Não me lembro ao certo quando comprei minha bota
Timberland. Sei que já faz bastante tempo, coisa de anos. Calculo que faz uns
cinco anos, pelo menos. Talvez sete. E, por mais que eu não a use todos os
dias, ela é bem rodada, tem uma quilometragem alta. Pois tem fases da minha
vida que cismo de matar a saudade e ando com ela o tempo inteiro, para cima e
para baixo.
Mas o que me surpreende mesmo é que ela continua
inteira. Claro, tem uma ou outra mancha, especialmente na parte da frente – nos
dois pés – mas, fora isso, ela está praticamente nova. Vou com ela para shows,
ando pela cidade ou viajo com ela... E ela está sempre ali, firme e forte, agüentando
tudo.
Mas bem que eu queria poder dizer o mesmo sobre os
cadarços.
Em todos estes anos, eu já precisei trocar os
cadarços duas vezes. As botas agüentam o tranco, mas os cordões não. Admito que
os originais até que duraram bastante, mas bem menos que a bota e arrebentou um
dia, na minha mão. Troquei e, pouco tempo depois, o substituto teve o mesmo destino.
Ou seja, o ponto fraco da Timberland são os cadarços.
Se você olhar feio para o cadarço, ele arrebenta. Aposto que, um dia,
arqueólogos ainda descobrirão que o ponto fraco de Aquiles era justamente o calcanhar
porque ele usava botas Timberland e amarrava os cadarços no tornozelo, como a molecada
dos anos 80 fazia com o Kichute.
Bem, voltando à minha bota. Quando o último cadarço
arrebentou, eu pensei em desistir dela. Sem paciência para ficar comprando e cadarços
o tempo inteiro – e colocando os novos, algo que só consigo fazer direito com a
ajuda de dois estagiários, um mapa da bota e uma planilha do Excel listando
todos os furos – fiquei tentado a jogar a bota no fundo do armário e pronto.
Mas resolvi dar uma última chance. Afinal, eu e ela
já havíamos passado muita coisa juntos, seria desumano abandoná-la assim.
Assim, fui a uma loja e pedi pelo cadarço mais forte que eles tivessem e você
tem certeza que esse é o mais forte, olhe, eu não me importo com o preço, tem
certeza de que esse aqui não arrebenta mesmo, não existe nenhum feito de arame,
então vou levar esse mesmo.
Fui até o caixa e paguei.
Voltei para casa, coloquei as botas no colo e
comecei a colocar os cadarços novos.
Três dias depois, terminei.
Meu problema foi resolvido. Faz anos que estou com
esses cadarços, e eles não apresentam o menor sinal de que vão arrebentar um
dia. Estão novinhos. Duraram mais que os originais. E eu estaria bem satisfeito
com eles, se não fosse por um pequeno detalhe:
Eles se recusam a permanecer amarrados por muito
tempo.
Sim, eles são absurdamente resistentes, mas
desamarram o tempo inteiro. Vou até a padaria? Preciso amarrar a bota no meio
do caminho. Volto da padaria? Preciso amarrar a bota. Vou ao cinema? Tenho que
amarrar a bota no caminho, na fila, na fila da pipoca, e no meio do filme, se
cruzar a perna sem tomar cuidado.
Assim, toda a minha existência pode ser dividida em
duas etapas: ou estou amarrando a bota, ou estou esperando pelo momento de
amarrar a bota.
E eu preciso fazer uma confissão aqui: eu detesto
ter que parar para amarrar o cadarço. Não tenho a menor paciência de parar,
ajoelhar, amarrar, levantar – fora que meu joelho é podre, então toda vez que
me abaixo parece que está acontecendo um solo de bateria do Lars Ulrich lá
dentro. Ou seja, além de precisar interromper o que estou fazendo, ainda preciso
ouvir meu próprio corpo jogando na minha cara que estou velho.
Assim, eu fico buscando alternativas. Já pensei em
comprar aquelas fivelas que crianças que não sabem amarrar o tênis usam, mas a
mais adulta que encontrei envolve a Hello Kit. Já tentei ignorar o fato da bota
estar desamarrada, mas chega a ser ridículo: como os cadarços são pretos e têm uns
doze metros, as pessoas começam a me olhar na rua como se eu estivesse
expelindo uma lombriga pelas pernas. Ou seja: ou eu sou visto como um
débil-mental fã de Hello Kit, ou como um alienígena com verminose.
