24 de setembro de 2012

Manhã dos Mortos


- Bom dia.

- Rrrrrrrrrrr....

- Por que você está parado na sala?

- Ugh?

- Você está bem? Você está mancando!

- Uuggghhhh...

- O que você tem?

- Rarw!

- Cuidado, você está batendo nas cadeiras!

- Raaaaawr!

 Faz quanto tempo que você acordou?

- UUUGHHHH!

- Me largue! O que você quer?

- Ca.... RRRR.... Fé....

- É café?

- Ca.... Fé....

- Você quer um café?

- Ca.... Fé....

- Está aqui. Eu já tinha feito.

- Uuuugh...

- Bebe mais. Isso.

- Ugh?

- Bom dia, Rob.

- Oi, Ana.

20 de setembro de 2012

Um Sonho Possível


Sinceramente?

Sinceramente, em muitos momentos eu achei que não fosse dar certo. Afinal, R$ 15 mil pode ser uma quantia pequena quando se comparada a um sonho, mas está longe de ser pouco dinheiro.

E olhe que todos nós trabalhamos em torno disso durante bastante tempo. Cavamos espaço de divulgação, pedimos aos amigos, fizemos promoções por conta própria. Sempre em nome de um único objetivo. Sempre em nome de um sonho.

Mas claro que todos nós sabíamos que seria difícil. Não apenas pelo montante, mas também pelo pouco tempo disponível.

Eu sabia que seria difícil. Mas nunca pedi a esperança. Nenhum de nós perdeu. As cartas estavam na mesa, era hora de esperar e trabalhar.

A esperança se tornou maior quando a quantia arrecadada chegou aos cinco dígitos. Mas conforme a esperança crescia, o tempo diminuía.

Foi quando começou a corrida final. Os últimos dias. A última semana.

E aí eu vi um fenômeno acontecer.

Os leitores tomaram a ideia para si e começaram a ajudar como podiam: contribuindo, divulgando, torcendo. Alguns me confessaram que olhavam o site três ou quatro vezes por dia. No Twitter, alguns leitores divulgavam a ação até mesmo mais que nós. Alguns contribuíram financeiramente mais de uma vez.

Foi uma das coisas mais bonitas que eu vi acontecer desde que este blog nasceu.

A ideia não era mais apenas nossa. Era de todos.

E é graças a este enorme “todos” que a ideia vai deixar de ser apenas uma ideia, e vai virar livro.


O álbum com a coletânea do Petisco HQ vai ser produzido!

E, sim, graças a vocês!

Mas é agora que o trabalho começa de verdade. Não há tempo a perder. A corrida, mais uma vez, é contra o relógio. É hora de abrir o Word e começar a...

Não. Nada de abrir o Word agora.

Antes disso, é preciso fazer algo mais importante.

É preciso agradecer vocês.


Pelo carinho, pelo apoio, pela contribuição. Por comprarem um sonho que era somente nosso e agora é de todos nós. Pela ajuda, pela divulgação, pela torcida. Por fazerem Terapia chegar ao papel pela primeira vez, com a companhia das outras histórias do Petisco.

Vocês, leitores... Leitores do Champ que se tornaram leitores de Terapia; leitores de Terapia que se tornaram leitores do Champ... Vocês são impressionantes.

E isso é algo que não tem preço – ou texto que pague.





Agora sim. Agora é hora de começar a trabalhar.

É hora de abrir o Word e pensar em uma história nova. Totalmente diferente, mas ligada ao universo de Terapia. Personagens diferentes, situações diferentes, universos diferentes.

Escrevendo, desta vez, para o papel. Outra experiência nova será escrever para páginas em preto e branco – o que aposto que vai possibilitar muita coisa nova, visualmente falando. Coisas muito boas.

Agora é hora de escrever. Conforme as coisas forem caminhando, posso soltar uma ou outra dica sobre a história, o tema, os personagens. Mas não prometo isso.

O que eu prometo é que nós vamos entregar a melhor história possível. Por que é o mínimo que vocês merecem.

Muito obrigado!


PS: Neste post aqui, eu avisei que sortearia cinco páginas originais do roteiro de Terapia autografadas entre os leitores que comentaram ali.

Mudei de ideia.

Não haverá mais sorteio. Todos os leitores que comentaram ali, informando terem contribuído para o projeto, ganharão uma página. Isso inclui um grande amigo que foi um dos primeiros a contribuir e que me avisou por mensagem no Twitter, explicando que não comentaria por receio de soar arrogante.

Assim, todos que comentaram ali: favor enviar seus endereços e o roteiro de qual página vocês querem receber para champ.vinyl.blog@gmail.com. Assim que possível, eu encaixo o roteiro desta página em uma única folha (mesmo que tenha que reduzir a fonte) e envio o impresso, em papel de luxo.

Mais uma vez: muito, muito obrigado!

17 de setembro de 2012

Nova Carta Aberta ao Sr. Barata Cichetto


Caro senhor Barata Cichetto:

Vamos por partes aqui.

Em primeiro lugar, eu ainda não respondi seu comentário no meu blog, em resposta à Carta Aberta que publiquei a respeito do seu texto, por pura falta de tempo. Falha minha, admito. Mas confesso que este motivo (a falta de tempo) foi válido somente para um primeiro momento.

Afinal, sua atitude em apagar covardemente seu comentário cerca de três ou quatro horas depois de postá-lo – ignorando o fato de que eu teria acesso ao texto no meu e-mail – não apenas mostrou muito a respeito do seu caráter como, no meu entendimento, automaticamente encerrou a discussão. O fato de eu tê-lo postado em meu blog, por conta própria, não anula isso.

Com seu comentário, eu havia percebido apenas que você se comporta como dono da verdade, ignorando o fato de que qualquer verdade que possua um dono deixa de ser verdade. Em momento algum, você rebate, discorda ou derruba qualquer um dos meus argumentos. Eu apresentei fatos. Datas. Músicas.

Você, não.

Tudo o que você diz é que eu preciso me informar melhor.

