6 de setembro de 2013

Quando os Gigantes Caminhavam sobre a Terra



Eu devia ter uns oito, dez anos e estava jantando com meus pais num restaurante alemão perto de casa. Era um restaurante que íamos sempre e que ainda existe, perto do Shopping Ibirapuera.

Engraçado que minha memória não inclui meu irmão, mas é provável que ele estivesse na mesa. Afinal, ele deveria ter uns 14 anos, e certamente estava com a gente. Na verdade, minha memória também não diz nada sobre a minha mãe. Mas, diferente do meu irmão, eu sei que ela estava lá, porque eu jamais sairia para jantar com meu pai sem minha mãe ao lado. Então, na verdade, eu não lembro nem da minha mãe nem do meu irmão, mas eu sei que ela estava lá e acho que ele estava lá.

Porque minha memória daquela noite – que eu gosto de pensar que foi uma sexta-feira – envolve mais meu pai e o senhor negro que passou caminhando atrás de mim. Ele estava indo embora do restaurante com mais duas pessoas mais jovens que ele. Andava devagar, com certa dificuldade.

- Esse cara é um dos maiores ídolos da história do seu time, meu pai disse baixinho.

Eu olhei curioso.

Ele não tinha tamanho de ídolo. Muito menos o porte de um ídolo, andando com os pés arrastados. Mas o seu andar lento pareceu normal para mim. Afinal, ele era velho. Como eu era criança, não soube adivinhar quantos anos ele tinha. Para mim ele era apenas “velho como minha avó”.

Mas o que me chamou a atenção mesmo foi seu tamanho. Ele não era nada grande. Pelo contrário, era pequeno. Pequeno e meio cabeçudo. Além disso, tinha olhos estranhos, meio esbugalhados. No auge da minha sabedoria de oito, dez anos de idade, ele era apenas um velhinho.

- Quem é ele?

- O Leônidas.

Eu arregalei os olhos. Eu já começava a ler sobre futebol nesta época. Numa época onde a internet não era sequer imaginada, eu me virava com edições históricas da Placar e os saudosos Almanaques do Zé Carioca. E lia muito o maior livro sobre futebol que vi na vida: meu pai, um dos poucos sujeitos que admite gostar mais do esporte que do próprio time.

Assim, eu sabia quem era Leônidas. Sabia até o sobrenome dele: da Silva.

Leônidas da Silva. O Diamante Negro.

- O da bicicleta? É ele?

- Ele mesmo.

Olhei de volta. De repente, ele não era mais um velhinho com o andar arrastado. Ele era o cara que havia inventado a bicicleta, o lance que todo garoto que joga futebol sonha em fazer – mas que 99% deles, eu incluso, acabam desistindo e se contentando em acertar um passe de calcanhar.

Olhei de volta e ele estava na porta. Morri de vontade de correr até ele. Talvez hoje, com celulares à mão, eu teria feito isso e pedido para fazer uma foto. Na época tudo o que eu conseguiria seria um autógrafo. Mas, com oito anos de idade, a vergonha de fazer isso foi maior que a vontade. Fiquei quieto, olhando, e me enganando por alguns minutos que “ah, não teria dado tempo, ele já estava indo embora”.

Meu pai passou o resto do jantar contando histórias do Leônidas, provavelmente aprendidas com o pai dele. Contou sobre a Copa de 1938, sobre o gol feito com pé descalço, sobre os títulos que ele ganhou no São Paulo. E senti orgulho do meu time, senti orgulho de um sujeito como ele ter jogado com a camisa que eu já havia aprendido a amar.

Aquela noite eu aprendi que, antes dos heróis do meu pai (leia-se “a geração de Pelé”) existiram outros heróis, com histórias ainda mais românticas que as das Copas de 58, 62 e 70.

Até hoje eu me lembro dessa noite. Foi a noite em que Leônidas da Silva, que hoje completaria 100 anos, deixou de ser um nome nos almanaques de esporte e se tornou quase um amigo para mim, mesmo com décadas nos separando. Contei para todos os meus amigos que tinha visto o sujeito num restaurante, e ficava bravo caso algum deles não soubesse de quem eu estava falando.

Porque, para mim, todos tinha a obrigação de conhecer aquele velho pequenininho que passou atrás de mim.

Porque ele não era um velho pequenininho.

Era um gigante.

3 comentários:

Felipe Goulart disse...

Me sinto assim sempre que cruzo com um craque da geração 62/63 aqui em Santos. É na sala de espera do médico, na padaria, no cinema, por toda cidade sempre encontramos um Pepe, um Zito, Coutinho e por aí vai...

Varotto disse...

Duca!

Pedro Lucas Rocha Cabral de Vasconcellos disse...

Por isso que eu sempre digo que nasci na geracao errada.... Quem me dera!!!