Existem momentos da nossa vida em que somos testados ao máximo, sobretudo no aspecto emocional. Além da pressão tradicional do dia a dia, muitas vezes somos obrigados a lidar com situações – sobretudo perdas – as quais não estamos preparados, pelo simples motivo de que é impossível se preparar para elas.
Você está ali, (sobre)vivendo e de repente algo lhe tira o chão, afetando sua rotina e fazendo com que você viva um período sombrio, precisando adaptar totalmente seu cotidiano ao mesmo tempo em que lida com a dor emocional do acontecimento. Seu cérebro sabe que a vida precisa seguir, mas seu coração e sua alma, não estão prontos para isso.
Foi o que aconteceu comigo algumas semanas atrás, quando fui calçar meu tênis para vir trabalhar e ele praticamente se esfarelou na minha mão. Sem exageros: toda a parte da frente se abriu e meu pé escapou por ali, fazendo com que o calçado chegasse quase ao meio da minha canela.
Meu tênis estava morto. Longa vida ao meu tênis.
Lembram-se daquela cena fantástica de O Resgate do Soldado Ryan, em que a mãe dos Ryan percebe que irá receber a notícia de que (no mínimo) um dos seus filhos havia morrido? A câmera a focaliza por trás, e ela cai na varanda, sem forças nas pernas.
Foi o que eu senti. Ainda com o falecido tênis enfiado na minha perna, consegui apenas me deitar no sofá em posição fetal e fiquei ali por alguns minutos, abdicando de viver e tentando lidar com a experiência de não possuir mais tênis.
Deitado no sofá, cheguei a conclusão de que não me lembrava da última vez em que eu havia ficado sem tênis. Acho que desde que ganhei meu primeiro par de Congas (denunciando a idade mode: on), sempre que meus tênis começavam a dar sinais de cansaço, eu (quando criança) ganhava ou (quando adulto) comprava outro. Assim, um par de tênis morria, e eu automaticamente colocava outro no pé. E a vida seguia.
Agora era diferente. Agora não havia mais tênis.
Agora eu estava só.
Quer dizer, eu não estava totalmente só. Alias, antes estivesse.
Fui até o guarda-roupa na esperança de encontrar um tênis esquecido ali, e dei de cara com os dois malditos pares de sapatênis. Pelo jeito, as notícias da morte do tênis já haviam chegado ao armário, pois eles estavam brigando entre si para ver quem teria a honra de ir para a rua comigo. Caso você não tenha lido o post sobre eles, basta você saber que, com eles nos pés, tudo o que preciso é ir até a esquina para meus pés começarem a doer.
Sem muitas alternativas – a única opção seria o par de havaianas que comprei para a viagem de fim de ano, o que evidentemente, não seria uma opção viável – peguei a porra do par cinza e fui para a rua. Antes mesmo de chegar à redação, eu já andava gemendo e com a elegância de um ganso, tentando pisar com o lado dos pés para aliviar a dor. Se eu passasse em frente a uma loja de brinquedos, era capaz das crianças acharem que eu estava promovendo o lançamento de algum boneco de mola.
E esta foi a minha rotina durante algumas semanas. Sim, semanas. Como eu estou trabalhando, em média, de manhã até de madrugada – e como não se vendem tênis em lojas de conveniência ou no Pão de Açúcar – tive que conviver com os malditos sapatênis durante todo este tempo.
Meus pés estão mortos. Longa vida aos meus pés.
Isso, até domingo. Estava preso no Shopping Eldorado por causa de uma tempestade e, obrigado a matar o tempo, decidi partir em busca de um tênis. Não deveria ser difícil. Veja bem, não estou falando de um sapato feito com couro de filhotes de zebu maturados, cadarços fabricados com o velo de ouro e adornado com esmeraldas do subterrâneo de Júpiter. É um tênis. Bom, ok... São dois tênis. Mesmo assim, não pode ser difícil.
– Acho que em uns vinte minutos dá para resolver, exclamou minha ingenuidade, sempre otimista.
– Vai nessa, retrucou meu azar.
Minha ingenuidade suspirou e resmungou um “quem trouxe esse cara?”, meu azar deu uma risadinha com aquele maldito ar de superioridade que ele tem e a discussão ficou por isso mesmo.
Saí vagando pelo shopping, prometendo baixinho que se eu achasse um tênis bom e barato logo na primeira loja, eu não reclamaria mais dos sapatênis.
Dito e feito. Na primeira loja que entrei – era uma World Tennis da vida – chamei o vendedor.
– Eu queria um tênis.