Engraçado que você não aponta nenhum erro meu. Não apresenta nenhum dado novo, nenhuma correção, nenhuma informação. Você apenas age seguindo a cartilha do “quem concorda com meus argumentos é iluminado; quem discorda ou rebate é um ser prepotente e que não tem metade dos meus conhecimentos”. E, diga-se de passagem: o final do seu comentário (“passar bem... mal!”) demonstra certa imaturidade.

Mas o que me importa, por enquanto, é que você apagar seu comentário mostra que você é covarde. Covarde a ponto de me atacar dentro do meu próprio blog e voltar atrás. E isso mostrou mais a respeito do seu caráter do que qualquer texto que você escreva.

Mas esta, claro, é a minha opinião. E que, a bem da verdade, nem seria postada visto que 1) o assunto havia se encerrado no momento em que você mostrou sua verdadeira cara e apagou seu comentário; 2) eu mal me recordava de você.

Entretanto, você fez questão de me relembrar de sua existência no momento em que tomei conhecimento de um novo post seu no Whiplash, desta vez sobre os plágios cometidos pelo Led Zeppelin. Curioso, comecei a ler e dei de cara com um enorme parágrafo dedicado à minha pessoa, na introdução do texto.

Antes de tudo, gostaria de esclarecer dois pontos.

O primeiro deles é que você parece ter se ofendido particularmente com a frase “E, como se trata de um texto seu, é claro que também está errado” que usei no meu texto. Você cita esta frase no comentário apagado bem como no parágrafo dedicado a mim. Aparentemente, você entendeu isso como um ataque pessoal a você.

Assim, sou obrigado a demonstrar que não se trata de um ataque pessoal, apelando para números.

Eu uso esta frase a comentar o item oito de seu texto (Elvis Presley). Até então, eu já havia identificado e corrigido pelo menos cinco erros sobre a história do rock no que você escreveu (especificamente nos itens 3, 4 e 5). Contando o erro do oitavo item, são seis erros.

Seis erros em oito itens. A média é bem alta.

Com isso, acho que a minha frase E, como se trata de um texto seu, é claro que também está errado” se torna totalmente justificada. Afinal, você ainda não havia publicado nenhuma informação correta. Todos os seus argumentos, até então, são errados ou distorcidos (que nada mais é que um modo educado de dizer que eles são “errados”).

Em tempo: vale lembrar que você ainda faz o favor de dar razão a mim e à frase ao cometer novo erro (corrigido por mim) no item nove. Grato. Então, se foi um ataque pessoal, ele foi validado por você.

E, nunca é demais lembrar, você não contestou nada do que eu disse. E eu faço questão de ressaltar este fato. Pelo contrário. Sua resposta foi apenas que “eu preciso me informar mais”. É uma resposta pobre e vazia, mas você tem todo o direito de emiti-la.

Contudo, não venha alegar que esta frase foi um ataque pessoal. Não foi. Ela é um ataque ao seu texto pobre e desinformado. Em momento algum ataquei “Barata  Cichetto, a pessoa”, mas sim “Barata  Cichetto, o autor do texto”, mesmo porque nunca tive sequer curiosidade para ir atrás da pessoa Barata  Cichetto, visto que ela me é totalmente desinteressante.

Mas eu voltarei a isso em breve.

Antes, vamos ao segundo ponto.

No momento em que afirmei que iria redigir meu texto como jornalista, apenas deixei claro que não estaria respondendo como fã, usando um discurso inflamado e ofendido. E, veja bem, não estou “me explicando” aqui, mas percebi que é necessário ajudar você a compreender meu texto, algo que você parece ser incapaz de fazer sozinho.

A prova disso é que você construiu todo um discurso me julgando com base na minha profissão, como se eu tivesse me colocado na posição de dono da verdade.

Visivelmente ofendido porque eu desmantelei sua cultura de almanaque – repleta de falhas e anedotas de bastidores – que você deve usar para impressionar pessoas mais jovens em conversas sobre músicas, você partiu simplesmente para ofensas, elaborando uma grandiosa teoria da conspiração na qual eu, o jornalista déspota, preciso me defender de qualquer pessoa que possa tomar “meu status de dominador da opinião pública”, que estou sentado “em cima do meu rabo perfumado em redações de jornais e estúdios de televisão”.

Você ataca a mim, à minha profissão, elaborando todo um discurso – também de almanaque e sem aplicação prática nenhuma – sobre a democratização da informação, as mudanças ocorridas pela Terceira Onda. Tudo muito bonito.

Mas você simplesmente se omite de apontar meus erros.

E isso acontece somente por um motivo: aos seus olhos, meu erro foi mostrar que seu texto é vazio, repleto de informações erradas. Meu erro foi mostrar que seu texto não tem fundamento algum, e pretende causar polêmica apenas para alimentar seu ego.

Não importa se estou certo ou não – e eu estou até o momento em que você mostrar o contrário, algo que você perdeu a chance. Para você, meus argumentos não valem nada. Você se recusa a dar atenção a eles somente por eles contrariarem os seus.

Mais uma vez, bastante maduro.

Com isso, encerramos o segundo ponto e podemos seguir em frente.

Como eu disse acima, a pessoa Barata  Cichetto me é totalmente desinteressante. Na verdade, o texto poderia ser assinado por qualquer outra pessoa que minha resposta teria sido a mesma. Não me importa nenhum dado sobre o a pessoa Barata  Cichetto, salvo aquelas que estão publicadas no texto. O que me importa é o texto em si. Meu problema é com ele, e não com seu autor.

Mesmo porque eu – ao contrário do que você possa imaginar – sou totalmente a favor de que qualquer pessoa tenha o direito de expor sua opinião sobre um assunto. Mesmo que a opinião dela seja uma bosta. Mesmo que esta pessoa se chame Barata  Cichetto.

