13 de julho de 2011

How Blue Can You Get?

No Dia Mundial do Rock, é decisão deste blog não falar sobre rock. Ou, ao menos, não exatamente sobre rock. Afinal, hoje em dia pipocarão textos e mais textos sobre o gênero na internet. Alguns serão emocionais, outros serão teóricos. Alguns apresentarão listas das melhores canções, outros dirão que o rock morreu.

No Dia Mundial do Rock, é decisão deste blog voltar mais ainda no tempo e falar sobre blues.

A vontade de escrever sobre blues e como suas músicas praticamente salvaram minha vida – ao menos em alguns momentos – é antiga. Mas acabei sempre deixando a ideia de lado, por dois motivos. No início, eu achava que não entendia o suficiente para escrever sobre o tema. Depois, com o surgimento da HQ Terapia, eu não quis trazer o blues para o blog antes que suas músicas se tornassem parte vital da trama.

Contudo, a presença constante destas músicas nas páginas recentes de Terapia fez surgir o interesse de muitos leitores e amigos pelo gênero, que vieram me pedir indicações de músicas e artistas. Assim, a vontade de escrever voltou. Mas não escrever sobre o blues, e sim sobre a forma que eu enxergo o blues. Pois hoje eu sei que você só entende perfeitamente o blues quando descobre que ele não foi feito para ser entendido. Exatamente como a vida.

Sim, é possível teorizar. É possível falar parágrafos e mais parágrafos sobre a estrutura do blues, abordando os 12 compassos musicais e os versos que seguem a ordem “pergunta-repetição da pergunta-resposta”. Mas teorizar o blues é quase estragar o blues. Mais que música, blues é um estado de espírito.

Da mesma forma, é fácil pintar o blues como é um dos pais do rock, ao lado do country. O número de bandas e artistas que surgiram por causa do blues – ou que tem influência de blues em suas composições – é enorme, indo de Beatles a Bob Dylan, de The Doors a Jimi Hendrix. Como exemplos concretos, basta dizer que o Led Zeppelin foi processado por regravar músicas de Willie Dixon (You Shook Me e I Can’t Quit You Baby) sem os devidos créditos, e que o nome Rolling Stones foi escolhido para homenagear uma música de Muddy Waters. E falar de Eric Clapton aqui seria covardia.

Sim, o blues é o grande pai do rock. Mas, diferente do rock, é impossível precisar sua origem. Gosto da frase que diz que “o blues existe desde o começo dos tempos, desde que a primeira mulher mentirosa conheceu o primeiro homem cafajeste”, mas ela restringe o gênero, apontando que o blues gira somente em torno de corações partidos.

Sim, boa parte das suas composições aborda este tema, mas existem outros assuntos dominantes. O blues canta a verdade que está nas ruas, de uma forma muito mais lírica e muito mais cortante que o rock. Suas músicas são sobre corações partidos, sobre homens que traem e mulheres que tratam mal o homem que a ama; mas também abordam os problemas com a bebida, a falta de dinheiro, a solidão, a fé, paixões doentias, o frio e suas doenças, a ânsia de partir para outro lugar e começar tudo de novo.

Enquanto o rock usa drogas e dorme com groupies, o blues enche a cara de cachaça barata e dorme com as mulheres erradas. Enquanto o rock morre de overdose em hotéis luxuosos, o blues tem pneumonia e perde o salário do dia. Enquanto o rock é acusado de atrapalhar a educação dos jovens, o blues é o marginal que exala o cheiro das ruas. Enquanto o rock quer drogas e sexo durante a noite inteira, o blues deseja apenas uma nota de 20 dólares para pagar um jantar, um par de sapatos confortáveis e um uísque. Enquanto o rock acorda no meio da tarde, o blues acorda cedo porque precisa trabalhar. Enquanto o rock lamenta a saudade do grande amor perdido, o blues sabe que apenas levar este amor para a cama aplacará a dor – que, no caso do blues, chega a ser física. Sim, a dor do blues é quase física. E a felicidade do blues é passageira. Mas existe.

O blues não é uma starway to heaven, tampouco uma highway to hell. O blues é a realidade, seja ele cantado nas cidades grandes ou nas plantações de algodão. Como disse o cantor Brownie McGhee, “o blues não é um sonho, o blues é a verdade.” E a realidade, diferente do sonho de John Lennon, não acaba.

Agora, chega de falar. No Dia Mundial do Rock, deixo vocês com não com um Top 5, mas sim com um Top 3 Artistas de Blues, que, para mim, compõem a Santíssima Trindade do gênero. Não é a toa que são justamente estes que estão retratados nos posters respeitosamente pendurados no quarto do personagem central de Terapia, como visto no último quadro da página 07.

1 - Robert Johnson
É a maior lenda do blues. Ninguém sabe ao certo quando nasceu ou onde está enterrado. Diz a lenda que vendeu a alma ao Demônio, o que seria reforçado (ou explicitado?) por músicas como Hellhound on my Trail e Me and the Devil Blues. Gravou somente 29 músicas, em condições precárias (num hotel, de forma absolutamente amadora) e mesmo assim é considerado um dos guitarristas mais influentes de todos os tempos. Eric Clapton gravou um CD somente com suas canções e Keith Richards afirma que, ao ouvi-lo pela primeira vez, demorou a se convencer de que se tratava de apenas uma pessoa (e não duas) tocando.








