Toda bolha explode.
Bolhas, por definição, nascem, crescem – ou incham – e explodem.
Basta entrar na internet e procurar algo sobre a bolha imobiliária. Todos juram
que ela vai explodir em breve. Os mais velhos se lembram da bola da internet,
que também explodiu depois de pouco tempo.
Toda bola nasce, cresce e explode.
Menos, claro, a bolha que está na sola meu pé há 36 horas. Ela
decidiu seguir um novo curso natural: nasceu, cresceu, cresceu mais um pouco,
viu que dava para crescer mais e aproveitou a oportunidade, se revestiu de
titânio e está lá, feito impávido colosso.
Claro que a culpa é minha.
Eu a Esposa começamos a caminhar no Ibirapuera, todas as
noites. No caso dela, é saudável. No meu caso, é para emagrecer. Decidi começar
a me cuidar porque primeiro estou quase com 40 anos – e eu não fazia ideia do
quanto isso era assustador até escrever esta frase.
Segundo, porque a primeira vez que fomos ao Ibirapuera, alguns
dias atrás, reparei que as pessoas abandonavam a pista de cooper assim que me
viam, e começavam a se exercitar correndo ao meu redor. Se eu colocasse um
bambolê na cintura, era capaz dos seguranças me levarem de volta – junto com os
esportistas que orbitavam à minha volta – ao Planetário, alegando que “olhe, esta
miniatura de Saturno escapou aqui do prédio com todos os seus satélites, mas
nós conseguimos capturá-la antes que ela chegasse à rua”.
Então, entrei numa dieta pesada e caminhada todas as noites.
Ao contrário do que muita gente que me acompanha pode pensar, não tenho problema
algum em fazer dieta. A Esposa é daquelas pessoas que parece uma alquimista na
cozinha: se você der uma pedra, ela transforma em ouro. Claro que eu sinto
falta da feijoada, da picanha, da linguicinha, mas dá para levar na boa.
Caminhar? Adoro. Para mim, é um dos maiores exercícios de
higiene mental que existe. Muitas vezes estou escrevendo um texto e empaco em
um trecho. Basta sair para andar que as ideias começam a desfilar na minha
frente, todas de biquíni e salto alto, enquanto os neurônios levantam plaquinhas
dando notas e escolhendo a campeã.
O problema é que, aparentemente, se tanto corpo e mente concordaram
a respeito do novo programa de Saúde, a sola do meu pé direito não concordou
com o fato de que não foi consultada e assumiu um papel de dissidente. Montou um
exército guerrilheiro, se refugiou nas montanhas e decidiu que era hora de
exprimir sua opinião política por meio de atos terroristas.
Na primeira noite foi tudo tranquilo. Na segunda noite, algo
começou a incomodar na sola do pé. Era uma pequena bolha, mas nada demais.
Típica bolha que desaparecia sozinha em poucas horas.
Dito e feito, ela sumiu.
Ou foi o que eu achei.
Na verdade, na terceira noite vi que ela não havia
desaparecido, mas sim partido em busca de reforços. Voltamos para casa e eu não
conseguia nem andar direito. Tirei o tênis e olhei para a sola do meu pé, mas
não consegui encontrá-la. Sei que ela devia estar em algum lugar atrás da
bolha, mas nem sinal dela.
Mas o que mais me assustou foi ver algo se movendo dentro da
bolha. Alguma coisa estava viva lá dentro. Algo do tamanho de um cachorro
pequeno.
A situação estava agora impraticável. Mancar pela casa era algo
possível de lidar. Mas saber que meu pé provavelmente estava servindo de hospedeiro
para um alienígena já colocava a coisa num patamar mais preocupante.
Resoluto, decidi que era hora de abortar o bebê alienígena. Peguei
uma agulha, sentei na cama e, com cuidado...
Furei a bolha.
Não, minto.
A bolha continuou igual. Tudo o que consegui foi entortar a agulha.
