12 de janeiro de 2012

Ópera do Malandro


Aconteceu mais de dez anos atrás. Logo depois que eu me formei na faculdade, comecei a sair com uma menina que havia conhecido lá dentro – as saídas virariam um pequeno namoro mais para frente, e ela seria uma das grandes responsáveis por eu começar a trabalhar com jornalismo.

O problema é que, ao me formar, eu estava desempregado. Meu maior bem – ou melhor, meu único bem à época – era um diploma que (por sinal, eu não fui buscar até hoje). Ou seja, dependíamos do dinheiro dela, uma pobre estagiária. Éramos dois duros. Então, tudo o que podíamos fazer era pegar um cinema ou tomar um chopp. Vez ou outra, arriscávamos um jantar fora.

Essa história aconteceu logo em uma das primeiras vezes que saímos. Havíamos tomado alguma coisa num bar e estávamos indo para a minha casa, no carro dela. Logo, ela estacionou na esquina da minha rua para eu descer - ali era mais fácil para ela ir embora; caso parasse na frente da minha casa, precisaria dar uma volta inútil no quarteirão.

E estávamos parados há poucos minutos quando ouvi batidas na janela ao meu lado. Olhei na direção do som e dei de cara com um maloqueiro em cima de uma bicicleta.

- Me empresta cinco conto aê.

Fiquei sóbrio na mesma hora. Qualquer pessoa sabe reconhecer um maloqueiro quando dá de cara com um, mas é preciso ser criado na rua para diferenciar os vários tipos de maloqueiro que existem. Aquele era um maloqueiro-assaltante.

Eu já havia sido assaltado uma vez, numa ocasião em que apanhei mais que bife de pensão (Já contei esta história aqui? Qualquer hora eu conto.) e não estava disposto a passar por aquilo de novo. Mas, na primeira vez que eu fui assaltado, estava andando a pé e sozinho. Nesta, eu estava com uma menina e o carro dela. Alguma coisa eu tinha que fazer.

Levantei a gola da camiseta e não vi nenhum colante azul com um “S” vermelho e amarelo sob minha roupa. Ou seja, o plano A estava descartado. E essa nem era a pior notícia; a pior notícia é que eu não tinha um plano B.

Foi quando eu me lembrei de um grupo de moleques mais novos do bairro que achavam que eu e alguns amigos meus eram bandidos. Eles deveriam ter por volta de 14, 15 anos, e sempre que encontravam conosco – cabeludos e com cara de poucos amigos – estávamos bêbados.

Sabe-se lá porque eles cismaram que eu era o mais bandido dos bandidos – um deles, fiquei sabendo depois, jurava que eu andava armado pelo bairro. Mas, para alimentar o mito, sempre que eu os encontrava, disparava a falar com voz de malando. Eu não sei explicar ao certo: o que consigo perceber é que eu falo rápido demais, fazendo bico e usando apenas um lado da boca, arrastando os “erres” e “esses”.

Além disso, eu usava gírias que ficavam guardadas em alguma gaveta empoeirada do meu cérebro, sempre acompanhadas de um “certo?”, que eu usava no final da frase apenas para ganhar tempo antes de pensar no que falar a seguir.

Em suma: se a lenda é mais interessante que a verdade, imprima-se a lenda.

Bom, seguindo o Princípio Máximo da Cachorra Baleia (“não tem tu, vai tu mesmo”), decidi que este seria meu plano B. E era bom que o plano B funcionasse, porque dificilmente eu teria um plano C.

Ao meu lado, a menina estava branca. Soltei um “já volto” e saí do carro.

Curiosamente, o maloqueiro desafiava as leis da Física. Enquanto eu estava dentro do carro, a sensação é de que, em pé, eu bateria no ombro dele. Era uma ilusão de ótica: em pé, de frente a ele, eu mal chegava na altura do seu peito.

Apanhei minha gaveta de gírias de bandido e comecei a fuçar para ver o que tinha lá dentro.

- Certo, mano. Qual sua ideia?

- Empresta cinco conto aê preu arrumar a magrela.

- Porra, broder, tô zerado.

- Pô, cinco conto.

- Seguinte, truta. Eu tô aqui com a brota e tô zerado. Tô bem à pampa de fazer ela, certo?  Só que eu não posso ir pra goma dela por causa do coroa dela. O véio nem me topa. É foda, certo?

- Então, cinco conto e eu dô área.

- Então, irmão, o lance é que tô até sem carteira. Senão eu até levava a brota prum drive pra derramar ela lá, certo? Mas tô derrubado, bróder. Quer um careta?

