Algumas semanas atrás, eu falei aqui sobre o Gato doTelhado. Antes de prosseguir com o texto, creio que cabe uma atualização aqui.
Eu estou perdendo as esperanças de interagir diretamente com
ele. Aparentemente, ele é muito arisco e mal consigo chegar perto dele. Eu já
consegui fazer com que ele descesse do telhado colocando comida na garagem, mas
ele só desce quando não estou por perto – e, se eu apareço, ele foge.
Nossas maiores interações continuam sendo com ele no telhado
e eu me equilibrando em cima do muro. Já faz alguns dias que ele percebeu que sempre
que aquele gordinho careca sobre no muro, vai ter comida e se aproxima. Até se
aproxima, mas sem esconder a desconfiança. Chega perto de mim, come e fica me
olhando – quando eu fico sobre o muro, meu rosto fica exatamente na altura do
gato – pronto para fugir, ao menor movimento que eu fizer.
Nas poucas vezes que tentei mexer nele, ele fez aquele
barulho que gatos fazem quando estão imitando o Alien, ameaçando cuspir ácido
na sua cara e que, caso fosse traduzido para português, significaria algo como “você
está prestes a perder seu olho”. Então, fico na minha, observando ele comer e
vendo se ele ganha confiança. Faço isso quase todos os dias.
Mas o problema é que agora minha atenção está dividida.
Temos três gatos aqui em casa, e eu estou cuidado de cinco: os nossos três, o
Gato do Telhado e o Gato do Vizinho.
Explico: meu vizinho Bruxa do Kurosawa também tem três
gatos. Na verdade, quando mudamos para cá ele tinha um, que – pelo que ficamos
sabendo – desapareceu. Agora, ele tem três: dois filhotes pretos que devem ter
uns seis, sete meses; e um filhotinho de siamês que é tão pequeno que às vezes
eu me pergunto se ele realmente já nasceu.
Antes de continuarmos com os gatos, é preciso falar dos meus
vizinhos. Como eu disse no post sobre eles, a casa é uma zona e até hoje não
descobri direito quem mora ali e quem não mora. Mas quem eu sei que mora – e que
são os donos do gato – são o Bruxa do Kurosawa e sua mãe, a japonesa que é mais velha que o
Japão. Então, vamos listar aqui as pessoas que cuidam dos gatos:
1. A mãe do meu vizinho: quase cem anos de idade, totalmente
surda e que não fala português.
2. Meu vizinho: uns sessenta anos de idade, surdo (mas não
totalmente), fala umas vinte ou trinta palavras em português e – dizem as más
línguas – passa o dia entornando todas dentro de casa, e está sempre meio
calibrado.
Ou seja: se você colocar uma tartaruga para os dois tomarem
conta, as chances do bicho escapar são de uns 80%. Se você trocar a tartaruga
por um filhote de gato, este número sobe para 750% (e ainda arredondei para baixo
em nome da política da boa vizinhança).
Vira e mexe o gatinho está sozinho na entrada da casa, chorando que
quer entrar, e ninguém ouve nada. Vira e mexe o gatinho está sozinho na entrada da casa, pensando se vale a pena ir para a rua, e ninguém vê nada. Vira e mexe o
gatinho está sozinho na entrada da casa, esperando alguém mandar que ele entre, e
ninguém fala nada.
Meu primeiro contato com o gatinho foi no dia da estreia do
Brasil na Copa. Durante o intervalo do jogo, fui fumar e vi que o gato já
estava na calçada, indo embora – detalhe que o outro lado da rua, perto da
esquina, serve como covil de um mendigo que possui 19.035 cães. Uma fração de
segundos depois, eu estava correndo pela rua tentando agarrar o gato que se
refugiou na minha garagem, me obrigando a entrar embaixo do carro, resgatá-lo,
tocar a campainha, explicar para uma velha que não fala português e não ouve
idioma algum o que havia acontecido e que ele estava na rua e que eu não estou
tentando roubar seu gato e eu moro aqui ao lado não é possível que a senhora
não se lembre.
De lá para cá, o gato já escapou umas cinquenta vezes. E eu
tenho que dar um jeito, porque ninguém vê nada. Estou dentro de casa, ouço
aquele miado fininho e saio correndo para o quintal para conferir se o gato
está preso para fora (e ele sempre está). Aí preciso dar algum jeito: chamo meu
vizinho pela janela, vou até o muro do quintal do fundo, toco a campainha,
chamo os bombeiros. Tudo para manter aqueles seis centímetros de gato a salvo.
