30 de junho de 2011

O Post da Abelha

Foi semana passada. Eu estava no trabalho e, ao acabar algo que eu precisava fazer, me espreguicei na cadeira e resolvi descer para fumar um cigarro. Abri o maço: tinha apenas um.

Ok, vamos descontar o fato de que eu tinha outro maço cheio no bolso da jaqueta. Se você é fumante, sabe que o ultimo cigarro do maço é algo especial. Se você não é fumante – e é bem provável que não seja, já que os consumidores de tabaco são, hoje em dia, a minoria mais desprezada do planeta – vou tentar explicar aqui de forma resumida.

Todos os maços de cigarro contêm dois cigarros diferentes. São fabricados com fumo de altíssima qualidade, cultivado em fazendas na Indonésia – a localização precisa é segredo. O tabaco é plantado por virgens holandesas que correm pelos campos usando somente vestidos brancos e molhados. Após ser colhido, o fumo é tostado cuidadosamente em fornalhas controladas pelos anões que fabricaram as armas místicas dos deuses nórdicos. No último estágio, os cigarros são enrolados num papel especial, umedecido com néctar e aromatizado com chocolate suíço.

Todos os maços de cigarro contêm dois cigarros diferentes: o primeiro e o último. Pergunte a qualquer fumante.

Assim, eu deveria me preparar para fumar o último cigarro do maço da forma mais respeitosa que conseguisse, já que o ritual deve ser respeitado. Se eu estivesse em casa, provavelmente terial apagado as luzes, colocado um smoking e colocado Beethoven para tocar. Mas, no trabalho, meus recursos eram mais escassos.

Fiz o melhor que pude: passei na copa, enchi um baldinho de café e fui para a calçada do prédio, tomando cuidado para não me queimar no caminho, pois descer três lances de escada com um copo de café quente nas mãos não é algo exatamente fácil. Claro que eu poderia procurar uma alternativa mais moderna, mas a última vez que peguei elevador com um copo de café nas mãos as pessoas me olhavam como se eu fosse um imbecil, e tenho certeza de que falaram mal de mim depois que eu desci.

Mas o trajeto ocorreu sem grandes problemas. Cheguei à calçada, me encostei a um murinho próximo à escada e respirei fundo. Era hora. Dei um gole no café, procurando deixar a cafeína mergulhar de forma quase obscena nas minhas papilas gustativas. Acendi o cigarro e dei a primeira tragada, com gosto, paixão e volúpia (e aquele ar de mafioso que todo mundo diz e que não consigo evitar enquanto fumo).

Dei a segunda tragada. O néctar do papel começou a correr pelas minhas veias, como ouro líquido. A fragrância do chocolate invadiu minhas narinas, entorpecendo meu cérebro. Fechei os olhos. Meu cérebro explodiu em luz e cores e eu quase podia sentir o delicado toque das virgens holandesas na minha nuca, me convidando a correr com elas pelos campos.

Eu estava quase fora de mim, levitando de prazer na calçada. Abri os olhos – afinal eu estava na rua, à luz do dia e tem certas coisas que não pega bem você sentir no meio da rua. O poder do nectar no meu sangue se acalmou, e o aroma do chocolate voltou a ser um perfume leve e discreto. Meu cérebro voltou a normal. Mas o toque das virgens, delicado e sensível, continuava acariciando minha nuca. Algo realmente estava tocando em mim.

Coloquei o cigarro nos lábios, levei a mão à nuca e meus dedos apanharam algo. Mas era pequeno demais para ser uma virgem. Claro que na mesma hora eu pensei que “quem sou eu para julgar isso, com a minha altura?”, mas mesmo assim o que eu tinha entre os dedos não parecia ser uma virgem. Na verdade, não parecia ser nem um ser humano.

Aproximei o conteúdo dos olhos para examinar com cuidado, mas não tive tempo. Pouco antes de ver uma enorme mancha preta e amarela fugindo da minha mão, senti uma pontada aguda no dedo.

- Abelha filha da puta!

Pelo que entendi, ela estava na minha nuca colocando um maiô e uma touca, antes de saltar do meu ombro para mergulhar no copo de café. Ou seja, além de folgada, era meio retardada, já que eu tomo meu café puro, sem açúcar. Pensei em expor isso a ela, mas era tarde.

Ela já havia ido embora.