Agora, chega a ser engraçado uma pessoa que promove toda uma cagação de regra a respeito da liberdade de expressão ataque pessoalmente uma pessoa que simplesmente discorda de seus argumentos. Ou seja, eu havia apontado em alguns momentos que seu texto era contraditório e tendencioso. Mas eu estava errado: o problema não é com seu texto, é com você. Você é contraditório e tendencioso.

E a prova disso é que você defende a democratização da informação, mas se ofende quando alguém discorda da sua opinião. Por mais que eu me esforce, a imagem de um garoto de 14 anos usando uma camiseta que ofende a Rede Globo me vem à mente o tempo todo. Ou seja, seu discurso vale somente para você; jamais para os outros.

Pois seu texto é vazio. Seus argumentos são vazios.

E isso não é um ataque pessoal, é uma mera conclusão.

Ataque pessoal, por outro lado, foi o que você fez ao me chamar de “ameba”, de “idiota”, e usar como argumento textos isolados do meu blog (interpretados de forma totalmente errada, como parece ser um hábito em seu trabalho), ou a descrição do meu perfil – que você certamente não deve ter identificado como a citação de um livro.

Isto sim é um ataque pessoal. Foi o que você fez comigo e foi o que fez ao longo de todo o texto sobre rock, que originou a discussão. Você não sabe agir de outro modo que não seja com análises rasas e tacanhas.

Mas, a partir do momento que você fez isso comigo, eu teria o direito de devolver na mesma moeda. Eu poderia me ofender com o conteúdo da sua mensagem e dar ouvido aos diversos leitores que vieram me mostrar seu trabalho. Ah sim, bastante munição chegou aqui. Eu poderia discorrer aqui sobre seu trabalho com textos e poesia, suas intervenções musicais, sobre sua autobiografia não autorizada, usando termos não elogiosos e tentando construir sua personalidade com base nisso.

Eu poderia fazer isso, pois foi exatamente o que você tentou fazer comigo. Seria fácil de fazer. E, sinceramente, seria divertido de fazer.

Mas eu me recuso a fazer o mesmo, por três motivos. O primeiro é que respeito demais meus leitores para colocar todos eles em contato com o seu trabalho – algo que seria necessário aqui. O segundo motivo é que, independente da qualidade (ou falta dela) em seu trabalho paralelo, seu texto continua tendencioso e sem argumentos – e é isso que me importa.

Por fim, o terceiro e mais importante motivo: isto me dá a chance de colocar em prática algo que aprendi de uns anos para cá:

Jamais se rebaixe ao mesmo nível de um imbecil. Você certamente vai ser derrotado, pois ele tem mais experiência neste campo que você.

Mais uma vez: isto não foi uma ofensa pessoal. Foi uma conclusão natural a respeito da reação que você teve com meu texto.

Assim, encerro a discussão, deixando claro que enquanto o debate manteve-se num bom nível, você perdeu. Desculpe ser tão direto assim, mas quem decretou isso foi você. No momento em que você começou a me ofender, é porque até você percebeu que seus argumentos são ridículos, e passou a lidar com isso da melhor forma que sua maturidade encontrou.

Enquanto a discussão esteve em bom nível, você perdeu para mim. No momento em que ela foi para o esgoto, você perdeu também. Desta vez, para você mesmo, visto que jogou sozinho.

E você continuará jogando sozinho (e perdendo para você mesmo), pois qualquer resposta da sua parte a partir de agora será ignorada, em respeito aos meus leitores, a mim mesmo e ao bom senso.  

E isto não tem absolutamente nada a ver com o fato de eu ser jornalista, de eu ter informações sobre música que você não tem apenas porque não pesquisou, tampouco por eu ter me ofendido com seu texto.

Tem a ver com o fato de você ser você.

Obrigado por me dar razão.

Passar bem,

Adeus.

Rob

Em tempo: gostei bastante do seu artigo sobre Raul Seixas.

14 de setembro de 2012

(Re)Contagem Regressiva


Onde eu estou? Ah, estou no quarto. Acho. É. Deve ser o quarto. Que horas são? Merda de relógio que tem a luz fraca. Preciso saber quanto tempo eu tenho para dormir. Acho que tem um rádio relógio ao lado da Ana. Eu lembro de já ter visto um rádio relógio ali. Por favor, faça com que seja cedo. Eu preciso dormir. Faça com que eu tenha umas dez horas para dormir ainda. Merda, preciso me sentar na cama para ver as horas. Cadê o rádio relógio? Será que o gato derrubou? Ah, está ali. 236. O que é 236? Ah, não. É 2:36. O que é isso? É o tempo que eu tenho para dormir ainda? 2:36 até acordar? É muito pouco. Merda de contagem regressiva. Duas horas de sono. Merda.

Perdi a hora! Não. Espera. Está tudo escuro ainda. Que merda é essa na minha cara? Gato folgado do caralho. Que horas são? Por favor, faça com que a contagem regressiva ainda esteja grande. 2:34. No máximo 2:20. Por favor, eu preciso dormir. Vamos ver. Sai, gato, deixa eu sentar aqui. Merda de rádio relógio que fica se escondendo. 3:17. Como assim, 3:17? Eu ganhei uma hora? Tenho três horas de sono? Eu voltei no tempo? Eu sou foda! Eu voltei no tempo! Vou dormir mais para comemorar. Sai, gato!

Já está clareando? Como assim? Eu não voltei mais no tempo? Cadê o rádio relógio com a contagem regressiva? 6:41? Como assim está clareando? Eu ainda tenho quase sete horas de sono? Eu preciso dormir! Cadê a escuridão? Cadê a noite? Foda-se, tenho quase sete horas de sono. Se eu já dormi umas cinco... Sete mais cinco. Quanto dá isso? Sete e cinco. Porra, quanto dá isso? Bom, sei que é mais que dez. Amanhã eu faço a conta direito. Dez horas de sono! E vou acordar só daqui a sete horas! Foda-se que já está claro, vou dormir feito um louco. Se a Ana abrir essa janela, eu mato ela. Mato ela e mato o gato. Dez horas de sono!