Tentei novamente, e consegui apenas outra agulha torta. Aparentemente, o ovo
alien que nasceu na sola do meu pé era mais resistente do que imaginei.
Era hora de uma atitude mais drástica.
Afinal, não se tratava mais de uma simples bolha, mas sim do
meu dever cívico de impedir que o alienígena concretizasse seus planos de
conquista interplanetária. Mesmo porque, na pior das hipóteses (uma invasão bem
sucedida) as pessoas poderiam descobrir que eu fui o Paciente Zero. E, pior
ainda, se soubessem que eu não fiz nada para arrancar o alienígena do meu pé
quando ainda era tempo, eu poderia ser acusado de ter colaborado com o inimigo,
sendo julgado e condenado por traição em tribunais clandestinos montados pela resistência
humana.
Entre a Terra que conhecemos hoje e a Terra colonizada por
alienígenas que se reproduzem dentro do pé de pessoas que desejam emagrecer
havia somente eu.
Ou seja, nada muito animador.
Eu precisava de mais recursos.
Fui até a caixa de ferramentas. Minutos depois, entre a
Terra que conhecemos hoje e a Terra colonizada por alienígenas que se
reproduzem dentro do pé de pessoas que desejam emagrecer não havia mais somente
eu, mas sim eu, um prego e um martelo.
Posicionei o prego com cuidado no meio da bolha e me
preparei para dar uma pancada, seca e certeira, que encerrasse de vez aquela
história. Entretanto, antes que eu pudesse dar a primeira martelada, vi o prego
sendo absorvido pela bolha até desaparecer completamente dentro do meu pé.
O que se seguiu foi algo aterrador: a bolha começou a se
mover alucinadamente, fazendo ruídos que deixaram claro que o alienígena lá
dentro estava mastigando o prego. Segundos depois, a bolha cresceu.
Ao invés de matar o alien, eu o alimentei. Perfeito.
Assim, descartei usar metal – a furadeira, que era meu plano
C, continua guardada e longe do meu pé – para evitar que o alien a consuma e
cresça novamente. E como não é exatamente fácil você encontrar clínicas de aborto
num país onde o aborto não é reconhecido por lei, localizar um médico que faça
abortos alienígenas é ainda mais difícil.
Com isso, tudo piorou. Continuo andando pela casa com a elegância
e o gingado do RoboCop depois de ser metralhado e cair de um prédio de seis
andares. E tenho cada vez mais certeza de que sou hospedeiro de um alien que
está se desenvolvendo na sola do meu pé.
Na hora do almoço, a bolha começou a doer ainda mais.
Coloquei um clipe de papel perto dela, e vi o pedaço de metal ser absorvido e
mastigado. Logo em seguida, a dor melhorou um pouco – provavelmente porque o
alien, depois de almoçar, resolveu aproveitar que é feriado e foi dormir um
pouco.
Estou escrevendo isso enquanto ele dorme, mantendo qualquer pedaço
de metal afastado do meu pé. Mas isso é o máximo que vou mudar da minha rotina.
Ainda hoje vou andar novamente e o alien que se vire com isso.
Mas claro que vou me preparar para o pior.
Afinal, no espaço ninguém pode ouvir você gritar. Mas no Parque do Ibirapuera, especialmente num feriado de Sol, a história é outra.
4 comentários:
Hoje chegará em casa e ao encarar a bolha terá um olho te encarando.
E se sentirá em Army of Darkness.
Prepare suas armas, porque depois que o clone nascer virá o exército zumbi.
Pelo que eu entendo de bolhas assassinas, o único modo é congela-la, aí depois você dá uma marretada.
ahahahahahahhahaha
excelente!
Mas o que eu chorei de dar risada ao ler na primeira vez não chega perto da inabilidade da pessoa aqui ao tentar ler pro marido sem cair na gargalhada, ou de chorar de tanto rir, pq claro, ainda era muito engraçado e eu não conseguir enxergar as letras... E sinceramente a cena de um Rob-Robocop no Ibirapuera foi demais pro meu pouco auto controle!
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