4 de fevereiro de 2020

A Roda de Tear


Faz algumas semanas que eu sonhei com um texto.

Na verdade, não era um texto. Era um texto que eu precisava fazer. Não lembro o motivo, não lembro o prazo, não lembro nada direito. Lembro apenas que o texto não era para mim, então eu presumo que seja algum freela.

(O que me leva a pensar que, como o sonho era meu, ao menos espero que  o freela fosse render uma grana preta).

Enfim, eu lembro que o texto era sobre um garoto oriental. Na verdade, eu precisava contar a vida dele. Ou melhor, imaginar sua vida, porque ele não existia. Sim, era um freela para escrever ficção.

Lembro que eu fiquei preocupado porque não fazia ideia de que história eu iria contar. Tudo o que eu sabia era que precisava sair do zero inventar toda a vida desse garoto, sem fazer ideia do que ele queria ou de onde essa história chegaria.

No meu sonho, eu andava pela rua – acho que era pela rua – pensando o que eu poderia fazer, porque a pior coisa do mundo para quem escreve é ter que escrever uma história que você não conhece.

Aí comecei a roubar e pensei na namorada dele. Eu faço isso muito isso. Quando eu preciso escrever um texto e não encontro o texto em lugr algum, eu escrevo algo relacionado ao texto. É uma maneira de olhar o texto sem deixar o texto perceber isso. Lembra quando você era adolescente e olhava para a garota por quem era apaixonado, torcendo para ela não virar a cabeça e perceber que você estava olhando para ela como um psicopata que tem uma foto dela num altar repleto de velas escondido no porão escuro da sua casa? Bem, eu faço isso o tempo todo com textos que não consigo escrever.

E foi o que fiz com o texto do garoto oriental. Como eu não conseguia imaginar o garoto, disfarcei minha incompetência pensando na namorada dele. Afinal, eu queria que meu garoto oriental tivesse uma namorada. E eu sabia que ela não podia apenas ser sua namorada, mas sim um personagem que tivesse vida própria e quisesse... Quisesse...

Não. Não deu certo.

Pensar na namorada do garoto não me ajudou em nada, porque eu também não sabia o que ela queria. Aliás, isso apenas piorou a situação. Antes eu tinha que lidar com o fato de que não sabia nada com o garoto, mas agora eu também precisava fazer o mesmo a respeito da imbecil da sua namorada. Basicamente, eu não sabia qual era a meta e resolvi dobrar a meta por causa disso.

Mas de repente uma roda de tear apareceu na minha cabeça.

Sabe? Roda de tear? Ou roda de fiar, dependendo de onde você nasceu? Aquele negócio que as pessoas usam para transformar tecidos em fios? Bem, a imagem disso surgiu na minha cabeça sem nenhum aviso. Ela estava funcionando e sua roda girava, com o tecido sendo trabalhado ali.

E de repente eu percebi que aquela era a roda de tear do avô do garoto, que havia imigrado para o Brasil décadas atrás. E até hoje ele havia se sustentado trabalhando  com isso, sempre fiando, de manhã até à noite, durante anos. Foi assim que ele conseguiu comprar uma casinha de dois quartos num bairro afastado, foi assim que ele conseguiu sustentar a esposa e o filho, foi assim que ele superou a dor da morte da esposa, e é assim que ele sustentou o neto, que foi criado por ele após seu filho e a nora partirem para outro país para tentar uma vida melhor antes de buscar o menino, coisa que nunca aconteceu.

Eu não vi uma roda de tear. Eu vi o texto inteiro. Ou melhor, eu vi a vida inteira do menino. Toda a forma que ele foi criado pelo seu avô, a forma que ele começou a entender o tamanho do esforço que o avô fazia para que ele tivesse uma boa educação e fosse feliz, e como ele passou a vida inteira sonhando em casar e criar uma família para ensinar ao seu filho tudo o que havia aprendido com o avô.

E, claro, para ser feliz. Não apenas porque todo mundo quer ser feliz, mas sim porque ele saberia que nada deixaria seu avô mais feliz que sua própria felicidade.

Lembra quando você era adolescente e olhava para a garota por quem era apaixonado, torcendo para ela não virar a cabeça? Bem, nesse caso, a garota olhou para mim e sorriu. E eu me senti a melhor pessoa do mundo, porque tive uma sensação que não experimentava há anos: o prazer de ver um texto se escrever sozinho na minha frente, como por um passe de mágica.

Desde o minuto que acordei, desde o dia em que tive esse sonho, essa sensação me persegue. Talvez seja a maneira que minha mente encontrou de me mostrar o quanto essa sensação é boa. Ou, melhor ainda, talvez seja a forma que ela encontrou de me mostrar que eu não preciso sonhar para isso acontecer.

Sim. É isso.

Mensagem recebida.

Hora de voltar a escrever (também) para mim.

Sim. Acho que voltei.

13 comentários:

Blabla disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Daniel Caliman disse...

Bom texto, como sempre. E ainda me deu uma dica de como imaginar histórias. Abraço!

Paulo Esdras disse...

Bom demais ver o seu retorno!

Varotto disse...

Cara, estou olhando para você há meses (anos?) E agora que você virou para mim e riu, não vá se esconder de novo.

P.S.: mas bem que eu preferia que, nessa imagem, você fosse uma garota linda em vez de um baixinho careca. 😏

Lua Durand disse...

O bom filho a casa torna, bem vindo de volta Rob! Sentimos falta!

Elise disse...

Bem-vindo de volta, Rob. Abençoada seja essa roda de tear.

Mario Cau disse...

Chewie... We're home.
Bem-vindo de volta, queridão!

Evaristo Ramos disse...

Que bom que voltou, Rob. Gosto muito dos seus textos e de alguma forma eles me emocionam em níveis diferentes, esse por exemplo, me deixou com os olhos marejados, acho que entendo um pouco.

Abração!

Alexandre disse...

Bem vindo de volta, Rob

Unknown disse...

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Pat disse...

Estou maratonando "gente que escreve" (acabei de ouvir o episódio 16). Seu trabalho é inspirador.
Abraços.

M.Henrique disse...

Olá, de novo... ótimos texto, sabe eu também escrevo algumas coisinhas e as vezes tento escrever coisonas. Acabo no meio da página sem ideias, ou melhor, com tudo no papel e mais nada na cabeça. Aí quebro a cuca e passa muito tempo até eu arranjar novas ideias, normalmente desisto do texto. Acho que essa dica vai me ajudar bastante. Obrigado.

Monique Fonseca. disse...

Que legal, com certeza é uma história que eu leria.É muito bonito mesmo o nascimento de uma história.