A solução que descobri é amarrar a bota sem
precisar me ajoelhar. Ela desamarra? Sem problemas. Basta eu apoiar o pé em pára-choques
de carros, muretas, banquinhos ou na cabeça de uma criança, e amarrar. Resolvido.
Rob Gordon 1 X 0 Cadarços Filhos da Puta.
Ou não.
Aparentemente, os cadarços se recusam a permanecer
amarrados caso eu não ajoelhe e os amarre direito. Se eu apoio o pé num muro e
amarro, eles desamarram. Se eu apoio num pneu e amarro, eles desamarram. Se eu
resolvo não apoiar em nada e amarro enquanto pulo num pé, só no meio da rua,
ele desamarra logo depois de eu cair de boca no chão – sim, eu já tentei.
Dia desses, porém, acordei invocado com essa
história. E decidi que não ajoelharia sequer uma vez antes de chegar ao
trabalho. Saí de casa, peguei o metrô, fiz baldeação, peguei outro metrô, saí
na rua e comecei a andar. A frase anterior tem 93 caracteres e eu tive que
amarrar o cadarço para cada um deles – e sem ajoelhar. Aposto que se eu contasse
isso ao pessoal do Livro dos Recordes, eles pediriam minha foto, meu nome
completo e iriam me garantir uma chamada de capa na edição 2013.
Porém, já na metade do caminho entre o metrô e o
trabalho, cansei de ter que parar a cada dois metros para amarrar o cadarço. E
o fato de que os dois resolveram desamarrar ao mesmo tempo ajudou a minar minha
determinação. Assim, resmunguei um palavrão e me dei por vencido. Ajoelhei no
meio da rua e comecei a amarrar o pé esquerdo.
Foi quando ouvi comecei a ouvir vozes saindo dos
cadarços.
Cadarço do Pé Direito: Agora, filho de Jor-El... Ajoelhe-se
perante Zod!
Cadarço do Pé Esquerdo: O Filho de Jor-El? Neste planeta?
Rob Gordon: Oi? Filho de quem?
Cadarço do Pé Direito: Super-Homem! Venha até mim! Venha e se
ajoelhe perante Zod, filho de Jor-El!
Cadarço do Pé Esquerdo: VINGANÇA!
Rob Gordon: Olhe, primeiro, eu já estou ajoelhado.
Segundo, eu agradeço esse lance de Super-Homem, é bondade sua. Mas acontece que
o nome do meu pai...
Cadarço do Pé Direito: Eu venci. Eu sempre venço. Não há
ninguém neste planeta capaz de me enfrentar?
Cadarço do Pé Esquerdo: Eu disse a você que este planeta era
patético.
Cadarço do Pé Direito: Quanto mais permanecemos uma atmosfera
com somente um sol amarelo, mais nossa densidade molecular nos confere poderes
infinitos.
Rob Gordon: Cale a boca, cadarço de merda. Eu vou
amarrar você mesmo que tenha que causar uma gangrena no meu pé.
Cadarço do Pé Esquerdo: General Zod não recebe ordens! Ele as
dita!
Rob Gordon: Oi? Zod?
Cadarço do Pé Esquerdo: Dê um passo à frente. Seu general quer
falar com você.
Rob Gordon: Eu não posso dar um passo à frente, eu
estou ajoelh...
Cadarço do Pé Direito: Aceite seu destino, Kal-El. Assim como
seu pai nos condenou, agora nós condenamos seu filho perdido.
Rob Gordon: Olhe, eu só quero que você fique
amarrado por mais de dois minutos! Cadarço desgraçado.
Cadarço do Pé Esquerdo: Ele é um general.
Rob Gordon: Certo. Eu vou tacar fogo em vocês dois
se...
Cadarço do Pé Direito: AJOELHE-SE PERANTE ZOD!
Rob Gordon: Eu já estou ajoelhado!
Cadarço do Pé Direito: Finalmente. Tome minha mão e jure
lealdade eterna a Zod.
Rob Gordon: Oi?
Cadarço do Pé Direito: Jure!
Rob Gordon: Certo. Eu juro lealdade a Zod. Você
pode ficar amarrado agora?
Cadarço do Pé Direito: O filho de Jor-El será meu escravo...
Para sempre!
Rob Gordon: Então, eu jurei lealdade. Agora você não
desamarra. Fechado? Certo? General?
Nem me ouviram.
