Era famoso pela paixão que sentia pelo seu time. Há quem
diga que ele não era exatamente uma pessoa apaixonada, mas sim radicalmente
burro. Porém, ele logo respondia que não era culpa sua se os outros não
entendiam de futebol.
Discordava veemente de qualquer opinião contrária à sua,
especialmente quando o seu time era o tema da conversa. Sim, porque só existia
uma torcida de verdade: a do seu time. Torcedores dos outros times não
entendiam de futebol, não acompanhavam o time como ele. Acreditava piamente que
os outros torcedores não amavam o próprio time como ele, pois seu time era o
mais popular, o mais técnico, o mais sofrido, o mais guerreiro, o mais rico, o mais vitorioso. Quando criticavam seu time, era
por inveja.
Para ele, existia somente um time e somente uma torcida. Os
outros times e torcidas eram tentativas menores e incompetentes de competir com
seu time, impávido colosso do esporte nacional. Soltava fogos até em jogo de
aspirantes – mas, quando torcedores dos outros times comemoravam jogos
decisivos com rojões, olhava com desdém e dizia que isso já era certo exagero,
mesmo porque seu time já havia ganhado aquele mesmo campeonato.
A imprensa, coitada, penava na sua mão. Ao noticiar uma
crise no seu clube de coração, era atacada por ele como um órgão corrupto
criado somente para desmoralizar seu time, que conseguia ser maior que a
seleção nacional. Mas, bastava um jogo do seu time ser exibido na televisão
para bradar aos quatro ventos que esta era a prova definitiva de que seu time
era o mais popular, o representante do esporte nacional.
E, nos dias de jogo, se tornava virtualmente insuportável. Quando
seu time ganhava, era a melhor equipe do mundo; quando perdia, foi por acidente
ou azar. Ou por causa dos erros do árbitro, já que todos os juízes perseguiam
seu time numa cruzada pessoal.
Pênalti contra seu time? Roubado. Pênalti a favor do seu
time? É evidente que havia sido pênalti – e o juiz ainda errou ao não expulsar
o adversário infrator. Invariavelmente, seu time era roubado. Ao menos, aos
seus olhos. E, quando um jogador era suspenso, reclamava aos berros que a
federação perseguia seu time – caso fosse um jogador adversário, a suspensão
havia sido justa. Até mesmo branda.
Reclamava até mesmo das partidas em que o time havia sido
vencedor. O juiz não deixou o time jogar, o outro time foi desleal quando percebeu
que seria derrotado, ou a torcida adversária não soube se comportar. Pois, se a
partida fosse honesta, seu time teria goleado o adversário. Pois, em qualquer
partida honesta, seu time golearia qualquer adversário. Mesmo jogando com a
equipe reserva.
Chegava até mesmo a brigar por causa de patrocínios dos
clubes. O patrocinador do seu clube era sempre o melhor, o mais envolvido com
esporte, o mais milionário. E contava para quem quisesse ouvir – quase ninguém,
na verdade – que os patrocínios dos outros times eram pífios, e refletiam
apenas a grandeza do seu próprio clube.
Discutia até mesmo as vitórias dos adversários – apesar de
jurar que nem assistia aos jogos dos outros times. Bastava um rival ser campeão
para ele desvalorizar o time vencedor, dizendo que seu time já havia vencido
este campeonato anos antes – e, numa situação inversa, caso alguém usasse este
argumento com ele, dizia apenas que não vivia de passado, que o que importa é o
campeonato atual, e que o campeão era o seu time, e imediatamente começava a
relembrar aquele jogo em que seu time, nos anos 40, goleou o adversário e que a
torcida do outro não tem nada para celebrar.
Vivia assim, acreditando que seu time era uma instituição superior
a qualquer outra. Seu estádio comportava 281 torcedores a mais que o estádio do
rival; um antigo presidente da empresa que patrocina o rival fora condenado por
corrupção 76 anos atrás; seu time tinha mais títulos que o rival nos principais
campeonatos – mesmo porque os campeonatos que os rivais haviam vencido mais,
alguns internacionais, inclusive, não valiam nada. E os jogadores do seu time
eram mais técnicos, mais guerreiros, mais esclarecidos e humildes.
E ai de quem reclamasse do seu comportamento. Começava a
esbravejar, argumentando que a pessoa não entendia de futebol, não gostava do
próprio time como ele, não queria encarar os fatos de que seu time era superior
a tudo. Por isso, perdeu os amigos.
Ninguém mais conversava sobre futebol com ele – e ele jurava
que este ódio era somente por causa da superioridade do seu time. Mas acabou
precisando arrumar outro assunto para voltar a conversar com os amigos e, quase
por acidente, começou a se interessar por política.
E acabou se identificando com um partido qualquer.
Semanas depois, estava esbravejando com os amigos, afirmando
que o deputado do seu partido que fora preso por corrupção havia sido
injustiçado e massacrado por um complô da imprensa, que o certo era prender o
deputado do outro partido, que todo mundo sabe que rouba, que sempre roubou,
que sempre vai roubar. E acusando os amigos de serem totalmente alienados por acharem
que alguém dentro do seu partido poderia roubar e que o outro partido poderia
ter alguém honesto e comprometido.
E xingando a todos de ingênuos por acreditarem que a foto que
saiu em todos os jornais mostrando o presidente do seu partido recebendo uma
mala de dinheiro era verdade, e não uma montagem fotográfica barata, fruto de
um golpe arquitetado por milionários e jornalistas para derrubar seu partido, o
mais correto, o mais honesto.
Era famoso pela paixão que sentia pelo seu time. Há quem
diga que ele não era exatamente uma pessoa apaixonada, mas radicalmente burro.
Mas ele logo respondia que não era culpa sua se os outros não entendiam de política.
8 comentários:
E não é que eu identifiquei um pouco os torcedores do "meu" time neste texto? =P
A culpa não era do futebol e sim do cara que não sabe respeitar o pensamento diferente, embora o texto (muito bom como sempre) tenha me dado a impressão que tenha se inspirado em um torcedor do corinthians, em vários momentos percebo que existem torcedores assim em todos os lugares. Alguns lugares são mais outro menos.
Elise:
Eu também me identifiquei um pouco com os torcedores do meu time. E, se eu tivesse um partido, me identificaria também.
Beijos,
Rob
Alan (FFC):
Como você disse, existem torcedores assim em todos os lugares - e isso inclui o Corinthians. Infelizmente, o texto vale para qualquer time e qualquer partido.
Abraços!
Rob
Diria o mesmo de novos crentes, aqueles que encontraram jesus na nova igreja.
Claro que existem pessoas assim com futebol, política, religião, até no que diz respeito a programas de tv, mas isso me parece com a necessidade que as pessoas têm de se agarrar a algo, a uma certeza, ou verdade absoluta, que não pode nunca ser questionada, o que dirá abalada... Parabéns, é um texto para refletir e quem sabe abrir uma porta para as dúvidas, que sempre nos fazem bem!
Radicalmente burro deveria ser considerado redundância.
Achei que ele tem mais a cara do chronicles que do champ.. Anyway, bela crítica aos extremismos!
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