10 de junho de 2013

O Pedófilo Acidental




Vocês conhecem o Museu do Shopping Center?

Eu e a Esposa fomos visitar ontem. Para quem tem mais de 30 anos, é um lugar marcante. Ele representa como seria, hoje, um shopping paulistano dos anos 80. Tapumes escondendo restos de lojas fechadas dividem espaço com outras decadentes que ainda funcionam. Sua praça de alimentação é um exemplo: consegue a proeza de possuir aquela que talvez seja a única loja do Frango Assado que não fica no meio de uma estrada.

Para dar um gostinho ainda mais especial de nostalgia, o Museu do Shopping Center não possui cinemas e sua decoração remete diretamente a 1979. Menos o piso, claro. O lugar está eternamente em reforma, e o piso está, há cinco anos, sendo trocado por um modelo mais moderno, fabricado em 1984.

Vale muito a pena conhecer o Museu do Shopping Center. Fica ali em Moema, e chama-se Shopping Center Ibirapuera.

Enfim, ontem eu estava lá com a Esposa dando uma volta e procurando uma loja menos decadente para passear. Pois quanto mais decadente é um shopping, mais decadentes são suas lojas – claro que isso não envolve a Lojas Americanas (atualmente, a maior loja do Shopping Ibirapuera), já que qualquer unidade dela seria decadente, esteja ela na Quinta Avenida ou em uma feira livre, ao lado da barraca de peixes.

Assim, acabamos entrando na Saraiva – mesmo porque eu não consigo ir a um shopping e sair de lá sem ter colocado os pés em uma livraria. Fizemos o percurso habitual – pockets e quadrinhos para mim, livros de gastronomia para ela – antes de irmos nos aventurar na seção de áudio e vídeo.

Toda vez que vou à Saraiva, eu deixo esta seção para o final, pois é a que eu mais gosto. Na verdade, eu tenho algumas regras a respeito das principais livrarias da cidade. Quer livros? Vá até a Cultura. CDs? Fnac. Precisa de um Blu-ray? Saraiva. Se não achou o que procura seguindo estas regras, passe na Livraria da Vila para tomar um café antes de voltar para casa e comprar na Internet.

Agora, o problema da parte de filmes e shows da Saraiva é que, enquanto o acervo é um dos melhores do país – especialmente na loja do Shopping Paulista – o atendimento é tipicamente saraivano. Existem normalmente dois atendentes: o primeiro fica escondido atrás de uma prateleira; o segundo começou a trabalhar na loja naquele mesmo dia e não sabe a diferença entre Laurence Olivier e Dedé Santana; e o terceiro está sempre atrapalhando os outros dois.

Mas nada é pior que os leitores de preço. Aparentemente, é política da Saraiva ter todos os leitores de preço das lojas quebrados, com exceção de um. Assim, caso você queira saber quanto um produto custa, é preciso começar uma peregrinação pela loja.

Passa no primeiro leitor que encontra e ele não faz nada; caminha em direção ao Norte por cinco minutos até outro leitor e descobre que ele está desligado; marcha por mais três quilômetros em direção ao sudeste para encontrar um leitor que está travado e fadado a mostrar o preço de um CD do Fernando e Sorocaba por toda a eternidade; sai da loja, pega o metrô, faz baldeação na Ana Rosa, desce no Paraíso, vai até a loja do shopping Paulista e descobre que todos os leitores estão fora do sistema; volta para o metrô, faz baldeação, volta para a loja que você estava e, após ouvir as pessoas comentando que “parece que o leitor da seção de infantis está funcionando” corre para lá e descobre que era apenas um boato, aquele também está quebrado.

Aí você tem duas alternativas. A primeira delas é largar o produto em qualquer lugar e procurar uma academia de artes marciais, explicando ao professor que você quer pular o treinamento básico e aprender direto o roundhouse kick antes de ir até a Saraiva mostrar aos leitores de preço quem é que manda aqui, ou resmungar um palavrão e continuar procurando o leitor de preço que funciona.

Porque sempre existe um funcionando. Os leitores de preço da Saraiva são basicamente Highlanders: deve haver apenas um – e que normalmente está sendo usado por um velho que nunca viu aquilo e não sabe como funciona, se tem que digitar alguma senha (e que normalmente está tentando descobrir o preço de uma revista, ignorando o fato de que o valor está impresso na capa).