Sim, eu sei que minha abordagem foi meio óbvia, afinal, só existem tênis lá dentro, mas eu não estava com saco de ser criativo.
– Ah, boa tarde. E você deseja um tênis para corrida ou para praticar esportes?
Não é a mesma coisa?
– Bem... Não sei. Eu queria um tênis. Só isso.
– Você usa com amortecedores?
Como assim? É um tênis, não um carro. Só falta eu comprar o tênis e ter que começar a pagar o IPVA disso.
– Olha, não sei. Vamos simplificar. Eu queria um tênis. Não sei como ser mais claro.
– Ah, é para o dia a dia?
– Isso.
– Venha comigo.
Minutos depois, eu estava no meio da loja com uns seis ou sete pares de tênis na minha frente.
– Qual você gostou mais?
– O de 130 reais.
– E os de corrida?
– Não, o de 130 reais. Quero experimentar esse.
O vendedor não pareceu muito satisfeito com isso, mas se deu por vencido e perguntou qual era o meu tamanho.
E aí começou o problema. Veja, eu tenho 1.60m. Logo, meu pé não está entre os dez maiores do planeta. E sim, conheço diversas mulheres que têm o pé maior que o meu. Afinal, com um pé grande eu pareceria uma letra “L” andando pelas ruas. Ou um palhaço. Mas é errado julgar as pessoas pelo tamanho dos pés delas. Além disso, sempre dizem que não importa o tamanho do pé, mas sim o prazer que ele proporciona.
Bom, chega de enrolação, porque você já deve estar curioso.
– Trinta e sete.
(Caso você esteja rindo, gostaria de informar que isso vale apenas para tênis. Sapatos, eu uso 38, o que torna a coisa menos humilhante.)
– Ah, não tem.
– Como não tem? Você nem foi olhar!
– Esta marca aqui fabrica somente a partir do 38.
– Como assim? E eu?
– É... Não fazem esse tamanho.
Os sapatênis começaram a rir baixinho nos meus pés, dando cotoveladas um no outro.
– Mas eu já tive tênis na vida. E meu pé é deste tamanho há uns 20 anos!
– É, algumas marcas fazem esse número... Olhe, se o senhor quiser, tenho outros modelos...
– Não, eu quero esse aqui.
– Esse eu não vou ter.
Agradeci, dei meia-volta e fui embora.
Os sapatênis estavam chorando de rir.
Na segunda loja, mesma coisa. Na quarta, também.
Na terceira eu nem entrei, porque só de olhar a vitrine calculei que a loja não tinha vendedores, mas sim corretores, já que o tênis mais barato custava o mesmo que um apartamento de dois quartos nos Jardins. Claro que eu poderia comprar um tamanho 42 e me mudar para lá, mas se já é difícil conseguir que um técnico do Speedy vá para sua casa, imagine então se você morar dentro de um tênis.
Em meia hora, ou pouco mais que isso, eu deixei de ser uma pessoa normal e me tornei um freak. Eu era oficialmente uma pessoa ignorada pela indústria de calçados. Uma minoria.
Se ao menos eu encontrasse mais uma duas pessoas adultas que tivessem o pé do mesmo tamanho que o meu, poderia organizar, no domingo, uma parada do Orgulho do Pé Pequeno para lutar pelos meus direitos. Desisti em cinco minutos, porque comecei a olhar para os pés das pessoas ao meu redor e a única que parecia calçar 37 era um gordinho de uns 12 anos de idade.
Estava quase desistindo de tudo e voltando para casa quando encontrei outra loja de tênis. Tenis 1, acho que era o nome. Já entrei arregaçando.
– Você trabalha com 37?
– Oi?
– Você possui tênis do tamanho 37?
– Ah... Acho que sim.
– Você possui tênis que custem entre 100 e 150 reais?
– Sim, tenho alguns modelos.
– Ok. Cruze estas duas informações e traga tudo que se encaixar aí.
O vendedor sorriu sem graça e foi para o estoque. Dois minutos depois, ele colocou a cabeça para fora da porta e perguntou, aos berros:
– Trinta e sete, certo?
Isso, babaca, faça a loja inteira ouvir mesmo. Todos os clientes e demais vendedores olharam para mim. Algumas pessoas me encaravam com pena – e desviavam os olhos quando eu os encarava – como se eu tivesse má formação ou fosse de outra espécie. Filhos da puta. Vontade de pegar o primeiro tênis 42 que aparecer e jogar na cabeça de um deles, exigindo respeito e gritando que eu sou uma pessoa igual às outras e quero ser tratado assim!
