Eu parei de ver o jogo contra a Alemanha assim que saiu o
terceiro gol. Fui para frente do PC e comecei a tuitar sobre a tragédia,
enquanto ouvia a própria tragédia se desenrolar no PC. Quatro a zero. Cinco a
zero. Quando acabou o jogo, eu pensei:
– O que diabos eu vou fazer com a Débora?
Sim, a Débora foi uma das primeiras coisas que pensei. Acho
que é natural, já que eu passei a Copa inteiro ao lado dela, desde o primeiro
jogo. Ninguém esperava por uma goleada de sete a um. Eu, ao menos, não
esperava. E tenho certeza que a Débora também não.
Para quem não sabe do que estou falando, explico aqui: pouco
antes da Copa, o leitor e amigo deste blog Cesar da Mota me propôs um desafio
pelo Twitter: escrever um texto para cada jogo do Brasil na Copa, que se
tornaria a edição 2014 da série Minha Vida em Copas, na qual eu escrevo minha
biografia usando as Copas do Mundo para isso.
Confesso que, num primeiro momento, descartei a ideia. Acho
que o ponto forte do Minha Vida em Copas é justamente o distanciamento (todos
os textos foram escritos antes de 2010; o texto de 2010 foi escrito justamente
horas antes do jogo contra a Croácia, agora em 2014). Aquilo do que me lembro anos
depois da Copa – e, da mesma maneira, o que eu esqueço – dizem mais sobre o que
eu sou do que um texto onde lembro de tudo, porque tudo aconteceu na véspera.
Mas, da mesma forma que descartei escrever sobre mim deste
jeito, o formato me atraiu muito. Um texto para cada jogo, contando uma única
história, e com continuidade? Do alto do meu teclado, parecia um desafio muito
grande. Talvez maior que o 24 Horas, 24 Crônicas, quando eu passei um dia
inteiro escrevendo crônicas com temas sugeridos na hora pelos leitores.
Claro que varar uma noite escrevendo um texto por hora cansa
muito mais; mas ali eram temas soltos, eu podia escrever uma crônica sem me
preocupar com a anterior ou com a seguinte. Mas ter que inventar a continuação de
uma história a cada jogo – ou seja, eu só poderia pensar no capítulo seguinte
depois do final do jogo, e a até o Brasil chegar à semifinal eu não fazia nem
ideia de quantos capítulos a trama teria – era um desafio grande demais.
Irresistível demais.
Nascia, assim, a saga da Débora (cujo primeiro capítulo está aqui), que mostra o protagonista –
louco por futebol e apaixonado por Copas do Mundo – reencontrando uma antiga
ex-namorada em um bar, no primeiro jogo do Brasil. Claro que isso mexe com ele
(mais até do que a Copa do Mundo) e, a partir daí, cada jogo vai explorando este
reencontro de todas as formas possíveis – ou, ao menos, que eu achei possíveis.
Mais ou menos como eu fiz no conto Adolescência, alguns meses atrás (aliás, as
histórias de Mateus e Júlia e da Débora não têm nada a ver uma com a outra,
mas, dentro do meu cérebro, elas pertencem ao mesmo universo).
E, no terceiro texto, eu já havia me convencido que não
estava mais escrevendo um enorme conto, mas sim um romance. Escrevendo um livro
praticamente em tempo real – todos os textos eram postados antes do jogo
seguinte – com os capítulos sendo postados em intervalos de dias. Aliás, eu perceber
que era um livro foi a melhor coisa que aconteceu à trama. Eu queria
desenvolver bem os personagens – falando de amor aqui, de futebol ali, de um
gol ali e de um grande amor lá – mas os textos começaram a ficar muito grandes –
mesmo para o meu padrão. Mas, no momento que eu percebi que era um livro,
desapaguei de me preocupar com tamanho e apenas escrevi, me lembrando de algo
que eu aprendi depois de anos e anos escrevendo: todo texto encontra seu
público.
Foi o que aconteceu. As pessoas começaram a comprar a ideia.
Os personagens caíram no gosto dos leitores, e eu comecei a receber não apenas
comentários, mas também mensagens em todas as redes sociais me cobrando pelo
final da trama, pelo destino dos personagens, por um desfecho, uma conclusão.
Como de costume, eu respondi a todos – se você é leitor meu
e veio falar comigo sobre um texto e eu lhe deixei sem resposta, acredite: eu
não vi sua mensagem. Juro. Assim, agradecia
os elogios, mas mentia quando dizia que “calma, o final vai sair”. Seria muito mais
sincero eu ter dito que:
- Eu também não faço a mínima ideia de como essa história vai
acabar.
Isso seria 99% verdade. Afinal, eu precisava dos jogos para
saber o que iria acontecer. De repente, os personagens estavam vivos, ali no
bar da esquina da minha casa – ou da casa dos leitores – e eu precisava
assistir ao mesmo jogo que eles para saber o que aconteceu com eles e voltar
para o PC. Eu não mandava mais neles, apenas escrevia sobre suas vidas. Quem estava
dando as ordens eram os jogos da seleção.
(O 1% que seria mentira é porque eu imaginava o desfecho da
trama desde o primeiro jogo, porque uma cena do último capítulo estava na minha
cabeça desde que comecei a trama, e sabia que tudo terminaria ali – e não digo
qual esta cena aqui porque talvez você ainda não tenha lido a história da
Débora e não quero estragar a surpresa).
Mas, aparentemente, deu certo – cá entre nós, diferente da nossa
Copa. Quem já estava acostumado com meus textos gostou muito. Alguns falaram
que é a melhor coisa que escrevi (coisa que sempre duvido, mas que abri uma
exceção – muito pessoal – desta vez, a respeito de um dos textos). Além disso, a
saga ainda está sendo descoberta por novos leitores, que não conheciam meu
trabalho – ou, se conheciam, não achavam que ele era digno de nota nas redes
sociais.
Não sei se foram meus melhores textos. Mas foi, sem dúvida,
um dos meus projetos mais ambiciosos. Não apenas em termos de tamanho de texto,
mas em brincar com a própria mídia, da mesma que fiz com o 24 Horas, 24
Crônicas, quebrando um pouco a relação entre quem escreve e quem lê, algo que
só é possível na internet mas que muita gente que escreve, infelizmente, deixa
de lado.
Agora é esperar mais um tempo para desapegar destes
personagens e pensar em outra história a ser contada – sugestões são bem
vindas, apesar de eu ter umas quatro ou cinco ideias aqui – e voltar à vida
normal. Mas, enquanto isso, agradeço mais uma vez todos os elogios, todos os
comentários falando sobre as lágrimas que derramaram e as risadas que deixaram
escapar com a Débora.
Vocês não fazem ideia do valor que isso tem para quem
escreve.
Em tempo, a Copa rendeu dois outros textos meus publicados
fora dos blogs. Falei sobre meu jogo inesquecível em Copas do Mundo para o
Visitantes, e contei como foi a primeira goleada da história, ainda no Paraíso,
para o Papo de Homem, em mais uma aventura do Adão.
3 comentários:
É legal a ideia sobre Ana, Mateus, Débora, Beto e Batata estarem em um mesmo universo. E nós é que temos que agradecer por você ter dedicado tempo e neurônios para escrever algo tão bom.(Nota: eu apresentei a saga da Débora para meu melhor amigo e ele gostou bastante)
Gostei de tudo, um ótimo romance com o futebol como pano de fundo e ao mesmo tempo ator coadjuvante.
Mas o Oscar é do Batata.
Merece virar um filme, sempre direi isso. ;D
Verdade, o Batata era muito comédia...
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