Ou não. Eu ainda estava chupando meu dedo para aliviar a dor, tomando cuidado para não me queimar com o cigarro (porque se algum dia você ouvir falar a respeito de uma pessoa que queimou o olho com um cigarro ao chupar o dedo, entre correndo neste blog, porque certamente fui eu) quando ouvi um zumbido vindo da minha frente. Levantei os olhos e vi a porra do inseto voando na minha direção, fazendo uma curva e assumindo posição de ataque, ao som de A Cavalgada das Valquírias.

Eu não ia entregar meu café sem luta. Assim, coloquei o cigarro entre os lábios para deixar uma das mãos livrei e girei o corpo, protegendo o copo. Sem saber como lidar com meu movimento, ela alterou o curso e manobrou para ficar de frente ao meu rosto, parada no ar, me encarando como se fosse um pistoleiro dos filmes do Sergio Leone.

Foi aí que eu percebi que as manchas em seu rosto deixavam-na parecida com o Darth Maul. Era só o que faltava: eu havia arrumado confusão com uma abelha entregue ao lado Negro. Provavelmente, o nome dela era Darth Mel, mas não me atrevi a perguntar nada – mesmo porque eu não iria conseguir fazer isso sem rir, e ela tinha toda a pinta de que levaria isso para o lado pessoal. Aí sim eu iria me fuder de verde e amarelo. Ou melhor, de amarelo e preto.

Mas era hora de tomar a iniciativa, e não abrir espaço para o ataque. Era minha vez. Segurei o cigarro com força entre os dentes e tomei com o café. A Darth continuava me encarando. Não pensei duas vezes: fechei o punho e dei-lhe um murro na boca, que certamente a jogou do outro lado da rua, nocauteada.

Ou, ao menos, foi o que achei. Antes que eu pudese sair pulando pela calçada, comemorando e gritando que “Yo, Adrian! I did it!”, a porra da abelha já estava de volta.

E, desta vez, visivelmente emputecida.

Não era mais o café. A questão, agora, era pessoal. Cada bater de asas, cada centímetro percorrido no ar e cada zumbido tinham apenas um objetivo: a minha morte. Se aquela conversa sobre o poder dos cavaleiros Sith aumentarem quando eles sentem ódio for verdade, ela estava emputecida de verdade. Eu nunca vi uma abelha voar tão rápido, ziguezagueando em direção certeira aos meus olhos. Se eu pudesse vê-la de perto, aposto que ela estaria com fones de ouvido escutando Seek & Destroy, do Metallica – e seu olhar deixava claro que, no refrão da música, ela era o sujeito da sentença; eu, evidentemente, o objeto direto.

Eu precisava de uma arma. Claro que eu poderia jogar o café quente na cara dela, mas não seria muito esperto – dada às devidas proporções, seria como tentar se livrar de um assalto jogando a carteira no ladrão. Assim, apelei para o único recurso em mãos: o cigarro.

Esperei ela se aproximar e comecei a fumar rapidamente, jogando a fumaça ao redor de mim. Se eu não conseguia matar o bicho na porrada, iria matar asfixiado. Ou, ao menos, deixá-la cega o suficiente para conseguir escapar. Ignorei o aperto que senti no coração por desperdiçar boa parte de um “último cigarro” (néctar, chocolate, virgens) com uma porra de uma abelha, mas paciência. Se eu escapasse vivo dali, novos “últimos cigarros” apareceriam na minha vida.

Em segundos, eu estava rodeado de fumaça. Baixinho, careca e envolto em fumaça. Se alguém estivesse olhando para mim, certamente acharia que o coquetel de lançamento de um DVD do Snoopy estava rolando na calçada, já que eu havia me tornado o Chiqueirinho.

Mas não havia sinal da abelha. Sufocada, cega, não importa. Estava fora de combate. A vitória era minha! Encostei novamente no murinho e dei mais um gole no café, pensando que “adoro o cheiro de nicotina pela manhã”. Mas, antes mesmo de conseguir fumar, comecei a ouvir zumbidos vindos da fumaça. Zumbidos cada vez mais altos.

Ela surgiu de dentro da fumaça, voando a uma velocidade que rompia a barreira do som. Provavelmente, havia aproveitado estes momentos para colocar seu ferrão de adamantium. E, no ferrão, havia um nome escrito. O meu.

Bilhões de insetos no mundo e eu havia arrumado confusão com uma abelha geneticamente alterada e com superpoderes. Ô fase.