Ontem foi diferente. Estava fuçando em DVDs com a esposa, contando com a sorte para encontrar alguma coisa boa e barata. E fui bem sucedido quando dei de cara com O Mensageiro do Diabo, que nunca havia sido lançado em DVD no Brasil. Robert Mitchum com as palavras “Love” e “Hate” tatuado nos dedos e aterrorizando duas crianças, num personagem que Clint não pensaria duas vezes antes de encher de tiros. Imediatamente, peguei o DVD e fui procurar o leitor de preço.

Meia hora depois, encontrei um que estava funcionando. Passei o código de barras, ele fez o “bip” e não mostrou o preço. Passei novamente, ele fez o “bip” e não mostrou o preço. Resmunguei um palavrão, mas antes de passar pela terceira vez, fui abordado por uma criança. Ela devia ter uns quatro anos e estava segurando um DVD qualquer. Gritou um “com licença”, e enfiou o DVD no leitor da forma mais errada do mundo. Resmunguei um “passa logo essa merda”, mas não adiantou. Aparentemente, a criança achava que o leitor de preços era um ser vivo e estava tentando alimentá-lo, enfiando o DVD em sua boca.

Assim, me ofereci para ajudar. Não por ser gentil, mas porque sozinha a criança não conseguiria nada.

- Você quer que eu passe para você?

- Quero.

Peguei o DVD e passei. Como havia acontecido comigo, o leitor fez um “bip” e não mostrou preço algum. A criança não pareceu se importar, arrancou o DVD da minha mão e foi embora correndo. Aparentemente, ela queria apenas ouvir o “bip” (talvez o “bip”, no idioma dela, seja “obrigado por me alimentar, agora estou satisfeito e vou dormir um pouco, beijos, leitor de preços”).

Me concentrei no Robert Mitchum, lembrei que a direção do filme é do Charles Laughton e prometi a mim mesmo que eu iria descobrir o quanto o DVD custa. Passei novamente e... Não ouvi nem o “bip”. Tudo o que eu ouvi foi a criança gritando atrás de mim, para a loja inteira:

- Pai, não precisa mais! O moço já comprou para mim!

Gelei.

Sabem, existe uma grande diferença entre “o moço viu o preço para mim” e “o moço comprou para mim”. “O moço viu o preço para mim” implica em um atendente da loja, uniformizado e devidamente identificado, que gentilmente e sorrindo de forma sincera consultou o preço do garoto que não sabia usar o código de barras, aproveitando e conversando com o menininho sobre o quanto a Galinha Pintadinha é legal.

Já “o moço comprou para mim” tem um significado totalmente diferente. Por trás de todo “o moço comprou para mim” existe um sujeito que usa um sobretudo surrado (sem nada por baixo), chapéu e botas encardidas, e fica escondido em cantos escuros e lamacentos, aliciando crianças com doces e brinquedos em troca de favores normalmente da ordem sexual. Quando ninguém está olhando, ele fica gemendo e resmungando baixinho, além de dar risadinhas sórdidas e imundas.

E, de repente, sem mais nem menos, eu havia me tornado um “o moço comprou para mim” ali, em público, no meio da livraria.

Virei para a Esposa em pânico.

- Eu não comprei nada! Esse moleque enlouqueceu?

A Esposa, claro, não conseguia parar de rir. Eu insisti:

- Vamos embora. Isso pode dar merda.

Ela riu mais alto. Eu olhei para trás, esperando ver a família inteira do garoto – incluindo o tio, campeão mundial de jiu-jitsu – correndo na minha direção para tomar satisfações. Mas tudo o que eu vi foi o garoto correndo para longe, gritando que “o moço comprou para mim, o moço comprou para mim!”. A Esposa ameaçou pegar o DVD.

- Mas e o filme?

- Esquece o filme! O filme é sobre um cara que persegue duas crianças! Se me acharem com isso na mão, vão achar que eu quero assistir isso aqui para me aprimorar, como se um fosse um vídeo de treinamento! Vamos embora!

Larguei o DVD em qualquer canto e comecei a sair da loja. Com um olho, procurava a família da criança (e dei graças a Deus que a Saraiva não vende armas) e, com o outro, observava meu futuro.

Me vi sendo condenado a vinte anos de prisão, jogado a uma cela junto com o Adebisi (você assistiu Oz? Caso não tenha assistido, o Adebisi é um sujeito que quando sai da cela, até os espectadores correm do sofá e ficam de costas para uma parede torcendo para que o Adebisi não repare neles, já que o sujeito não consegue passar mais de meia hora sem estuprar alguma pessoa, móvel ou objeto).