Esqueci de passar um texto! O texto do... Do... Como era o texto mesmo? Eu escrevi aquela merda, será que dá para passar agora? Não, espera, eu ainda estou no quarto. Estou? Cadê a Ana? Isso é chuva? Não, é o chuveiro. Quem ligou o chuveiro? Foi o gato, aposto. Eu vou matar esse bicho. Mas primeiro eu vou dormir. Quanto tempo eu ainda tenho? O que está escrito naquela merda? 8:42? 8:42 o quê? O que é 8:42? É a contagem regressiva? Mas já está claro! Merda de relógio que está errado! Já amanheceu! Merda de contagem regressiva imbecil. Como assim, 8:43? Está aumentando? Espera. Aquilo no relógio é o horário, não é uma contagem regressiva! São quase nove da manhã! Eu não quero saber que horas são, eu quero saber quanto ainda posso dormir! Que tipo de relógio fica mostrando as horas? Filho da puta de relógio injusto. Merda! Vou dormir mais dez minutos. Foda-se. Não quero nem saber. Eu mereço. Dez minutinhos. Os dez melhores minutinhos do mundo. Que delícia. Dez longos minutinhos de sono. Sai, gato! Caralho!

10 de setembro de 2012

Trintesete


“Tudo o que temos de decidir é o que fazer com o tempo que nos é dado.”

(Gandalf, o Cinzento – O Senhor dos Anéis)


Segundos que se tornam minutos que viram horas que somadas viram dias que passam em semanas que se transformam em meses e que por fim passam a ser chamados de anos.

Mais precisamente, 37 deles.

Dizem que quando você é jovem os dias são curtos demais e os anos longos demais; já quando você se torna velho, os dias passam a ser longos demais e os anos, curtos. Ao menos, é o que dizem.

Talvez seja verdade.

Por outro lado, gosto da ideia de pensar que a vida não é formada por anos, dias ou minutos. A vida é formada por momentos. Instantes únicos, cada um deles com seu sabor, seu som, seu cheiro.

Cada um deles com a sua história.

O segredo é transformar cada uma dessas histórias em uma crônica. Em uma história digna de ser narrada. O segredo é fazer com que cada um destes momentos seja inesquecível.

É saber usar, da melhor forma possível, o tempo que nos é dado. 

5 de setembro de 2012

Carta Aberta ao Sr. Barata Cichetto


Caro senhor Barata Cichetto:

Tive a oportunidade de ler seu texto O Suprassumo doSuperestimado: Os 11 Mais (Ou Menos), publicado no portal Whiplash, do qual sou leitor.

Na verdade, eu já havia lido a primeira parte de seu ensaio, abordando o tema, mas com foco na MPB. Confesso que não dei muita atenção por motivo de gosto pessoal. Entretanto, esta nova postagem, que aborda o rock, me chamou a atenção, dado que é meu gênero musical preferido.

Contudo, confesso que li sem dar muita atenção, visto que a maior parte dos argumentos que você utiliza para nomear as onze pessoas mais superestimadas do rock são a) errados; b) burros; c) reflexos do seu gosto pessoal. Contudo, lendo pela segunda e com um pouco mais de calma, concluí que alguém precisava desfazer o enorme desserviço que você prestou.

Assim, quero pedir licença e esclarecer seus erros ou desfazer frases que você coloca como verdade absoluta (mesmo sendo baseadas no seu gosto pessoal ou na sua falta de pesquisa), sobretudo em nome dos fãs mais novos, que estão conhecendo o rock agora e poderiam ser influenciados pelo seu texto imbecil; ou em nome de fãs destes artistas que possam ter se ofendido com suas palavras.

Mas, antes de continuarmos, um aviso: eu não escrevi este texto como fã. Sou fã de alguns artistas citados por você; não gosto de outros. Assino este texto como jornalista, e meu objetivo é desfazer alguns pontos citados por você;

Assim, respeitando a ordem do seu post original, vamos a alguns comentários – e aos demais leitores, peço desculpas antecipadas pelo tamanho desta postagem.

1 – John Lennon
Lennon é considerado um dos maiores nomes – se não o maior – da história do rock, justamente pelo legado que ele construiu com suas composições à época dos Beatles, certamente o auge do seu trabalho. Tudo o que ele fez posteriormente ganhava peso somente graças ao seu trabalho com os Beatles. Assim, para provar que ele é superestimado, é preciso mostrar que suas composições à frente dos Beatles (ou seja, toda a base da fama e respeito que ele conquistou) são, na verdade, ruins.

E você simplesmente ignora isso. Você fala de canções solos de natal, do relacionamento dele com seus filhos, de casacos de pele, de sua riqueza... E só. Você se mantém o tempo todo no campo da fofoca pessoal, sem a coragem de mencionar o trabalho de Lennon durante os anos 60, sabendo que isso vai derrubar todo o seu argumento.

Com tudo isso, você não consegue justificar a inclusão de Lennon na lista. Aliás, tudo o que você consegue é mostrar que seus conhecimentos sobre a história do rock como um todo estão bem além da sua compreensão. Criticar a carreira de John Lennon sem sequer mencionar os Beatles demonstra muita falta de conhecimento. Ou de coragem.

Ou de ambos.

 
2 – Yoko Ono
Não conheço uma pessoa ou veículo de comunicação que valorize o trabalho da Yoko Ono. Suas intervenções artísticas, com seus experimentalismos típicos da avant-garde da época – tanto nas artes plásticas como musicais – nunca receberam atenção, salvo da imprensa especializada (cujas publicações nunca romperam o meio artístico). A prova disso é que, por parte do público, ela continua sendo vista apenas como “ex-mulher de John Lennon”, já que sua carreira nunca decolou.

Na verdade, até hoje eu vi apenas uma pessoa superestimando o trabalho de Yoko Ono: você. Com isso, você não apenas empobrece seus argumentos como comete exatamente o erro do qual acusa as “grandes massas burras”. Parabéns!