2 - Muddy Waters
Provavelmente o maior nome do blues nas décadas de 40 e 50 (sendo redescoberto pelos roqueiros ingleses na década de 60), fez história sobretudo ao ligar sua guitarra na tomada, décadas antes de Bob Dylan fazer o mesmo. Assim, o blues se tornou urbano e, consequentemente, mais safado. Sua obra alterna temas como a dor de ser mal tratado pela mulher que ama (Good Looking Woman) e a vontade de aplacar a saudade com sexo (I Just Want to Make Love to You). Contudo, às vezes deixa a fossa de lado e sai de casa disposto a levar a cidade inteira para a cama graças a sua música, como fica claro em Hoochie Coochie Man, talvez o maior hino da história do blues.






3 - John Lee Hooker
Se existe um bandido na história do blues, este sujeito é John Lee Hooker. Cara de marginal, voz grave e ameaçadora (ele praticamente fala, sem cantar) e, nos últimos anos de vida, figurino de gigolô, não é difícil imaginar que andava para cima e para baixo com uma navalha no bolso. Apesar de falar sobre amor de forma solitária e amarga, também aborda com frequência temas como a pobreza e a busca pela felicidade na forma de uma mulher, de uma garrafa (ou de três garrafas, como fica claro em One Bourbon, One Scotch, One Beer), ou evidentemente, no blues, como fica claro em The Healer.




Existem outros. Muitos outros, talvez até mais famosos, como BB King – que também adoro (o título do post é inspirado em uma canção sua). Mas estes três são os meus. Enquanto os outros músicos de blues cantam para mim, estes três vão além e conversam comigo. É difícil explicar.

Porque, na verdade, o blues é difícil de explicar.

E esta é justamente a sua magia.

9 comentários:

Unknown disse...

Muito bem lembrada a raiz do Rock!

Varotto disse...

Você esqueceu da trigésima música de Robert Johnson. Aquela que o Karate Kid e o Willie Brown foram buscar e até tiveram de duelar com um servo do tinhoso, que era a cara do Steve Vai, no caminho!

Peraí... Isso aconteceu de verdade?

Cara, eu tenho de parar de assistir a TV de madrugada...

P.S.: Assistam a "A Encruzilhada" (Crossroads, 1986).

Varotto disse...

Em relação ao "Terapia", confesso que essa coisa da página semanal me deixa meio angustiado.

Eu tinha a intenção de esperar acabar para poder ler tudo de uma vez, mas não resisti. Mas, mesmo assim, eu deixo acumular umas semanas para ler.

Naquela página em que aparecem os quadros na parede, que você citou, fiquei feliz por possuir, e ter consumido, quase tudo que aparece ali: discos, livros, DVDs... Até um quadro com aquela foto do J.L. Hooker eu já tive na parede.

Varotto disse...

Mais uma: já que falei do filme Crossroads, mais uma boa citação sobre o Blues de Willie Brown, personagem de Joe Seneca:

"Blues ain't nothin' but a good man feelin' bad."

Trauti Lang disse...

Blues é um som que me encanta, mas - como eu disse já em outro comentário - não conheço muito. Ainda. Graças ao seu post vou passar a noite revirando músicas! Só não vou ouvir o Robert Johnson porque sou cagona. Falo mesmo.

Mas e o blues hoje? Como ele anda? Meio manco como todos os outros tipos de música? :/

Nelson disse...

Nos tempos em que eu estudava música, meu professor disse em uma aula de harmonia: "o Mozart Mello diz que é bom não teorizar muito o blues". Mozart Mello, pra quem não sabe, é um dos maiores professores, guitarristas e "entendedores" de harmonia avançada do Brasil, reconhecido mundialmente e tudo mais. Se ele diz que é melhor não pensar muito no assunto, eu acredito, rs.

Além do perfil sentimental do blues, mesmo musicalmente ele é um inferno de se entender, justamente por ser 99% improvisado e simples, o que dá a oportunidade do músico viajar e tocar sem pensar muito em regras, teorias e encadeamentos. Quem toca algum instrumento sabe: no blues se sente, nunca se pensa.

Pra Del aí em cima e pra quem mais se interessar em blues: tem um gaitista brasileiro chamado André Carlini que toca horrores e ainda tem bom gosto, coisa rara hoje em dia. Ele toca uma mistura de jazz, funk e blues nos shows (que são fenomenais, vale a pena perder uma noite e ver o cara ao vivo).
Hoje ainda tem muita gente mandando bem no blues, basta fuçar um pouco que acha.

Sir Lucas disse...

O blues é tão maduro e complexo que se vc não tá preparado, te domina e ai fode tudo.
Achei genial a comparação com rock, afinal, o rock é o filho mimado do blues. :D

E ótimas escolhas de músicas, rob, delicioso ler o post ouvindo-as.

paulonando disse...

Fenomenal.

anne disse...

Adoro blues, quando ouço acontece algo em meu corpo, é como se eu fosse tomada por uma energia que me paralisa e aguça a audição e os sentimentos, posso ficar horas ouvindo e nem perceber o tempo passar. Parabéns pelo post, mostrou paixão e conhecimento.

Aproveito pra dizer que cheguei aqui através do Terapia, muito bom, identificação total com o personagem...