25 de outubro de 2014

Rob Gordon's The Birds

Já faz alguns meses que a Esposa queria um passarinho.

Entretanto, como já temos três cachorros, três gatos e diversos peixes (o número de peixes é impossível de calcular, já que basta eu me aproximar do aquário para contá-los que eles começam a nadar alucinadamente, se escondem atrás das plantas e fica um trocando de lugar com o outro e fazendo dancinhas para me atrapalhar) foi preciso pensar a respeito.

Assim, decidimos fazer um plebiscito em casa. Mas abolimos a ideia assim que Mefisto, o gato das trevas (que quem me acompanha no Instagram conhece por #GatoRidículo) apareceu no dia da votação segurando garfo e faca, com um guardanapo amarrado no pescoço e fazendo campanha aberta para comprarmos um passarinho – inclusive usando a faca para ameaçar os outros gatos, caso eles votassem “não”.

Ou seja, nada de passarinho.

Ao menos, não dentro de casa. Pois, sem seu passarinho, a Esposa optou por um plano B. Comprou dois daqueles negócios de comida que você prende em gaiolas, encheu de ração e pendurou numa escada que temos no quintal do fundo.

Nos primeiros dias, não aconteceu nada. Mas, aparentemente, os pássaros têm uma rede social. Acredito que alguma maritaca viu aquilo e postou a foto da ração, porque o negócio parece ter viralizado entre as aves. Eu deduzi que alguma coisa na comida que compramos – talvez as malditas uvas passas – faz com ela seja uma ração gourmet e a nova tendência gastronômica entre os pássaros da Vila Mariana.

Assim, todo pássaro do bairro que acompanha as tendências (e que já foi blogueiro, depois apagou o blog e tentou ser fotógrafo, e agora diz para todo mundo que sempre sonhou em se tornar chef) quer vir aqui comer. Aliás, alguns parecem que nem comem. Pousam na escada, tiram uma selfie com a ração, postam no Instagram (evidentemente, usando o meu wifi) e vão embora.

Ou seja, inventamos a nova moda da internet, mas não temos como ganhar dinheiro com isso. Ô fase.

E a demanda parece aumentar a cada dia. Basta colocar comida para eles aparecem. Às vezes, nem dá tempo de sair dali. Você está descendo a escada e os pássaros já estão ali, e você precisa correr para dentro de casa, enquanto o #GatoRidículo fica desesperado na janela da cozinha, socando o vidro, cuspindo enxofre, desenhando pentagramas com sangue e gritando “pega aquele marronzinho ali pra mim ou você vai morrer, seu filisteu maldito!”

Eu já aprendi que os horários de maior movimento são logo cedo pela manhã e no final da tarde. Eles chegam às dezenas. São maritacas, sabiás, pardais, tico-ticos... Ficam ali na escada, comendo e grasnando o papo em dia.

No começo, era bonitinho. Mas de repente os pássaros descobriram que eu moro aqui. E minha vida se tornou um inferno.

Começou um dia que fui fumar lá no fundo e dei de cara com uma única maritaca. Eu não dei atenção até perceber que ela estava me encarando fixamente e gritando algo parecido com “Nada mais!” “Nada mais!”. Fingi que não era comigo, terminei meu cigarro e voltei para dentro de casa. Horas depois, saí para fumar e lá estava a maritaca gritando “Nada mais!”.

A maritaca ficou uns dois dias ali e sumiu. Mas vira e mexe ela volta. Sempre sozinha. Sempre gritando “Nada mais!” e me transportando para uma versão tropical de O Corvo, provavelmente escrita por um Edgar Allan Poe de bermuda e chinelos, depois de se entupir de camarões e cerveja num sábado à tarde no Guarujá.

Mas o pior mesmo é quando eles estão em bando. Isso porque como eles são muitos, a comida acaba em aproximadamente três minutos. E como eles já aprenderam que a ração sempre é reposta, eles ficam ali esperando. Aí eu saio para fumar e dou de cara com dezenas de pássaros, todos eles me encarando – alguns reclamando que o serviço aqui é horrível – e esperando eu tomar alguma atitude a respeito do pote de ração.

Eu tento explicar a eles que “olhem, eu apenas moro aqui e não tenho nada a ver com isso”, mas não adianta. Eles ficam me olhando feio, deixando claro que a qualquer movimento brusco que eu fizer vão me atacar e me devorar vivo – ou, pior, vão voar por cima de mim e me bombardear com fezes para mostrar que eles que mandam aqui e que não é um polegar opositor que vai garantir minha sobrevivência.

Assim, não é para menos que eu tenho fumado mais no quintal da frente, com medo de ir para o fundo e ser feito como refém pelos pássaros, que vão abrir negociações com a Esposa dizendo que só me entregarão de volta em troca de um saco de ração, que não é para chamar a polícia que tudo irá acabar bem, e que não estão blefando.

Mas de vez em quando, eu vou fumar lá no fundo. Gosto de ir lá.

Espio pela janela da cozinha, e ao ver que não tem nenhum pássaro ali e vou fumar. Mas basta eu acender o cigarro que a maritaca aparece. Pousa no alto da escada e fica me observando, atentamente.

Hoje de manhã aconteceu isso e eu me enchi. Dei uma tragada e perguntei:

- O que você quer, porra? Quem é você?


Na verdade, jamais homem há visto
Coisa na terra semelhante a isto:
Uma maritaca, friamente posta
Num busto acima dos portais,
Ouvir uma pergunta e dizer em resposta
Que este é seu nome:


"NUNCA MAIS".

4 comentários:

Cesar da Mota Marcondes Pereira disse...

HAHAHAHAHAHAHA!!!

O gato é um dos melhores personagens ever, hahahaha!

Forte abraço!

Unknown disse...

"Já foi blogueiro, depois apagou o blog e tentou ser fotógrafo, e agora diz para todo mundo que sempre sonhou em se tornar chef". Captei pra quem foi a indireta! Hehehe

Cara, isso aí deve estar insuportável de cocô de passarinho. Má ideia, meu jovem!

Anônimo disse...

#gatoridículo é o felino...sou uma versão humana dele...fã incondicional. Com certeza o melhor!!!

Climão Tahiti disse...

Seu dia:

https://pbs.twimg.com/media/B1HkrW5CMAAFAHN.jpg