 
3 – Ritchie Blackmore
Ritchie Blackmore é um sujeito difícil? Bastante. Dio teve problemas com ele? Muitos. Mas se isso é suficiente para colocá-lo na lista de superestimados, então Tony Iommi – com o qual Dio quase se pegou no tapa durante a mixagem do CD ao vivo Live Evil, em 1982 – deveria estar na lista também. Se a regra vale para um, deve valer para todos. Independente do seu gosto pessoal.

Aqui, entretanto, você demonstra um pouco mais de coragem ao acusar o plágio de Black Night. Entretanto, seus conhecimentos sobre rock, que já se mostraram pequenos, parecem encolher a cada parágrafo.

O Deep Purple (bem como muitas outras bandas de rock da época) tem inúmeros plágios em sua discografia. Isso é errado? Sim. Mas também é errado acusar Ritchie Blackmore de plágio, e, no mesmo texto, apontar como “gênio” o mesmo Jimmy Page que meteu a mão descaradamente em músicas inteiras do blues dos anos 50 – especialmente de Willie Dixon, o que rendeu um processo na justiça (perdido pelo Led Zeppelin, que foi obrigado a creditar Dixon). Novamente, se a regra vale para um, vale para todos. Novamente, independente do seu gosto pessoal.

Mas vamos voltar a Black Night: o riff original não é de Ritchie Blackmore, muito menos dos americanos do Blues Magoos, como você menciona. Originalmente, o riff está presente na versão de “Summertime”, de Rick Nelson, gravada em 1962. Quatro anos depois, a banda The Liverpool’s Five meteu a mão e o utilizou na música “She’s Mine” e, logo em seguida, os Blues Magoos fizeram o mesmo em “(We Ain't Got) Nothing Yet”. Em 1970, Blackmore usou o mesmo riff em Black Night. Ah, em tempo: o Deep Purple assumiu publicamente que o riff não havia sido composto por eles.

Então, pesquise um pouco mais antes de pensar em publicar um novo texto.

 
4- David Coverdale
Numa lista com onze músicos superestimados, temos aqui o segundo integrante do Deep Purple. Não seria mais fácil economizar verbetes e falar da banda como um todo? Ah, não, porque aí ataques pessoais se tornariam mais difíceis.

Aliás, seu argumento aqui parece ser extremamente pessoal, visto que, colocando de forma simplificada, “David Coverdale não canta nada e está na banda porque é bonito”.

Uma história: Coverdale e Glenn Hughes foram escolhidos para integrar o Deep Purple somente porque Blackmore queria que a banda soasse com um pouco mais de “groove”, fugindo do hard rock tradicional (que, a esta altura, ganhava popularidade com Alice Cooper, Kiss e Aerosmith). Coverdale, que sempre gostou da música negra norte-americana, em especial do blues (como fica claro nos primeiros anos do Whitesnake) foi contratado por este motivo. Se ele era bonito – e deve ser, já que você aponta isso o texto inteiro – e iria atrair o público feminino, melhor ainda para a banda. Agora, achar ele bonito é uma coisa; achar que ele não canta bem somente porque é bonito... Bem, aí é caso de terapia.

Ah, uma correção: a popularização do hard rock nos anos 80 (quando o som migra para “trilha sonora de cigarros”) não aconteceu com o Whitesnake, uma banda inglesa, e sim com os grupos de hair metal norte-americanos de Los Angeles. Novamente: pesquise um pouco mais, antes de publicar coisas que você deve ter lido em fóruns da internet.

 
5 – Ian Gillan
E aqui temos o terceiro membro do Deep Purple. Sabe, acho que você poderia economizar seu tempo – e o do resto do mundo – afirmando que não gosta da banda. Mas, não, você precisa embasar seu gosto pessoal para mostrar que entende de música mais que as outras pessoas.

Certo. Aqui, seu principal argumento é que ele envelheceu e perdeu a voz. Sim, está correto – a prova é que a banda não executa mais Child in Time ao vivo justamente por esse motivo. Agora, com exceção de você, alguém superestima o Ian Gillan dos tempos atuais? Até onde eu sei, ele é respeitadíssimo como vocalista justamente pelo trabalho desenvolvido à frente do Deep Purple, o que lhe conferiu o apelido de “Silver Voice”.

Assim, aqui você trilha o mesmo caminho que já havia feito com John Lennon: você simplesmente ignora o auge da carreira do artista, para chamá-lo de superestimado. Assim fica fácil. É o mesmo que eu falar que Pelé não é o maior jogador da história analisando somente sua carreira no Cosmos.

E uma correção: Bananas não e um disco solo de Ian Gillan, como você deixa a entender. É um disco do Deep Purple.

 
6 – Ozzy Osbourne
A primeira frase do seu texto é: “A não ser os fanáticos, todos os outros seres humanos sabem que Ozzy é um péssimo cantor”.

Certo, então ele não é superestimado, a não ser pelos fanáticos. E por você.

Próximo?


7 – Yes
Novamente, o gosto pessoal. E ele fica claro em uma frase: “Uma banda tecnicamente perfeita, fantástica... Mas extremamente, potencialmente, absolutamente... Chata.” Sabe... Se a banda é “tecnicamente perfeita, fantástica”, ela não é superestimada. Pelo contrário, ela é ótima – e você é o primeiro a admitir isso.

Chega a ser curioso você admitir isso e, logo depois, confessar nunca ter comprado um álbum do grupo. Realmente, mostra um preparo e um profissionalismo invejáveis para se escrever um texto.

Já considerou dar aulas em alguma faculdade de jornalismo?

 
8 – Elvis Presley
Li certa vez, que não existe uma lista de rock que esteja completa sem a presença de Elvis. Aparentemente, você também ouviu isso e decidiu que colocá-lo na lista seria uma ótima estratégia de marketing para chamar ainda mais a atenção.

Na verdade, beira a recalque. Aparentemente, todos os seus argumentos se referem ao fato de que ele se tornou maior que Johnny Cash. Pelo que constatei, você considera Cash o verdadeiro “Rei do Rock”, o grande injustiçado da história, o homem que merecia ser Elvis.