Estendi o maço de cigarro. Ele pegou um e eu acendi. Acendi um pra mim também. Eu mantive o meu na boca, o que deixou tudo o que eu falava mais enrolado ainda.

- Qual é a idéia dessa bike aí?

- Então, preciso de grana pra arrumá a corrente.

- Bem lôca essa bike, hein? Bem lôca.

- Então, a corrente fudeu. Preciso de cinco conto.

- Porra, bróder, se eu tivesse largava na tua mão fácil, é mó foda fica de pé dois no rolê. Mas não tenho, irmão, certo? Tô só com o RG aqui por causa dos gambé, tá ligado?

- Foda.

- Se não tivesse a brota aqui, a gente saía de rolê e fazia a função nuns playboy. Dava pra catar uns pisante, e vender na boca.

- Tu conhece as boca aqui?

- Porra, irmão, sô local, tá ligado? Tô sempre aqui na boca da quebrada dos mano, certo? Cata mais um careta aê.

Ele pegou e guardou no bolso.

- Mas deixa os ôtro preu fumá depois que eu dé um picote na mina, certo?

Foi aí que me ocorreu que eu poderia comprar o maloqueiro com mais que um cigarro. Enfiei a mão no bolso atrás das moedas que estavam lá.

- Aê, irmão, pega aê! É o que eu tenho, mas com mais um pouco aí tu pode desfudê a bike, certo?

O maloqueiro olhou pra mim, pras moedas e de volta pra mim.

- Desencana, bróder.

- Pega aê, certo?

- Então, deixa levá uma contigo. Eu vim aqui no intuito de fazer a função em você e na mina aê. Mas tô vendo que você é camarada.

- Eu saquei que você colou na função, irmão. Mas levei na buena, porque tu não sabia que eu era da área. Aí te tratei tu com respeito, certo?

(O “te tratei tu” não foi erro de digitação.)

- Tu conhece a ponte ali embaixo da vintetrês ali?

- Porra, só tô ligado. Tô sempre no rolê ali.

- Então, minha goma é ali do lado, numa vilinha. Qualquer coisa que tu precisar, é só colar lá e dar uma ideia cus cara, que eles me ligam a fita.

- Você também, bróder. Tô sempre aqui nas quebrada de Moema, só dá a ideia e tâmo aê. Certo?

- Belezentão. A gente se vê, irmão.

- Falô, malandro. Vai na paz de Deus.

- Você também, truta.

Virou as costas e foi embora com a bicicleta. Eu respirei fundo e entrei no carro. A menina estava branca.

- O que você falou pra ele? Eu não entendi nada do que você disse!

- Depois te conto, vamos embora daqui.

- Mas, sério, você foi muito foda! Ele ia assaltar a gente, não ia?

- Cadê meu cigarro? Preciso de um cigarro.

- Você está tremendo?

- Caralho, vamos embora daqui, puta que pariu! 

33 comentários:

@frank_london disse...

É o tipo de história tensa, mas que passa a ser engraçada com o tempo.

Já passei por situações parecidas umas duas ou três vezes, voltando sozinho pra casa, de madrugada. Mas, por sorte, nunca tive um prejuizo maior do que uns dois 'caretas'.

Bia Nascimento disse...

Obrigada Rob. Meu vocabulario de girias malocas acabou de ficar mais rico. "levar a brota prum drive pra derramar ela", "dava pra catar uns pisante" e "careta" eu desconhecia. E olha que nao falta maloca aqui na minha area!! hauhauahuaa

Ahh! Ficarei no aguardo do post sobre o dia que voce apanhou mais que bife de pensao, certo truta?


Bjs
Bia

Varotto disse...

Cara, se eu fosse você, olhando hoje essa história com esse papo atravessado, só não morria de vergonha porque era matar ou morrer. :o)

Mas, cá entre nós, nunca passou pela sua cabeça de o plano D ser, já algo como, digamos: "Aí, brota, pisa fundo em deixa esse maloqueiro falando sozinho"?

Enfim, aguardamos a epopéia do bife de pensão.

Elise disse...

Eu moro na ZL e não conheço metade das gírias que você usou... mas mandou bem, mano! Os truta do Champ vão ficar na cola até tu liberar a história do bife da pensão, cê tá ligado, né não?

[foi BEM DIFÍCIL escrever essa última oração com as gírias que eu ouço por aqui... =P]

G7 disse...

Como pessoa que freqüentava a mesma sala de aula, atesto que Mr. Gordon usava esse linguajar e, segundos depois, discutia semiótica com uma professora doutora catedrática, e nao fazia feio (embora tambem nao desse para entender mierda nenhuma)

Camila disse...

Oi?

