Já faz alguns meses que a Esposa queria um passarinho.
Entretanto, como já temos três cachorros, três gatos e
diversos peixes (o número de peixes é impossível de calcular, já que basta eu me
aproximar do aquário para contá-los que eles começam a nadar alucinadamente, se
escondem atrás das plantas e fica um trocando de lugar com o outro e fazendo
dancinhas para me atrapalhar) foi preciso pensar a respeito.
Assim, decidimos fazer um plebiscito em casa. Mas abolimos a
ideia assim que Mefisto, o gato das trevas (que quem me acompanha no Instagram
conhece por #GatoRidículo) apareceu no dia da votação segurando garfo e faca, com
um guardanapo amarrado no pescoço e fazendo campanha aberta para comprarmos um
passarinho – inclusive usando a faca para ameaçar os outros gatos, caso eles votassem
“não”.
Ou seja, nada de passarinho.
Ao menos, não dentro de casa. Pois, sem seu passarinho, a
Esposa optou por um plano B. Comprou dois daqueles negócios de comida que você
prende em gaiolas, encheu de ração e pendurou numa escada que temos no quintal
do fundo.
Nos primeiros dias, não aconteceu nada. Mas, aparentemente,
os pássaros têm uma rede social. Acredito que alguma maritaca viu aquilo e postou
a foto da ração, porque o negócio parece ter viralizado entre as aves. Eu deduzi
que alguma coisa na comida que compramos – talvez as malditas uvas passas – faz
com ela seja uma ração gourmet e a nova tendência gastronômica entre os
pássaros da Vila Mariana.
Assim, todo pássaro do bairro que acompanha as tendências (e
que já foi blogueiro, depois apagou o blog e tentou ser fotógrafo, e agora diz
para todo mundo que sempre sonhou em se tornar chef) quer vir aqui comer.
Aliás, alguns parecem que nem comem. Pousam na escada, tiram uma selfie com a
ração, postam no Instagram (evidentemente, usando o meu wifi) e vão embora.
Ou seja, inventamos a nova moda da internet, mas não temos
como ganhar dinheiro com isso. Ô fase.
E a demanda parece aumentar a cada dia. Basta colocar comida
para eles aparecem. Às vezes, nem dá tempo de sair dali. Você está descendo a
escada e os pássaros já estão ali, e você precisa correr para dentro de casa, enquanto
o #GatoRidículo fica desesperado na janela da cozinha, socando o vidro,
cuspindo enxofre, desenhando pentagramas com sangue e gritando “pega aquele
marronzinho ali pra mim ou você vai morrer, seu filisteu maldito!”
Eu já aprendi que os horários de maior movimento são logo
cedo pela manhã e no final da tarde. Eles chegam às dezenas. São maritacas,
sabiás, pardais, tico-ticos... Ficam ali na escada, comendo e grasnando o papo
em dia.
No começo, era bonitinho. Mas de repente os pássaros
descobriram que eu moro aqui. E minha vida se tornou um inferno.
Começou um dia que fui fumar lá no fundo e dei de cara com
uma única maritaca. Eu não dei atenção até perceber que ela estava me encarando
fixamente e gritando algo parecido com “Nada mais!” “Nada mais!”. Fingi que não
era comigo, terminei meu cigarro e voltei para dentro de casa. Horas depois,
saí para fumar e lá estava a maritaca gritando “Nada mais!”.
A maritaca ficou uns dois dias ali e sumiu. Mas vira e mexe
ela volta. Sempre sozinha. Sempre gritando “Nada mais!” e me transportando para
uma versão tropical de O Corvo, provavelmente escrita por um Edgar Allan Poe de
bermuda e chinelos, depois de se entupir de camarões e cerveja num sábado à
tarde no Guarujá.
Mas o pior mesmo é quando eles estão em bando. Isso porque como
eles são muitos, a comida acaba em aproximadamente três minutos. E como eles já
aprenderam que a ração sempre é reposta, eles ficam ali esperando. Aí eu saio
para fumar e dou de cara com dezenas de pássaros, todos eles me encarando –
alguns reclamando que o serviço aqui é horrível – e esperando eu tomar alguma
atitude a respeito do pote de ração.
Eu tento explicar a eles que “olhem, eu apenas moro aqui e
não tenho nada a ver com isso”, mas não adianta. Eles ficam me olhando feio, deixando
claro que a qualquer movimento brusco que eu fizer vão me atacar e me devorar
vivo – ou, pior, vão voar por cima de mim e me bombardear com fezes para
mostrar que eles que mandam aqui e que não é um polegar opositor que vai garantir
minha sobrevivência.
Assim, não é para menos que eu tenho fumado mais no quintal
da frente, com medo de ir para o fundo e ser feito como refém pelos pássaros, que
vão abrir negociações com a Esposa dizendo que só me entregarão de volta em
troca de um saco de ração, que não é para chamar a polícia que tudo irá acabar bem,
e que não estão blefando.
Mas de vez em quando, eu vou fumar lá no fundo. Gosto de ir
lá.
Espio pela janela da cozinha, e ao ver que não tem nenhum
pássaro ali e vou fumar. Mas basta eu acender o cigarro que a maritaca aparece.
Pousa no alto da escada e fica me observando, atentamente.
Hoje de manhã aconteceu isso e eu me enchi. Dei uma tragada
e perguntei:
- O que você quer, porra? Quem é você?
Na
verdade, jamais homem há visto
Coisa
na terra semelhante a isto:
Uma maritaca,
friamente posta
Num
busto acima dos portais,
Ouvir
uma pergunta e dizer em resposta
Que
este é seu nome:
"NUNCA
MAIS".
4 comentários:
HAHAHAHAHAHAHA!!!
O gato é um dos melhores personagens ever, hahahaha!
Forte abraço!
"Já foi blogueiro, depois apagou o blog e tentou ser fotógrafo, e agora diz para todo mundo que sempre sonhou em se tornar chef". Captei pra quem foi a indireta! Hehehe
Cara, isso aí deve estar insuportável de cocô de passarinho. Má ideia, meu jovem!
#gatoridículo é o felino...sou uma versão humana dele...fã incondicional. Com certeza o melhor!!!
Seu dia:
https://pbs.twimg.com/media/B1HkrW5CMAAFAHN.jpg
Postar um comentário