Não tive tempo nem de me preparar. Lembram-se dos desenhos do Scooby-Doo, quando os personagens ficavam correndo de um lado para o outro, entrando e saindo de portas num corredor? Bem, foi exatamente isso que aconteceu. A abelha era todos os personagens enquanto eu era o corredor. Ela entrou pelo meu ouvido e saiu pela boca, entrou por uma narina e saiu pelo olho, entrou novamente na boca e saiu pela outra narina, zumbido enfurecidamente a frase “You are beaten! Don’t make me destroy you” durante todo o processo.

Eu?

Eu larguei o café e o cigarro e saí correndo e gritando para dentro do prédio, com a cabeça baixa e sacudindo as mãos ao redor do rosto. Provavelmente, o porteiro deve estar até agora achando que havia algo no meu café e eu estava sofrendo de alucinações e totalmente histérico. Não me importei. Entrei no prédio e subi correndo as escadas de volta para minha mesa.

Não faço ideia de onde eu estava quando o zumbido parou. Acho que próximo ao segundo andar. Ou seja, a abelha ainda está lá. Por isso que eu não uso mais as escadas do prédio, subo e desço de elevador o tempo inteiro, e de preferência acompanhado.

Mas, todo dia de manhã, abro discretamente a porta da escada e deposito, num cantinho, um copo com café e entupido de açúcar, em sinal de respeito.



16 comentários:

Anônimo disse...

O que tem no primeiro e no último cigarro do seu maço é maconha com LSD.

Única explicação possível.

Bia Nascimento disse...

O que tem no primeiro e no último cigarro do seu maço é maconha com LSD. [2]

Esse é o tipo de história que ninguém no mundo além de você poderia contar.

littlemarininha disse...

O que tem no primeiro e no último cigarro do seu maço é maconha com LSD. [3]
Esse papo todo me deu uma vontade de fumar que você não tem ideia, já vou descer pra resolver isso.
Morri de rir aqui imaginando a cara de Darth Maul da abelha, kk

Que bom que você voltou =)

Fernanda disse...

"Bilhões de insetos no mundo e eu havia arrumado confusão com uma abelha geneticamente alterada e com superpoderes. Ô fase."

Ô fase mesmo, heim?!

E acho que LSD era pouco pra estar nesse seu cigarro. Devia ser algo mais forte, como a Brown Betty que o Walter (Fringe) faz de vez em quando...

=D


É bom demais ler textos assim de novo, sabia?! É como rever uma situação de uma maneira que nunca conseguiria contar.

Adorei!

Hally disse...

Hahahahaha, me segurando muito pra não rir histéricamente no trabalho.

Eu tenho sérios problemas com abelhas, que envolvem o fato de eu inchar muito.

Mas, peraí. Abelhas não morrem quando ferroam alguém?

Filipe Ribeiro disse...

O que tem no primeiro e no último cigarro do seu maço é maconha com LSD. [4]

Varotto disse...

Cara! Sem tempo para maiores comentários agora, mas esse foi um dos seus melhores textos de todos os tempos.

The bitch is back!

P.S.: Chiqueirinho é sacanagem!

Michele disse...

eu entendo essa questão do 1º e do último cigarro! tbm me sinto assim!!!

Renata disse...

Eu pensava que "se foder de verde e amarelo" fosse uma habilidade exclusiva da minha mãe, quase que um superpoder.


Bom te ver de volta e em plena forma =)

Sil disse...

É muito bom rir sem parar a esta hora.

Vou dormir feliz, obrigada Rob.

Beijo

Gislaine disse...

Que bom que vc voltou, estava com saudades.
Morri de rir com o post, so vc mesmo para escrever coisas desse tipo.
bjinhos

Gislaine de Aguiar Guimarães disse...

E adiciona comentario, e apaga comentario, hahaha, desculpa pela bagunça.

Bia Menezes disse...

Bom rir com você de novo!

Mas como bióloga tenho que defender a abelha: ela é inocente nesse história toda.

Aposto que a Darth Mel é só 'Mel'

;)

Dúh disse...

simplesmente FODA.

ZoiVerd disse...

O Rob voltou... Que bom, deve ser o trampo novo.

G7 disse...

Nao consigo parar de pensar nas virgens holandesas, molhadas e de roupa branca.

Bem que as embalagens de cigarro podiam trocar os fetos podres e os pulmões nicotinados por essas virgens, ou parte delas.

A infâmia do trocadilho Darth Mel o torna sensacional!