Brincadeira. Entendi boa parte do seu vocabulário "truta" porque já tive alunos que falavam igualzinho.

Mas que ótima saída vc encontrou, hein? Ainda bem que deu certo.

Bruna Colle disse...

muuuuito bom!!!!!

Michele disse...

hahahahaha

na próxima, vou tentar ver se cola isso, hein?

e ow, tu tá ligado que os bróder vão ficar falando nas tuas idéia até tu contar a história do bie, tá ligado?

(sou PÉSSIMA com essas gírias de vida loka)

Anônimo disse...

O cara parecia estar armado? Pq se não era só acelerar e meter o pé rs

Varotto disse...

Mas o queo povo quer saber é, afinal, se você deu ou não deu um picote na mina?

Rob Gordon disse...

@frank_london:

Já me ligaram a ideia de que um careta pode fazer mal, mas ele já foi irmão de salvar minha vida uma pá de vez.

Abraços!

Rob

Rob Gordon disse...

Bia

Na buena, nem rola de soltar um thanks aqui, coisa de Bróder. Depois ligo a fita do bife de pensão, certo?

Beijos

Rob

Rob Gordon disse...

Varotto:

Até rolou essa ideia, mas o possante tava no off, e se o cara estivesse maquinado, o boca ia falar e ia dar merda, certo?

Abraços!

Rob

Rob Gordon disse...

Elise:

Deixa mais uns mano comentá aqui e eu te bato a ideia do bife, certo?

Beijão!

Rob

Rob Gordon disse...

G7:

Muito lôco esse lance de semiótica. Daora.

Abraços

Rob

Rob Gordon disse...

Camila:

Se eu não tivesse dado a ideia pro maluco, a fita ia ser foda.

Beijão!

Rob

Rob Gordon disse...

Bruna Cole:

As história das quebrada das boca dos mano sempre são daora, certo?

Beijos!

Rob

Rob Gordon disse...

Michele:

Relax, certo? O lance da treta do bife de pensão tá no forno aqui, certo? É só í na boca buscá!

Beijos

Rob

Rob Gordon disse...

Anônimo:

Então, quem se cria na rua tá ligado que qualquer um pode tá maquinado, certo? Se ele tivesse um berro ali ia virar história de sangue, certo?


Valeu!

Rob!

Rob Gordon disse...

Varotto:

Então, o o blog aqui da rapaziada é de família, certo? Não vem crescendo não que eu colo seu brinco, certo?

Abraços!

Rob

Varotto disse...

Só para tirar a dúvida: "colar o brinco" é a mesma coisa que esquentar o escutador de novela de uma pessoa?

Giovana disse...

KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKkkkkkk!Muito bom!" O Malandro é o barão da ralé"...

Kel Sodré disse...

Comentário para o post: o.O

Comentário para os comentários do post: um espetáculo à parte!

Rob Gordon disse...

Varotto:

Isso aê. Então, nem vem se crescendo todo, certo?

Abraços!

Rob

Rob Gordon disse...

Giovana:

Curti sua definição, vou ligar esta idéia pros manos da quebrada!

Beijos!

Rob

Rob Gordon disse...

Kel:

Diz aê se os malucos da banca dos manos não batem uma ideia à pampa?

Beijos

Rob

IsabelVeronica disse...

Rob, deixando de lado o sufoco que você passou...eu dei risada, viu. Cara, de onde você tirou tanta gíria? E, o mais difícil, como você conseguiu conversar com o maloqueiro tão facilmente?

Olhe, sou mineira e, como você sabe, moro no nordeste, então, meu vocabulário de gírias é bem diversificado, apesar de não saber usá-lo tão bem como você. Mas vou te contar, nunca tinha ouvido falar em "goma".

Beijos!

Gilmar Gomes disse...

Brota??? Isso seria um "neogirismo" da época??? Aliás, se você falar essas gírias com os "manos" agora, eles dirão: "Porra, tiozinho, sifudêae!"

Gilmar Gomes disse...

Ah sim, a frase (aqui nos coments) "curti sua definição" imaginada nas palavras de um maloqueiro me fizeram lembrar de um personagem da Malhação...

Rob Gordon disse...

Isabel:

As gíria aê é de quem sabe levar uma ideia com o mano da banca, certo? E aprendi nas street, mas uso também dentro da minha goma!

Beijos!

Rob

Rob Gordon disse...

Gomex:

Brota. Sacou?

E a malandragem dos mano também é cultura, certo?

Abraços!

Rob

Bianca disse...

Os comentários que são os melhores...huahua

Rob Gordon disse...

Bianca:

Obrigado! :)

Beijos!

Rob