Dia desses estava na padaria aqui ao lado de casa. Esta
padaria é um dos estabelecimentos comerciais com a estratégia mais inovadora
que eu vi até hoje: o diferencial dela é ser ruim - eu já falei dela aqui e aqui também.
Eles pioram alguma coisa a cada dia. Quando você acha que
não dá para piorar, que a padaria chegou ao fundo do poço, mas mexeu na
folhagem que estava ali e encontrou um alçapão que leva um novo nível de
decadência com buracos profundos, eles conseguem quase que por mágica estragar
alguma coisa nova.
É preciso piorar sempre, até mesmo com as coisas que não dá
para piorar. Sorvete, por exemplo. Sorvete é algo que não dá para estragar, já
que não é feito por eles e um produto que deve ter uma data de validade nível “Capitão
América congelado”.
Como daria trabalho demais rasgar as embalagens de todos os
picolés para estragar o lote inteiro, eles optam pelo caminho mais simples:
decidem não ter. Veja bem, não é “não trabalhar com sorvetes”, é “não ter”. A
geladeira está ali perto da porta, ligada e funcionando. Mas não tem sorvete
algum lá dentro – talvez antes do almoço você encontre a marmita de um dos
funcionários, mas sorvete, mesmo não tem. Só a geladeira.
De umas semanas para cá, porém, é visível o esforço que eles
estão aplicando para piorar o pão. Porque “não ter pão” é fácil, qualquer
boteco não tem pão. É preciso ter pão, e que ele seja o pior pão do bairro
(eles só relaxam e se permitem não ter pão depois das 21h). E a estratégia para
isso é brilhante: eles trocam de funcionários a cada três dias, que é o tempo
que o sujeito aprende a fazer pão.
É mais ou menos assim. Eles têm toda uma equipe de pessoas
fazendo pão e atendendo no balcão. No primeiro dia, nada funciona. No segundo
dia, as coisas melhoram um pouco. No terceiro dia, tudo funciona bem demais: o
pão fica bom e o atendimento é rápido. Aí eles trocam a equipe inteira – o único
funcionário que eles mantêm, aparentemente, é um padeiro esquizofrênico, que
faz, na mesma fornada, alguns pães franceses do tamanho de um fusca e outros do
tamanho de uma tampa de caneta. Esse aí é o funcionário modelo. É o exemplo a
ser seguido na arte de “fazer pão ruim”.
E o objetivo vem sendo atingido. Os clientes, pelo que posso
ver, parecem detestar a troca de funcionários que mantém o pão sempre ruim. E o
dono – um gordo de uns quarenta anos que não sabe falar sem gritar – fica ali
no caixa, coçando a bunda que escapa para fora da calça e sorrindo, orgulhoso,
a cada reclamação.
Dia desses, eu fui até lá comprar cigarro. Era final da
tarde. Um sujeito estava pagando e eu entrei atrás deles, na fila, esperando
minha vez. E ouvi a conversa entre ele e o dono.
- Esse menino que você colocou no balcão é muito ruim.
- É mesmo?
- É. Ele não sabe nem falar com o cliente direito.
E eu ali, olhando.
- Como assim?
- Primeiro, ele não dá nem boa noite. Segundo, ele entrega o
saco de pão todo amassado.
- É que ele é novo.
- Mas isso não explica ele ser mal educado.
E eu ali, olhando e prestando atenção.
- Isso é verdade. Peço desculpas.
- Você tem colocado cada dia gente pior aqui.
- É difícil. Você dá emprego para essa gente, mas tem uns
que não sabem aproveitar. Você ensina, treina, diz como faz... E o cara não aproveita
nada. Não sabe nem como falar direito com o cliente. É mal educado.
E eu ali, olhando, prestando atenção e pensando em dizer que
“olha, desculpe me meter, mas eu queria assistir o seu treinamento. Porque
ontem eu vim aqui depois do almoço e você estava aqui no caixa passando fio
dental. E não parou de passar enquanto me atendia. Ficou ai passando essa merda
e chupando a comida dos dentes”. Mas fiquei quieto.
- É, mas esse aí é ruim demais.
- Eu vou falar com ele. Próximo.
Era minha vez.
- Me dá um Marlboro box.
- Não tem.
- De novo?
- Ah, não, espera! É o vermelho?
- Isso.
- É, não tem.
- Certo. Dá um Lucky Strike, então.
E fui embora para casa. O menino que “não sabe falar com os
clientes” não foi demitido. Esse está lá todos os dias. Provavelmente, até o
final do mês ele vira gerente.
Porque ter a pior padaria não é tarefa fácil. É preciso ter
alguém que seja bom nisso comandando os funcionários, controlando a má
qualidade dos produtos e inventando sempre novas maneiras de deixar o cliente
emputecido.
5 comentários:
“olha, desculpe me meter, mas eu queria assistir o seu treinamento. Porque ontem eu vim aqui depois do almoço e você estava aqui no caixa passando fio dental. E não parou de passar enquanto me atendia. Ficou ai passando essa merda e chupando a comida dos dentes”.
Aaaaaaaaaaaahhhhhhhhhhh nojo!
Ainda bem que eu não estava junto nesse dia...
Essa padaria lembra um mercadinho que tem aqui perto de casa. O açougue do mercadinho vende uma carne de 3ª com o nome de "Bife Especial". Quando perguntam a ele se a carne é dura ele responde: "Não existe carne dura, o que existe é gente com preguiça de mastigar".
Rob, não seria melhor mudar de padaria? As coisas não vão mudar por lá se eles não perderem clientes. Troquei de papelaria e farmácia porque ou o atendimento foi ruim ou sempre faltava um produto e não me arrependo, apesar de ter que andar um pouco mais.
Cuidado pra não encontrar nenhuma surpresa nesses pães.
Pois é. Como o Guilherme falou. Uma hora dessas eles começam a vender pão de grife:
http://perolas.com/wp-content/uploads/2013/10/pao-da-lacoste.jpg
OK, vou dar um crédito pro cara porque ele pelo menos passa fio dental, mesmo que em público. Já vi gente que não sabe nem o que é, ou diz que prefere palito.
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