Felizmente, o vendedor não demorou a sair, carregando quatro caixas.
– Olhe, eu tenho este dois modelos aqui.
– Por que você trouxe quatro caixas?
– Ah, eu peguei o 38 também, às vezes por causa da forma do calçado...
– Cara, não perca tempo. Eu sei que é difícil de acreditar, mas é 37 mesmo.
Experimentei o primeiro e ficou ótimo. Confortável. Bonito. O preço era normal também.
– Vou levar.
– Sim, senhor.
– Quer dizer... Este é 37 né? Você não pegou a caixa de um 38 e escreveu 37?
– Não, senhor, é 37.
– Ok. Pode colocar esta bosta de sapatênis na caixa, eu vou com ele no pé.
Paguei e fui embora. Ao sair do shopping, meu pé estava tão confortável que eu tive vontade de sair correndo. Aliás, nos últimos dias eu só atravesso a Pedroso de Moraes correndo, de tão feliz que estou com meu tênis 37 – numa delas, quase fui atropelado, então passei a andar com um bilhete no bolso, dando instruções para, caso eu morrer, ser enterrado com os tênis.
E os sapatênis? Estão trancados dentro da caixa, desde domingo, para aprenderem.
15 comentários:
Hahahahahahaha
Que fase, hein?
Vc é um fudido mesmo...
:P
Putz... E eu que calço 38/39 e sou mulher? Tudo machuca meu pé (além de tudo, o canalha é magro, é a única coisa magra em mim). Queria uns sapatos tipo ortopé ou bibi, bem confortáveis, mas só fazem até 37... Discriminação, Rob!
Esse comentário me fez lembrar outro dia que tentei comprar um All Star do Black Sabbath e só tinha a partir do 37. Eu calço 35.
Vida injusta. Mundo injusto.
Entendo sua dor as avessas.
Uso calçados 39/40 e sou mulher.
Sapatos dessa numeração parece que foram criados somente para travestis, sendo assim, sapatilhas delicadas são impossiveis de achar, ou mesmo um sapato discreto.
O esquema é já entrar na loja perguntando qual a numeração que trabalham assim não se sofre atoa.
E quando acho compro logo dois de cores diferentes que é para ter de reserva XD
E, depois dessa novela toda, você só comprou um par?!?
Tem mais é que se F$*^*%, mesmo...
Mas também, se você tentar diminuir seu sofrimento, como vai produzir textos hilários como esse?
Cara, vc disse que não costuma andar de chinelo. E tem UM tênis??? E usa até o mesmo se desmanchar???
Hahaha... compre uns dois, use um dia sim, dia não... justamente pra evitar emergências!
Vc é redator, pelo que parece... logo, tem dinheiro :P não seja pão-duro! rs
Olha, eu calço 37 e sempre tenho problemas para comprar tênis e sapato. Parece que ou o mundo ignora essa numeração ou todo mundo calça 37 ¬¬
Comigo acontece a mesma coisa... ou melhor, quase, já que o que eu escuto geralmente é "esta marca só fabrica até o 43".
Muito bom texto !
Me lembrei do meu falecido par de All Star preto que me acompanhou dos meus 14 aos 21 anos. Que o lixão o tenha em paz em vossa montanha fétida. Já eu sofro por conta da esquizofrenia numerica que assola as fábricas de tênis e sapatos. Por vezes um 37 me cabe muito bem, por outras ele - misteriosamente - não entra nem a base de ameaças. No fim, estou cercada de caixas e um vendedors suado e, visivelmente, puto.
Ahhhhh eu acho um charme homens que calçam 37! De verdade!Adorei !
Na minha casa falam que 40 é pequeno! uahuahauha
Obs.: All Star é unisex, portanto sempre tem 37 #ficaadica
Eu só troco de tênis quando ele começa a me avisar que não dá mais.
O meu último tênis foi trocado depois que a sola só ficava presa no resto do tênis pela parte da frente, o resto estava solto.
O meu penúltimo estava furado, sujo e a sola na parte do calcanhar não existia mais, e por isso estava furando as minhas meias.
O bom de usar esses tênis em estado avançado de putrefação é que você percebe na hora que pisou em uma poça d'água, já que sua meia fica encharcada instantaneamente.
Eu sei bem o que é sofrer para comprar um calçado. Como a Pig, eu calço 39/40 e na maioria das lojas que eu entro os vendedores falam " Que pena, desse modelo só chegaram dois pares desse número e foram os primeiros a sair, sinto muito"
Que raiva!
It is simply magnificent phrase
Postar um comentário