Talvez 2014 tenha sido o ano que mais viajei a trabalho na
minha vida. Fui para Minas Gerais, interior de São Paulo, Recife. Este texto, por
exemplo, estou fazendo em Goiás.
E viajar a trabalho é aquela baita correria, não dá tempo de
ver nada. É do aeroporto para o hotel, do hotel para reunião, vai comer alguma
coisa, volta para o hotel, vai do hotel para outra reunião, da reunião para o
aeroporto. Por isso que um dos poucos prazeres que tenho quando viajo a
trabalho é meu quarto no hotel. Já que não vou conhecer nada, já que vou
trabalhar o tempo inteiro, ao menos tenho conforto.
Isso, claro, não quer dizer que eu precise de um hotel cinco
estrelas – pelo contrário, já fiquei em algumas pocilgas pelo Brasil. Mas faço
questão de algumas coisas: uma cama boa, uma televisão que tenha uma imagem
decente, silêncio e atendentes que entendam o que eu falo. E, claro, um
frigobar com latas de Coca Zero e – importantíssimo! – um saco de castanha, que
é a primeira coisa que pego quando entro no quarto.
Se tiver tudo isso, está perfeito. Se não tiver nada disso,
mas ao menos castanha e Coca Zero, já está bom também.
Mas se existe algo que eu já desisti em hotéis: entender o funcionamento
do chuveiro. Normalmente hotéis têm chuveiros muito melhores que os que temos
em casa, mas os de casa possuem uma vantagem. Você conhece a torneira. E não se
engane: o segredo de um bom banho começa na torneira. Em casa, você abre a
torneira na medida certa automaticamente, e a água começa a cair já na
temperatura ideal. Em casa, você é o mestre das torneiras.
No hotel, não.
No hotel, não é você quem manda. É a torneira. Você é apenas
um escravo das torneiras – que sempre andam em dupla – e sujeito as suas
oscilações de humor.
Nesta viagem que estou fazendo, cheguei de manhã e fui
direto para reuniões. Passei o dia ainda com a mala, chegando ao hotel somente
no final do dia. Quer dizer, na verdade, eu cheguei ao hotel no final da tarde,
mas só entrei no meu quarto à noite. Isso porque o hotel tem apenas dois
andares mais é gigantesco, e eu fiquei hospedado no quarto mais longe possível
da recepção – acho que é seguro dizer que o hotel fica em Anápolis, mas meu
quarto ficava em Goiânia.
Enfim, entrei no quarto, comi o pacote de castanhas e virei
uma lata de Coca. E me preparei para o banho, jogando a roupa em qualquer
canto.
E assim, como vim ao mundo, entrei no box e examinei as
torneiras.
Eram duas, mas sem qualquer indicação de qual era a de água quente
e qual a de água fria. Olhei para cima: o chuveiro era gigante, parecia um
disco voador do Independence Day em escala 1:1. Pelo tamanho dele, devia ter
uma vazão equivalente às Cataratas do Iguaçu, então dei um passo para trás,
escolhi uma torneira ao acaso e girei um pouco.
Nada.
Girei mais um pouco.
Nada.
Girei a outra torneira, me perguntando o que eu estaria
fazendo de errado.
Nada.
Voltei para a primeira torneira e girei mais um pouco.
A água começou a cair. Aliás, ela não começou a cair, mas
sim a jorrar do chuveiro, numa temperatura de mais ou menos 2 graus Celsius.
E como o chuveiro era daqueles que fica na diagonal, não
adiantou nada eu ter ficado longe do chuveiro. A água caiu diretamente na altura
dos meus joelhos, fazendo eu me encolher na parede do box para escapar da água
congelante, me protegendo com as mãos feito uma garota virgem que descobriu que
está pelada no meio da rua.
Eu tinha duas alternativas. A primeira era sair do banheiro,
pedir para algum funcionário do hotel desligar o chuveiro para mim e desistir
de tomar banho nos dois dias seguintes por causa da água fria. Mas como isso me
transformaria numa espécie de personagem principal de Os Doze Condenados, eu decidi
que seria melhor tentar abrir a água quente.
Respirei fundo e fiz isso o mais rapidamente que consegui,
gritando um puta que pariu merda de água gelada puta que pariu e girei a outra torneira.