De todos os seus argumentos, este é, de longe, um dos mais pobres. É o mesmo que falar que o time que ganhou do meu não é tudo isso. É pobre e, também, infantil.

E, como se trata de um texto seu, é claro que também está errado.

Sugiro que reescreva seu texto, trocando “Johnny Cash” por “Carl Perkins”. O argumento vai continuar pobre e infantil, mas, ao menos, o texto estará um pouco mais correto no que diz respeito à história do rock.
E isso, para um texto assinado por você, já está de bom tamanho.

 
9 – Kiss
Vou começar desfazendo sua historinha, que é um dos maiores boatos da história do rock.

Reza a lenda que o Kiss havia copiado a maquiagem do Secos & Molhados por conta de uma viagem da banda brasileira ao México. Bem, esta viagem aconteceu em março de 1974, sendo que o primeiro álbum do Kiss foi lançado em 18 de fevereiro de 1974. E, para não ficar qualquer dúvida, o Kiss começa a usar maquiagem já em 1972, quando se apresentavam com o nome de Wicked Lester – a influência deles para isso foi o New York Dolls.

E o momento em que você abre seu argumento com um boato, mostra o quanto você pesquisou. Posso fazer uma sugestão? Que tal um texto falando sobre como Paul McCartney é um músico superestimado porque ele morreu num acidente de moto, sendo substituído por um sósia?

 
10 – Robert Plant
Novamente, o gosto pessoal.

Como você já havia citado ao falar sobre Yes, você não gosta de músicos que cantam usando falsete. É um direito seu. Mas, daí a falar que “é ruim porque não gosto”, demonstra mais uma vez sua imaturidade ao falar de música – e desta vez é música como um todo, visto que esta técnica não é típica das bandas progressivas, mas do barroco.

Fora que aqui você ainda consegue novamente apresentar problemas com o fato de a pessoa ser bonita. Sério, você deveria conversar com alguém sobre isso. De verdade.

Vou dar duas dicas: quer ouvir Led Zeppelin sem Robert Plant? Compre os discos do Yardbirds. Todo o embrião da sonoridade do Led está ali, e os vocais não são em falsete. E, por fim: você tem problemas com vocalistas bonitos e que usam falsete? Compre os CDs do Motörhead.

 
11 – Roger Waters
Mais uma vez, você aparenta ter problemas em separar a pessoa do artista.

Sim, Roger Waters é uma das pessoas mais megalomaníacas do meio musical. Egocêntrico, egoísta e todos os outros “egos” que você quiser. Isso não diminui em nada o valor de suas composições. Continuam geniais. Assim, se você quiser falar que ele é superestimado, fale sobre a música, ao invés de argumentar usando meia dúzia de histórias de bastidores, simplesmente para mostrar que as conhece.

E você é extremamente contraditório, ao apontar que ele “criou um álbum totalmente genial, The Wall”. Ou seja, você reconhece a genialidade da pessoa quando lhe convém, mas, logo em seguida, aponta que as pessoas que assistem aos shows atuais deste compositor genial como “uma massa de carne moída que paga fortunas pelas suas apresentações”.

Mais uma vez, me cheira a recalque. Aparentemente, você é fã do Pink Floyd e não suportou a separação do grupo, precisando escolher um culpado para a sua frustração infantil. Mais ou menos como o fã de Pantera que, sem suportar o final da banda, elegeu Dimebag Darrell como grande vilão do rompimento, assassinando o guitarrista durante o show com três tiros na cabeça. A única diferença entre você e este sujeito e que ele tinha uma arma e você tem um texto burro.

Com tudo isto colocado em pratos limpos, gostaria de encerrar comentando a abertura do seu texto.

Ela é prepotente. Ela é prepotente como todo o seu texto.

Ela é prepotente no momento em que você comenta que o texto não alcançou a polêmica que você imaginava porque “existe mais gente com percepção clara da realidade e com bom gosto”, ou que “tem muito mais gente alienada e massificada que sequer dispõe a ler algo que ‘fala mal’ de seus ídolos”. Em momento algum, você considera a hipótese de que talvez seu texto tenha sido uma bosta.

Talvez você seja prepotente a ponto de superestimar seu próprio texto. Talvez você seja prepotente a ponto de superestimar a você mesmo.

Deixe-me explicar uma coisa a você. Saber diferenciar os conceitos de “o que é bom” e “o que eu gosto” é a maior prova de maturidade no que diz respeito a gostar de música. E seus argumentos (basicamente, o “é ruim porque eu não gosto” é imaturo, como superestima a sua própria opinião que se mostra falha e tacanha em todo o texto).

E você ainda tem o destempero de dizer que não quer causar polêmica, alegando que “Não causo polêmicas, sou a própria”. Desculpe, isso é argumento de um menino imberbe que, ao invés de acrescentar algo, pretende chamar a atenção com opiniões que fogem do lugar comum.

Não, senhor Barata Cichetto, você não é a polêmica.

Você é a desinformação. Você é a opinião sem conteúdo. Você é o gosto pessoal travestido de cagação de regra, como se gosto pessoal fosse algo justificável. Você é o texto raso e ofensivo, escrito para chamar a atenção. Você é muitas coisas. Mas você não é a polêmica. E pensar o contrário seria superestimar você.

Sinto muito.

Sem mais,

Rob Gordon.

**********


Update: Hoje (06/09) pela manhã, vi que o senhor Barata Cichetto havia comentado o post, com dois comentários idênticos – provavelmente a cópia foi um acidente. Alguns leitores leram suas mensagens e responderam diretamente a eles, nos comentários do texto.

Para minha surpresa, algumas horas depois – antes que eu pudesse responder aos comentários – vi que suas duas mensagens haviam sido apagadas pelo autor, por motivos que desconheço.

Assim, tomo a liberdade de postar abaixo o conteúdo do comentário original, que está arquivado em meu e-mail. Segue:


Cheguei ao seu texto através de um alerta do Google. Claro que não vou me dar ao trabalho de responder a você, Sr. JORNALISTA. Apenas digo o seguinte: "E, como se trata de um texto seu, é claro que também está errado." E acho que quem tem que se informar melhor é você. Passar bem.. Mal!


