Existe uma história na minha família sobre mim que não sei
se é verdade. Quer dizer, eu sei que aconteceu de verdade, mas eu não me lembro
dela. Entretanto, ela já foi contada tantas vezes que eu quase consigo
visualizá-la – o que acho justo, visto que ela aconteceu comigo.
Estávamos viajando para algum lugar. Meu pai dirigia com
minha mãe ao seu lado, e eu e meu irmão estávamos no banco de trás do carro. Eu
devia ter uns dois ou três anos e tinha o comportamento típico de uma criança desta
idade durante uma viagem: passava metade do tempo perguntando se “falta muito?”
e a outra metade infernizando a vida do meu irmão.
De acordo com a história, em um determinado da viagem eu
comecei a chorar por alguma que coisa que, como hoje ninguém lembra, não devia
ser particularmente importante. O que é importante é que eu não parava de
chorar.
Assim, minha mãe tentou desviar minha atenção do
motivo-que-me-fazia-chorar, virou para trás e inventou uma mentira:
- Como você está chorando, você não viu o cavalinho que
estava perto da estrada!
Eu parei imediatamente de chorar. O carro ficou em silêncio
por uns dois segundos, que foi o tempo suficiente para eu perceber que o
cavalinho era mais importante que aquilo que estava me fazendo chorar. Ainda
dentro destes dois segundos, o cavalinho se tornou a coisa mais importante da
minha. Tudo o que eu precisava na vida era ter visto o cavalinho. E agora o
cavalinho estava perdido para sempre.
Imediatamente, comecei a chorar e gritar que queria ter
visto o cavalinho, que temos que voltar para o cavalinho. Reza a lenda que fui
chorando até chegarmos ao lugar por causa do cavalinho e, a cada cinco minutos,
meu pai resmungava “agora arruma uma porra de um cavalo para o menino ver” com a minha
mãe.
Sábado passado eu e a Esposa fomos até a casa de uns amigos.
Mas fomos de carona com uma amiga dela. As duas na frente e eu atrás,
observando a paisagem (é engraçado: hoje eu não fico perguntando para as
pessoas se falta muito para chegarmos; por outro lado, eu estou sempre
perguntando se falta muito para irmos para casa).
Sei que no meio do caminho, as duas começaram a gritar no
carro, espantadas. Estávamos em plena Avenida 23 de Maio e um carro cortou todas
as faixas em alta velocidade, fechando todos os outros veículos até passar por
cima de um canteiro com grama, para desaparecer numa saída da avenida. Coisa de
filme.
Ouvíamos sirenes atrás de nós. Elas começaram a discutir se
o cara estava fugindo da polícia, se a polícia estava ali por coincidência e
agora estava atrás do cara. As teorias eram muitas e tenho certeza que a mesma
discussão estava acontecendo em todas as outras dezenas de carros ao nosso
redor.
- Porra, eu não vi nada!
- Como não?
- Estava olhando um boteco embaixo de um cortiço lá atrás.
Esta foi minha contribuição para o debate. Não foi
exatamente genial, mas foi sincera, porque eu não vi nada. Para variar, eu não vi
nada. A diferença é que desta vez eu segurei o choro, porque não pegava bem abrir o berreiro ali no meio do carro com 39 anos nas costas.
Às vezes, acho que vou passar a vida inteira procurando pelo
maldito cavalinho da estrada.
E, pior: olhando para o lado errado.
2 comentários:
Ah, me identifiquei tanto!
Mil e várias vezes perdi coisas ~importantes~ porque não estava prestando atenção. :(
been there, done that
Hahahaha, também sou dessas que perde as cenas mais legais da estrada, ou porque tô olhando pro celular, ou pro outro lado. =/
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