Estavam comemorando a vitória suprema de Zod, que,
aparentemente, conseguiu escapar da Zona Fantasma e migrou para dentro dos meus
cadarços. É por isso que eles não arrebentaram até hoje, por causa do Sol
amarelo.
A boa notícia é que eu, aparentemente, sou tão
insignificante para eles que os cadarços não desamarram mais. O único problema
é quando eles começam a falar alto, e as pessoas ao meu redor olham para os
meus pés, para mim, e para os meus pés novamente, sem entender direito. E eu, que não sei como começar a explicar que dois criminosos oriundos de um planeta que explodiu estão presos nos meus cadarços, finjo que não é comigo.
Mas às vezes me pergunto sobre o Non. Porque, pelo que
deduzi, o General Zod está no cadarço do meu pé direito; Ursa está no cadarço
do pé esquerdo. Mas o Non ainda não deu as caras.
Meu medo é esse.
Amanhã mesmo vou voltar para a loja que comprei os cadarços.
Querem apostar comigo que, abaixo do letreiro, vai estar o símbolo da LexCorp?
Em tempo: leitores mais atentos certamente vão perceber, mas não custa avisar. Esta é a história que eu contaria no post anterior, caso eu não tivesse interrompido a mim mesmo para falar do álbum de HQs do Petisco. Aliás, o último post é bem importante, caso você ainda não tenha lido.
Em tempo: leitores mais atentos certamente vão perceber, mas não custa avisar. Esta é a história que eu contaria no post anterior, caso eu não tivesse interrompido a mim mesmo para falar do álbum de HQs do Petisco. Aliás, o último post é bem importante, caso você ainda não tenha lido.
16 comentários:
kkkkkkkkk, adorei...tb tinha esse problema. hj dou um laço e um nó no cadarço, não desamarra nem...claro q dá um pouquinho de trabalho na hora de tirar o sapato mas nunca mais tive q parar na rua e me ajoelhar perante ninguém,huahuahuahuahuahua
(Duzentas tentativas depois, consegui ler o post no celular. E ele não morreu ainda!)
Meu coturno tem o mesmo problema. Eu dou DUAS voltas ao redor do cano com o cadarço, depois um nó, um laço e outro nó com o laço. E ele que se atreva a desamarrar...
Mas ó, fique atento. Eu não confiaria 100% no cadarço-general. Vai que ele acorde com a pá-virada...
Fantástico.
Já tentou dar dois laços, um em cima do outro?
Hahahaha putz eu sei como é chato ter que ficar amarrando o cadarço o tempo todo...
Sabe como eu resolvi isso?! Com um pedacinho de velcro preto ou branco (eu tenho dos dois). Eu dobrei e costurei uma das pontas, e passo ele por trás do laço e fecho. Fica discreto e bem preso. :)
Tá vendo? Não sou só eu que acho que você devia dar mais um laço no cadarço. Humpf.
:P
eu sempre dei dois laços nos meus cadarços. hoje em calço o sapato sem precisar sequer desamarrar e ele não desamarra nem com reza brava.
Ana, e o cara nem tentou a coisa dos dois laços? Tem mais é que ficar ajoelhando mesmo...
http://www.ted.com/talks/lang/pt-br/terry_moore_how_to_tie_your_shoes.html
Este vídeo mudou a minha vida. Sempre que tenho a oportunidade, gosto de compartilhá-lo. Nunca mais fui a mesma pessoa quando aprendi a amarrar o cadarço do jeito certo hehehe
Anônimo:
Já tentei o laço + nó. Em alguns tênis isso funciona, mas no Timberland, não. Claro, né?
Abraços!
Rob
Varotto:
Já. No primeiro pé, deu certo. No segundo, quase me enforquei com o cadarço. Resolvi não arriscar mais!
Abraços!
Rob
Fê:
Eu estou pensando em usar pregos. :)
Beijos!
Rob
Ana:
Certo. Você e seus laços especiais que nem um marinheiro consegue dar. :)
Beijos!
Rob
Michele:
Colocar o Timberland sem ele desamarrar? Só com cirurgia.
Beijos!
Rob
Varotto:
Cuidado, xará. (Eu ainda sou o Wolverine.)
Abraços!
Rob
O Lerdo:
Esse vídeo é um achado!
Abraços!
Rob
Eu consegui da seguinte forma: nó + nó + laço + laço com 2 + trançar laço "en-nozado" por entre a lingua do tênis e o cruzado que o cadarço faz. Dura mais de um mês! =D #vitória!!!
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