Estou publicando este comentário por alguns motivos, que seguem abaixo:

Caso ele tenha se arrependido do que escreveu, deveria ter pensado antes de publicar. O mesmo vale para o seu texto original.

Além disso, em respeito aos (muitos) leitores que acompanham as discussões nos comentários, não deixarei todas as repostas enviadas ao senhor Barata Cichetto sem sentido. Assim, com a reprodução de sua mensagem (e os comentários apagados que permanecerão ali, num caso inédito no blog), os leitores sabem quais comentários são respostas a ele, enviadas por leitores que leram o comentário antes que ele fosse apagado.

Por fim: assim que possível responderei a todos os comentários dos leitores, como sempre. E na ordem em que eles foram postados, como sempre. E isto incluirá o comentário apagado.

4 de setembro de 2012

Terapia: Sobre Entrevistas e Doações


O que eu faço hoje?

Muita coisa. Escrevo nos dois blogs e faço textos de todos os tipos e formatos para os frilas que caem no meu colo. Mas não é segredo para ninguém que, hoje em dia, poucas coisas me trazem tão orgulho quando escrever a HQ Terapia, junto com o Mario Cau e a Marina Kurcis.

E este orgulho não vem somente pelos elogios dos leitores, ou por termos recebido um HQMix. Claro que isso – bem como o fato de escrever uma história em quadrinhos – conta muito, mas tem algo ainda mais importante: o formato. Porque, se dois ou três anos atrás alguém me falasse que eu escreveria uma HQ, eu responderia apenas que “é impossível, eu não sei escrever isso, eu nunca escrevi algo assim.”

Aparentemente, deu certo: hoje, já são 60 páginas publicadas. E meu orgulho vem disso: assim como na maior parte das coisas da minha vida, eu não aprendi porque me ensinaram, eu aprendi fazendo. Isso vale para jornalismo, publicidade, escritor... E roteirista de quadrinhos.

Assim, eu queria convidá-los a saber um pouco mais sobre isso, lendo esta entrevista que respondi para o blog do Thiago Cardim, companheiro de longa data. Lá, eu falo sobre o prêmio, sobre como eu vejo os quadrinhos na internet e, mais importante, sobre as possibilidades de Terapia ser publicado em papel.

Aliás, já que estamos falando sobre Terapia: o projeto de publicarmos um álbum coletânea do Petisco, com uma história inédita de cada uma das HQs publicadas no site continua rolando. Se você quer saber mais sobre o assunto, eu falo sobre isso na entrevista, mas também já fiz um post especial sobre isso aqui.

E se você quiser ajudar a faze este álbum virar realidade – e concorrer a diversos brindes (e uma página do roteiro autografada por mim, caso o projeto alcance a quantia necessária), basta clicar aqui!


 Aviso: Para concorrer à página do roteiro autografada, além de doar é preciso que você se identifique nos comentários deste post aqui – não é preciso dizer a quantia doada – pois o sorteio será feito com base naqueles comentários.

2 de setembro de 2012

O Dia em que o Besta-Fera Fugiu


Eu não lembro direito como foi.

Porque aconteceu tudo agora de manhã, mas parece que faz anos. Ou, melhor dizendo, parece que foi em outra vida, com outra pessoa. Não comigo.

Pensando agora nas últimas horas, parece que foi outra pessoa, e não eu, quem acordou com o celular da Esposa tocando. Os primeiros momentos são extremamente confusos para mim. Lembro-me dela me dizer que era meu irmão, falando que o Besta-Fera tinha sumido, que havia escapado por um buraco no muro da casa dos meus pais que está em reforma; que estavam andando de carro pelo bairro inteiro atrás dele e nada dele aparecer.

Eu não lembro em qual das frases eu estava fora da cama colocando a roupa. E não lembro quanto tempo demorou até sairmos de casa. Podem ser três minutos, pode ser quase meia hora. Não faço ideia. Sei que foi tempo suficiente para eu sentir um medo que, por mais que eu tente, não consigo descrever em palavras. E foi tempo suficiente para eu experimentar uma sensação de impotência que eu não sabia que era possível.

No caminho até a casa dos meus pais, a Esposa tentou ser prática. Disse que como ele é um cachorro de raça, talvez estivesse com alguém. Que teríamos que fazer cartazes para espalhar pelo bairro, que talvez alguém tivesse visto, que a cachorra de não sei quem demorou quinze dias para ser encontrada. E eu só consegui pensar que eu não aguentaria sentir tudo o que eu estava sentindo nem por mais nem alguns minutos, quanto mais quinze dias.

Porque eu não sabia ao certo o que eu estava sentindo. Porque nessas horas você não consegue ser racional. Eu me culpava desesperadamente, não pelo Besta-Fera ter desaparecido, mas por não saber o que estava acontecendo com ele naquele momento.

Naquele momento, ele poderia estar em qualquer lugar. Poderia estar acontecendo qualquer coisa com ele. Ele poderia estar machucado, com medo, assustado, sangrando. E eu não estava ali, protegendo ele, como protegi a vida inteira, desde que ele entrou na minha casa, com três meses de idade. E eu não queria ser prático, eu não queria fazer cartazes, estratégias, nada. Eu queria meu cachorro. Eu daria tudo para ter meu cachorro de volta.

Por isso que entrei na casa dos meus pais e fui direto para o quintal. Tentei passar pelo vão do muro para a casa do vizinho. Não consegui, então voltei para a rua e entrei na casa do vizinho, que também está em reforma. Perguntei aos pedreiros sem ouvir as respostas. Andei pela casa inteira esperando que assim que eu entrasse em um dos aposentos, eu o encontraria num cantinho, e tudo acabaria. Tudo teria sido um sonho ruim, um susto. Ele não havia desaparecido. Eu que havia reagido de forma exagerada.