A temperatura não mudou. Aliás, pareceu esfriar ainda mais,
mas não tive tempo de pensar sobre isso, já que a pressão da água aumentou, como
se o chuveiro fosse uma mangueira industrial jorrando litros de água congelante
na altura do meu peito. Fui jogado para trás e fiquei completamente encurralado
num canto do banheiro, tentando me proteger com as mãos, feito um daqueles presidiários
de filmes que são castigados pelos guardas com jatos industriais de água.
Agora, não era mais o frio que me incomodava, mas sim o fato
de que eu estava quase estabelecendo um novo recorde de estupidez: eu iria me
afogar em pé. Assim, protegendo meu rosto do jato da água, tateei em busca da
outra torneira, ou da primeira torneira, ou de qualquer torneira. Assim que encontrei
algo parecido com isso, comecei a girar.
A pressão da água não aumentou. Melhor ainda: ela começou a
esquentar. Aos poucos, ela se tornou ideal: pressão perfeita, temperatura agradável.
Assim, certo de minha vitória, entrei embaixo dela, fechei os olhos e relaxei um
pouco.
Instantes depois – eu ainda não tinha começado a tomar banho
direito, estava apenas descansando um pouco – a pressão da água aumentou
sozinha, sem eu mexer em torneira alguma. E pior, a água descobriu que gostava
desse negócio de esquentar, e sua temperatura pulou para uns oitenta graus, se
transformando num rio de magma.
Pulei para fora do box gritando.
Meu ombro e meu peito estavam ardendo, mas eu precisava
fazer alguma coisa. Assim, abri uma pequena fresta do box e fiquei observando a
água, tomando cuidado para que ela não me visse ali – eu tinha certeza que ela
podia jogar um jato de água escaldante na minha cara a qualquer momento, só de
sacanagem – e pensando no que fazer. Estiquei a perna e molhei a ponta do pé:
fervendo.
Pensei em sair, fumar um cigarro e esperar o chuveiro
esquecer que eu estava por perto e talvez desligar sozinho, mas como eu ainda
iria sair para jantar, o tempo era curto. Assim, decidi encarar o monstro de
frente. Entrei num canto do box e fiquei analisando a melhor maneira de
desligar as torneiras sem ter uma queimadura de 18º grau.
O único modo era esticar o braço pelo canto do box, tentando
fugir da água. Mas como não sou contorcionista – e se a humanidade deu algum
salto evolutivo que permite os ossos do braço se dobrarem e fazerem curvas, eu
não fui sequer avisado disso – acabei enfiando metade do braço na água...
Que estava gelada novamente.
Em algum lugar do encanamento, algo soltou uma risada não
humana.
Fechei a água rapidamente e comecei o banho novamente. Mas desta
vez, abri as torneiras milímetro por milímetro, me comportando como um
arrombador de cofres. Cinco para a esquerda. Dois para a direita. Três para a
esquerda. Dois para a esquerda.
Assim, depois de alguns minutos, consegui água numa boa temperatura,
mas paguei um preço por isso, precisando tomar banho de gato, com seis ou sete
gotas que caíam do chuveiro. Qualquer gota a mais faria a temperatura da água
descer para nível Oceano Ártico ou subir para Intestinos do Vesúvio.
Mais tarde, ao sair do hotel, parei na recepção. Queria
conversar sobre o chuveiro, se tem algum modo especial de usá-lo sem correr
risco de vida.
– Oi, você pode me ajudar?
– Claro. O que senhor precisa?
Foi quando eu percebi que, independente da forma que eu colocasse
o assunto (“Como eu abro o chuveiro do quarto?” “Quanto eu preciso pagar para conseguir
tomar um banho morno?” “Você sabe que o chuveiro do 153 está vivo?”), eu
pareceria um idiota. Eu poderia ter ganhado a primeira batalha, mas teria que
enfrentar a guerra contra o chuveiro sozinho.
Além disso, se eu pedisse ajuda à recepção e o chuveiro
descobrisse, provavelmente haveria retaliações. Talvez enquanto eu estivesse
dormindo.
– Senhor?
– Desculpe, eu me distraí.
– Em que posso ajuda-lo?
– Nada. Mudei de id... Ah, pede para levarem mais um
saquinho de castanhas o meu quarto, por favor. Eu já comi o que estava lá.
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