Eu devia ter por volta de dez anos.
Nesta época, meu pai jogava religiosamente toda semana na
loteria. Aliás, pelo que sei, ele ainda faz isso. E, a bem da verdade, eu não
consigo me lembrar de uma época sem meu pai fazer sua aposta toda semana.
Como ainda não existia a Megasena, ele jogava sempre na Loto
– que hoje, acredito, é chamada de Quina ou algo parecido – e na Loteria Esportiva.
Na Loto, ele apostava sempre nos mesmos números; já na Loteria Esportiva, ele
sempre trazia um volante da lotérica para mim. Como sempre gostei de futebol
(paixão que, por sinal, devo a ele), ele fazia duas apostas: uma minha e a
outra dele.
Mas nunca imaginei que iríamos ganhar nada. Claro que às
vezes ele chegava a ganhar algum dinheiro – posso estar enganado, mas se não me
engano ele chegou a fazer a “trinca” na Loto mais de uma vez – mas nada que
mudasse a nossa vida. Para mim, as
apostas eram apenas um ritual do meu pai, um passatempo, e não uma forma de
ganhar dinheiro.
Tudo mudou num domingo à tarde.
Com a combinação dos resultados da rodada, nós fizemos 12
pontos na Loteria Esportiva. E não fizemos os 13 pontos somente porque um dos
jogos – eu não lembro quais os times, mas a memória insiste para mim que eram
times do Nordeste – havia sido adiado. Ou seja, havíamos feito 12 pontos em 12
jogos.
Não sei como as coisas funcionam hoje, mas, naquela época,
quando isso acontecia, o jogo adiado tinha um resultado sorteado, somente para
não acabar com o concurso (para efeitos de campeonato, o jogo era disputado na
primeira data possível). O sorteio normalmente era na segunda-feira, lá pela
hora do almoço.
Não sei como meus pais foram dormir naquela noite. Mas eu,
no meu quarto, não me continha de ansiedade.
Dentro da minha cabeça, estávamos a um ponto de ficarmos
milionários. Isso significaria, para mim, brinquedos e revistas em quadrinhos novos
todos os dias. Com certeza, eu teria
dinheiro para comprar minha carta de alforria e nunca mais precisar ir à escola
– ou, ao menos, pagar para outras crianças assistirem às aulas e fazerem as
provas em meu nome.
Provavelmente, devo ter lido meia dúzia de histórias do Tio
Patinhas antes de dormir, para descobrir se ele ensinava como nadar em moedas,
já que até o final da semana eu teria a minha própria caixa-forte.
No dia seguinte, perto da hora do almoço (cabe dizer aqui
que não sei o que eu estava fazendo em casa a essa hora; o mais provável é que eu
estava de férias, pois caso eu tivesse assumido que era milionário e decretado
não ir nunca mais à escola, minha mãe teria me obrigado a comer o comprovante da
aposta) minha mãe desceu as escadas sorrindo.
O sorteio havia acabado de acontecer e nós havíamos feito os
13 pontos.
Estávamos ricos. Estávamos milionários.
Ela ligou para o meu pai contando a notícia enquanto eu, ao
lado dela, já pensava qual casa do bairro iria comprar para montar minha caixa-forte.
E passei a tarde pensando na minha futura vida. Em quais todos
os jogos de videogame eu compraria na mesma noite, em quais todas as revistas
em quadrinhos eu compraria assim que saísse de casa, em quais todas as bolas de
futebol eu compraria. E imaginando minha caixa-forte, com uma sala de
videogames, uma sala de histórias em quadrinhos e um campo de futebol oficial
para eu jogar com meus amigos. E seguranças contratados para impedir que o dinheiro fosse roubado e que meu irmão colocasse os pés lá dentro.
Meus sonhos, claro, foram interrompidos quando chegou a
notícia de que aquele concurso era o recordista de ganhadores. Pelo que lembro,
mais ou menos 75% da população da galáxia havia feito os 13 pontos. E o prêmio,
claro, seria dividido entre todos. Ô fase.
Lembro com exatidão do valor que cada um ganharia: CR$
60.000 (se você é novo é não reconhece esse “CR$”, saiba que estamos falando de
cruzeiros).
