela Soda falsa, mesmo tendo uma plaquinha avisando). Concordo com a Michele, pede um stacker triplo com jalapeños e seja feliz.

E colocar pimenta na pipoca é coisa de doente. Sério mesmo.

Rob Gordon disse...

Varotto:

Não faltou algo no seu comentário?

Abraços!

Rob

Rob Gordon disse...

Michele:

Vou experimentar! E levar pimenta na bolsa da Ana é nível doentio, já!

Beijos!

Rob

Rob Gordon disse...

Patricia B:

Obrigado! O segredo é nunca sair do mesmo assunto. Se você ler com atenção, eu conto três histórias diferentes neste post. :)

Beijos!

Rob

Rob Gordon disse...

Elise Garcia:

Eu era assim também - até começar a comer. Hoje, adoro! E vou atrás desse sanduíche, sim!

Beijos!

Rob

Rob Gordon disse...

Brunín Assis:

Não sabia desse negócio da Soda. Vou fazer uma anotação mental para nunca beber aquilo!

E você diz que é coisa de doente porque não viu a quantidade de pimenta que eu coloco! :)

Abraços!

Rob

Fagner Franco disse...

"Em terra sem Coca, quem tem suco é rei?".
Gênio.
Foi, em algum nível, uma suave homenagem a Coca. Ou sou eu que vejo Coca em tudo. Bom, não sei.
Sei que, quase mudando de assunto, o Burger King, antes de aderir ao satanismo, nos obrigando a beber Pepsi, tinha uma receita de dominar o mundo nas mãos: colocar o molho do Big Tasty em algum de seus sanduíches e melhorar sua batatinha (únicos dois - ok, mais a Coca, três - fatores que me fazem ir ainda ao McDonald's).
Voltando ao assunto, meu pai e meu irmão são iguais ao seu pai. Eu tenho no sangue, mas me atenho à jalapenos e tabascos, meu vício diário.

Climão Tahiti disse...

50 reais em pimenta no BK - dados os preços. - é muito pouco.

No máximo duas pimentinhas. =P

Ah, o atendimento do BK no Rio de Janeiro também é uma merda. Mas prefiro atendimento ruim e comida que atenda do que o atendimento atual do Mc Donalds, onde você recebe um sorriso e um sanduíche do tamanho de cabeça de alfinete (mas o preço...).

Bob Mussini disse...

Bicho,

Não sei como te agradecer pela informação.
Foi uma frustração descobrir que o Furioso não era mais vendido.
Não sei se estou tão contente de saber que é possível adicionar jalapenos ao lanche quanto estou puto por não terem informado isso em avisos gigantes na fachada das lojas BK e comercial de 3 minutos no intervalo do Fantástico, JN e Novela das 8. Quantos triplos com bacon eu comi sem pimenta!!! Que disperdício. Isso é coisa pra terem veiculado em horário obrigatório gratuito em toda a rede de televisão!
Obrigado Rob... Obrigado, Rob.... snif...

Dica:
Experimente a Pringles apimentada... a roxinha... com nível máximo no medidor de ardência, representado por um extintor de incêncio na embalagem. Quando entrar nas Americanas, busque as latas roxas com letras laranja e vermelhas.
[]s comovidos
Bob

Bob Mussini disse...

Agora sim...
é a terceira da esquerda pra direita:

http://www.minhasdicas.com.br/wp-content/uploads/2012/10/pringles-extreme.jpg

Seja Feliz!!!

Rob Gordon disse...

Fagner:

Eu também vejo Coca em tudo, sempre. E quanto ao Mc Donald's, dê uma chance ao Angus Deluxe. Baita sanduíche (mas confesso que enjoei um pouco depois de comê-lo 319 vezes em 2 meses).

Abraços!

Rob

Rob Gordon disse...

Ricardo Wagner:

Verdade. Melhor partir logo pros R$ 100,00.

E o atendimento do McDonald's nunca foi bom. Mas está cada dia pior, aqui em SP também, com atendentes que não falam português.

Abraços!

Rob

Rob Gordon disse...

Bob Mussini:

Eu concordo com você. Poder adicionar jalapenos é algo que deveria ter uma comunicação absurda, com faixas nas portas das lojas e panfletos sendo entregues dentro de shoppings.

Quanto a essa Pringles: vou experimentar! Valeu pela dica!

Abraços!

Rob