Ao sair da prisão, eu não apenas não conseguiria me sentar nunca mais na minha vida, como teria que informar a todos os meus vizinhos que “olhe, estou me mudando aqui para a vizinhança e sou obrigado a lhe avisar que sou pedófilo, mas eu juro que sou inocente, só me ofereci para me ajudar o moleque a ver o preço do DVD” e as pessoas virariam a cara para mim na rua e sairiam do supermercado sempre que me vissem lá dentro. E sempre que alguma coisa acontecesse na rua – a morte do gato da vizinha, a lâmpada do poste que queimou – eu seria o primeiro a ser levado para a delegacia e interrogado.

Graças a Deus, antes que isso tudo acontecesse encontrei a porta da loja e saí para o corredor. Mas eu não estava livre. Pelo contrário, ao sair da loja dei de cara com quem?

Com o moleque.

Aliás, minto. Não dei de cara com o moleque, dei de cara com o moleque e toda sua família.

Puxando a Esposa pela mão, cobri o rosto com a outra mão e corri para o outro lado, já ouvindo as sirenes e os helicópteros de polícia dentro do meu cérebro, e imaginando como eu iria entregar meus trabalhos quando a SWAT invadisse minha casa de madrugada querendo confiscar o HD do meu computador.

Disfarçadamente, olhei para o garoto e ele estava me encarando.

Fiz meu melhor olhar de “se você abrir a boca eu faço você comer esse DVD da Galinha Pintadinha com pena e tudo” e me afastei, indo me refugiar num café.

Hoje olhei todas as páginas policiais dos principais sites e não vi nada. Na dúvida, estou pensando em fazer a barba e comprar uma peruca. E não vou colocar os pés naquela Saraiva até o final do ano.

Em tempo: quando voltamos para casa, eu, já em segurança, fui consultar o preço do DVD. R$ 39,90. Mais caro que um Blu-ray.

Ô fase.

13 comentários:

Ana Savini disse...

HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA
Ainda chorando de rir... :')

Rob Gordon disse...

Ana:

Você viu de perto. Maldito moleque!

Beijos

Rob

Unknown disse...

Bom demais.

Rob Gordon disse...

Ricardo:

Valeu!

Abraços,

Rob

Unknown disse...

Por favor por favor por favor COMPRE uma peruca e faça a barba! Preciso ver isso!

Lu disse...

hahahaha se fosse nos EUA, não precisava nem pensar duas vezes a compra dessa peruca!

K.P. disse...

Rob, tava eu me lamentando pra Fabby pelo Facebook sobre quase ter decepado o dedo na aula hoje, falando que tô com dor, que a vida é uma merda e ela manda:

"- Já leu o Pedófilo Acidental do Rob hoje?"
"- Ainda não."
"- Depois lê. Alivia um pouco a dor."

Hahaha! E não é que é verdade? ;)

Fernanda disse...

O menino te viu, mas não te reconheceu, aposto. Pq criança sem noção desse jeito grita, aponta e mesmo alí na saída com a família inteira, ela ia gritar "OLHA, É AQUELE MOÇO ALÍ QUE DISSE QUE IA COMPRAR TODOS OS DVD'S QUE EU QUISESSE". Pq sim, esse tipo de criança é louca, mentirosa... é o pacote completo!

Logo, você pode ver que você teve sorte!

Rafiki Papio disse...

É por essas e outras que eu fico longe de crianças. Não fale com crianças, não é seguro.

Varotto disse...

Miserável! Como você pôde?! Uma criança inocente e você comprou um DVD?! Você me dá nojo!

P.S.: "Existem normalmente dois atendentes..." - Não seriam três (já que esse é o número de energúmenos que você descreve)?

Michele disse...

LOL

fazia tempo q n conseguia comentar aqui. eu ri mt com o texto, criança é bem assim mesmo. mas ó, no sta cruz tbm tem um frango assado... beijo!

Sil disse...

Estou chorando aqui...de tanto rir.

E para explicar para o meu marido esse ataque de riso?

Por via das dúvidas, mude de shopping.

Unknown disse...

Eai Rob, me chamo Railton tenho 20 anos, e cara só queria dizer que acompanho o Championship Vinyl a algum tempo e gosto muito, você está de parabéns. Foi pelo curioso nome do site que descobrir o High Fidelity do Nick Hornby e estou adorando (estou na metade). Resumindo: você é uma ótima influencia.