Isso, hoje, daria em torno de uns R$ 300,00. Sim, isso
mesmo. Não me esqueci de zero nenhum. R$ 300,00.
Meus pais, claro, continuaram felizes com a novidade e começaram a planejar o que
fariam com o dinheiro: se levariam a família para jantar, se comprariam algo
para casa. Eu sugeri que comprássemos uma arma e matássemos todos os outros
ganhadores, mas sequer me ouviram (caçula mode: on).
Alguns dias depois, meu pai foi buscar o prêmio, em alguma agência
da Caixa. Entrou no banco, pegou o dinheiro e voltou para o carro. Era um Gol
branco (uns dois anos depois, meu pai quase morreria num acidente com esse
carro) e começou a manobrar, de ré, para sair do estacionamento.
Mas no meio do caminho havia um toco de árvore.
Havia um toco de árvore no meio do caminho.
Não deu outra: sem ver o toco de árvore no retrovisor, meu
pai enfiou o carro no tronco, amassando toda a traseira do pequeno Gol branco.
Ali mesmo na porta do banco, com o dinheiro da loteria no bolso.
No dia seguinte, levou o carro para o conserto, que foi
orçado em CR$ 80.000.
Dias depois, o carro estava novo em folha. E nós estávamos CR$
20.000 mais pobres.
Então, se você lê meu blog e às vezes se pergunta de onde
vem meu azar, pense nisso: a única vez que minha família ganhou na loteria, nosso
prêmio foi perder CR$ 20.000.
Azar não está ligado a destino, karma, acaso.
Nada disso.
Azar é genético.
23 comentários:
Penso que tenha relação com a pimenta.
Demais, Rob! hahahahah
Preocupada com nossos futuros filhos...
Hahaha mas a história com certeza não seria tão boa se vocês tivessem ficados ricos! rs
Muito bom,Rob
Adorei
Ai Rob, não sei nem o que dizer, mas não consigo parar de rir!!! hahahahahahahahah
Eu estou com tanta história de azar, que acho que além de genético, é transmissível, porque sério, desde que voltei de SP, ta feia a coisa!!!
lol
Ô coisa sem futuro!
nossa! deve ter sido o mesmo sorteio que meu avô ganhou então! haha
alguns anos mais tarde ele ganhou mais uma mixaria com uns números que eu marquei pra ele... e ele se considerava um sortudo, por passar tão perto duas vezes! :)
hahaha
é, azar é genético
Desculpe - me querido mas eu ri mito agora ;)
hahahahaa, acho que meu pai tb ganhou esse meu sorteio aí! =P
Muito bom! kkkkkkkk Aí eu lembro da frase que a minha mãe sempre diz: Sorte ou azar? Só o tempo dirá! hahhhaha
http://www.doceilusao.com/
Ricardo Wagner:
Olha, talvez. Quem sabe?
Abraços!
Rob
Bia Nascimento:
Valeu!
Beijos!
Rob
Ana:
Não tem o que se preocupar. Eles serão azarados, ponto.
Beijos!
Rob
Juliana Canoura:
Isso é verdade. Já que acabamos perdendo grana, ao menos ganhei uma boa história.
Beijos!
Rob
Pedro:
Sorry - eu já ouvi falar que é transmissível, mas jamais quis contaminar algum amigo.
Abraços!
Rob
Varotto:
Sem futuro e com um passado desses.
Abraços
Rob
Lu:
Olhe, se bobear, é o mesmo concurso, sim, porque teve MUITA gente que ganhou dessa vez.
Rob
Michele:
Não tenha dúvidas disso.
Beijos!
Rob
Sil:
Não tem problema. Não é a primeira vez que alguém pede desculpas por rir de mim, e duvido que seja a última.
Beijos!
Rob
Juju:
Mas espero que ele tenha conseguido buscar o prêmio sem perder grana no meio do caminho!
Beijos!
Rob
Carol Campos:
Olhe, não sei se foi sorte ou azar (quer dizer, eu sei que foi azar - ou, ao menos, acho), mas pelo menos o tempo transformou isso em uma boa história.
Beijos!
Rob
hahahahaha MEU DEUS QUE HISTÓRIA
Postar um comentário