Agora de manhã foi assim. O gato estava preso do lado de
fora da casa, miando, querendo entrar. Fui até o quintal – de onde eu fumo, eu
vejo o vizinho pela janela – e comecei a tentar chamar sua atenção. Um olho na
janela e outro olho no gato. Foram alguns minutos até ele olhar para
mim e eu apontar para a porta.
– Seu gatinho está preso do lado de fora!
– Hã?
– Seu gato está preso do lado de fora!
– Ga-tô?
– Isso! Ga-tô!
– Ga-tô?
– Isso! Ga-tô! Fo-rá! Por-tá! Ga-tô!
– Ah!
Aí ele sai, se senta no chão, pega o gatinho e o abraça,
falando aquilo que ele sempre fala para o gato.
– Kuru kuru. Miau. Kuru.
Ele sempre fala isso, seja quando está brincando com o gato,
seja quando está dando bronca. Dois kuru, um miau, um kuru – se alguém souber o
que é kuru e me falar aqui, agradeço. Aí ele entra com o gatinho e eu sei que tenho
algumas horas de sossego. Volto para dentro de casa e, ao chegar perto da
porta, vejo o Gato do Telhado me olhando lá de cima.
– Já vai. Eu acabei de acordar. Daqui a pouco eu subo aí.
– Miau.
– Já vai, porra. Kuru kuru!
E entro em casa e vou pegar ração para o Gato do Telhado. E, enquanto eu estiver tetando fazer com que ele se aproxime, o gatinho do vizinho vai escapar, eu vou entrar em pânico, vou pular do muro - arrebentando ainda mais meu joelho, que ameaça explodir toda vez que faço isso - e ficar pendurado no muro, gritando na direção da janela do vizinho que o "kuru kuru está escapando! o kuru kuru miau kuru tá indo pra rua!", enquanto o Gato do Telhado foge com a movimentação achando que sou um imbecil e o vizinho entorna seu terceiro saquê, achando que sou um imbecil por ficar trepado no muro fazendo barulho de gato!
Até o final da semana, vou atualizar meu currículo: jornalista, publicitário, redator, roteirista e estagiário no escritório de São Francisco de Assis.
Até o final da semana, vou atualizar meu currículo: jornalista, publicitário, redator, roteirista e estagiário no escritório de São Francisco de Assis.
7 comentários:
Rob, caso as coisas deem errado você pode trabalhar cuidando de gatos.
Minha irmã é craque em pegar gatos de rua pra cuidar, mas parece que ela só atrai aqueles, na verdade aquelas, que dão à luz logo depois que ela pega.
Ah, e "kuru" em japonês significa "vem".
Como disse no twitter, replico aqui.
Tenho uma gata do telhado, Diná. Quando me mudei para Paquetá dois anos atrás tinha uma gatinha que vive nos telhados, nunca desce e tinha muito medo de humanos.
Ela pedia ração, mas na hora que colocávamos ela fugia e voltava uns minutos depois.
No início era super desconfortável colocar ração para ela, porque no mesmo caso que o seu, era em um lugar horrível. Um dia tivemos a idéia em casa de mudar o local para uma parte baixa do muro.
Depois de dois dias (ela com fome) desceu no ponto que indicamos (mostramos onde colocamos o pote). Comeu e fugiu.
Aos poucos fomos conseguindo nos aproximar. Um jogo de paciência bem longo e demorado para ganhar a confiança dela. Até que uns 8 meses atrás ela passou a deixar fazer cafuné e, o mais surpreendente, passou a pedir cafuné enquanto come.
Hoje em dia estou conseguindo pegá-la no colo um pouco (apesar dela reclamar). No início ela fugia e sumia, agora ela continua normalmente.
Espero em alguns meses colocar ela pra dentro de casa, pois fazer os meus gatos a aceitarem (e ela a eles) será a etapa mais complexa de todas.
Mas é aquele negócio, não podemos salvar todos os animais de rua, mas se todos pudermos salvar um, fará a verdadeira diferença.
Acredito que se você passar a deixar a comida em um lugar mais confortável e baixo, com o tempo o Gato do Telhado vire o Gato do Muro.
Mas o segredo pra pegar a mosca é a perseverança e a paciência, já diria o Senhor Miyagi.
Rindo muito e com sono demais para comentar outra coisa. Muito bom, Rob.
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