Mas nada dele aparecer. Foi quando eu entendi, de verdade, que não era uma brincadeira, ou exagero da minha parte. Meu cachorro havia desaparecido.

Não me lembro de quando saí da casa do vizinho e ganhei a rua. Sem olhar para trás nem para frente, somente para os lados. Às vezes, olhando para o asfalto infantilmente, tentando encontrar pegadas dele. A casa não está em reforma? Então deve ter cimento nas patas dele. Tentei adivinhar qual caminho ele teria feito, me agarrando na esperança de que eu o conheço melhor do que qualquer outra pessoa.

E nada, nem cachorro, nem pegada. Nem sinal dele.

Enquanto isso, ele continuava deitado do meu lado na cama, quando eu era solteiro, dormindo com a cabeça nas minhas costas a noite inteira. Enquanto isso, ele estava andando pelo encosto do sofá, lambendo a minha cabeça. Enquanto isso, ele continuava praticamente se atirando na minha direção de tanta alegria quando eu entrava em casa. Enquanto isso, ele continuava sentado ao meu lado, no chão da sala, ouvindo pacientemente eu conversar sobre a minha vida com ele.

Tudo isso dentro da minha memória. A casa passo, uma memória nova e nem sinal dele. E eu não queria memórias, eu não queria me lembrar de nada.

Eu só queria meu cachorro de volta.

Talvez tenha sido por isso que eu comecei a perguntar para as pessoas na rua. Ninguém havia visto nada. E talvez seja por isso que eu comecei a chamá-lo pela rua, mesmo sem saber se ele podia me ouvir. No começo, num volume que ele só ouviria se estivesse ao meu lado. Porque eu queria acreditar que, caso ele não aparecesse, era porque não me ouviu, e bastava eu falar mais alto. Eu não queria lidar com a ideia de que ele não estava perto. Ou melhor, com a ideia de que eu não fazia menor ideia de onde ele estava. Ou de como ele estava.

Assim, eu o chamava baixinho na rua. Mas, em meio ao turbilhão de memórias, uma saltou à minha mente: a primeira vez que eu o levei para passear. Ele ainda era filhote, havia acabado de tomar as vacinas. Comprei sua coleira e fomos para a calçada. E ele, criado dentro de um apartamento, congelou ao ver o mundo enorme lá fora. Congelou, tremia de medo e de susto. Depois se acalmou e começou a ganhar confiança.

Mas a lembrança dele com medo, se sentindo totalmente desprotegido e indefeso na rua, fez com que eu começasse a chamar por ele cada vez mais alto. Quase gritando. Porque a memória dele com medo me deixava apavorado. E a ideia de nunca saber o que aconteceu com ele me deixava totalmente em pânico.

Neste meio tempo, meu telefone tocou. Era a Esposa, ainda na casa dos meus pais, querendo saber onde eu estava e que iria me buscar. Eu disse que estava voltando para casa e desliguei. Mas eu não queria voltar. Voltar seria desistir de procurar. E desistir de procurar seria assumir para mim mesmo que ele havia se perdido para sempre, que eu nunca mais o veria. E eu preferia passar o resto da vida gritando o nome dele pelas ruas do bairro do que me conformar com tudo isso. Porque eu não teria força para me conformar com isso de forma nenhuma.

Andei mais umas quadras quando meu telefone tocou de novo. Era o meu irmão, dizendo que parece que encontraram e eu tive vontade de sentar no meio da rua e chorar. Mas não chorei porque eu queria ouvir tudo, e escutei cada sílaba.

Escutei meu irmão falando que uma mulher que tem outros dois cachorros da mesma raça encontrou um cachorro perdido perto da padaria, que levou para casa com medo dele ser atropelado, que deixou o telefone dela na padaria, e que agora ela estava na academia e voltaria só depois de uma hora.

Ainda não sei ao certo como este telefone caiu nas mãos dos meus pais, da Esposa, do meu irmão. Parece que minha mãe perguntou na padaria. Não sei. Sei que foi a hora mais longa da minha vida, porque a esta altura tudo o que eu queria era poder ver o cachorro, ver que era ele, ver que ele estava bem.

Todo mundo passou uma hora me falando que “é claro que é ele, é coincidência demais para ser outro cachorro” e eu mal ouvia. Pensando logicamente, era evidente que era o meu cachorro. Mas eu mal ouvia as pessoas falando ao meu lado.

Na verdade, acho que eu estava com medo demais para ouvir, ou concordar. Medo de chegar lá e descobrir que não era ele. Medo de me agarrar a um fiapo de esperança somente para ver ela se romper de verdade. Medo de nunca mais ver meu cachorro na vida.

Nunca uma hora demorou tanto para passar. E, quando o telefone tocou, corremos até lá. Ela estava esperando na porta, contou toda a história. Não consigo me lembrar do rosto dela, somente do nome: Renata. Não consigo me lembrar da história que ela me contou, somente que ela havia dado água para ele. Não consigo me lembrar de entrar no apartamento dela, lembro apenas que o marido e mãe dela estavam ali, e a televisão era grande e estava ligada.

E me lembro de ajoelhar e abraçar o meu cachorro.

Sem saber o que falar, sem saber como agradecer, sem saber direito quem era eu. Tudo o que eu sabia é que ele era ele. E que ele estava bem.

Levamos o Besta-Fera para casa, demos água. Ele andou pela casa, correu, brincou. E eu ali, ainda em choque, tentando entender o que havia acontecido. Talvez sem conseguir imaginar o tamanho da tristeza que eu estaria sentindo agora caso o desfecho fosse outro. Talvez tentando voltar para dentro de mim, pois eu passei as primeiras horas do dia sendo outra pessoa, vivendo outra vida. Morando dentro de um pesadelo.

Minutos depois, quando ele subiu no encosto do sofá da minha mãe e começou a lamber minha cabeça, eu acordei. Acordei com seus olhos me olhando cheios de amor, como eu acordei muitos dias desde que ele entrou na minha vida.

Nessa hora, eu dei graças a Deus por estar acordado.

E por ele estar ali.