Então, para chegar a Teodoro, eu preciso subir uma pequena escada (que, aos fins de semana, funciona como banheiro público do bairro). É a maior inversão de valores que vi na vida: para chegar ao inferno, eu preciso subir, e não descer. Se morasse na minha rua, Dante teria que reescrever toda A Divina Comédia baseado nisso.
Enfim, era madrugada. Já havia pulado os dejetos e mendigos que habitam a escada à noite e faltavam poucos degraus para alcançar a Teodoro. E lá estava ele, pousado, imponente, no pequeno muro da escada, já na Teodoro:
Um gavião.
Minto. Não era um gavião. Era “o” gavião. Sem exageros, um gavião enorme. Ele estava na escada, mas, se estivesse no chão, deveria bater na minha cintura – ok, até mesmo alguns eletrodomésticos batem na minha cintura, mas lembre-se que estamos falando de uma ave – e com um bico maior que algumas cidades do interior.
Estava pousado no pequeno muro, olhando para a rua (e provavelmente entediado, pois não há muito que se ver na Teodoro Sampaio às 2 da manhã). E assim ele ficou: imóvel, concentrado no trânsito da Teodoro, até eu me aproximar, o que chamou sua atenção.
Ele virou a cabeça. Eu, evidentemente, parei. Ninguém em sã consciência passa ao lado de um gavião quando não há uma grade de ferro entre você e o animal. Eu estava a uns três metros dele.
Ele olhou para mim. Eu olhei para ele.
– Oi, arrisquei de forma tímida.
– Cr-roc!, ele respondeu.
(Sim, eu também não sabia que gaviões faziam “cr-oc”.)
– Eu vou ter que passar pelo seu lado. Você não se importa, certo?
– Cr-roc!
Fiquei em silêncio, sem saber ao certo o que fazer. Felizmente, o gavião parecia ter tudo sob controle e continuou:
– Cr-roc! Cr-oc!, ele insistiu.
Pronto. Tudo o que eu queria era uma Coca e um chocolate, mas na verdade eu conseguiria ser imortalizado na literatura nacional como astro de uma versão barata e tupiniquim do poema O Corvo, de Edgar Allan Poe. Provavelmente, a obra seria chamada de Carcará, e seria vendida em bancas de jornal com a minha foto na capa. Ô fase.
Eu teria ficado mais tempo ali esperando o gavião se mexer – eu não ia passar ao lado dele nem a pau – mas duas pessoas passando pela Teodoro Sampaio assustaram o bicho, que voou alguns metros, em direção ao Itaú que fica logo ao lado da escada.
Imediatamente, duas coisas me ocorreram: primeiro, ele não conseguia voar direito, estava machucado.
E a segunda é que ele pousou exatamente na porta do banco, como se fosse entrar na agência. Imediatamente me lembrei de que, dias atrás, recebi um e-mail informando que outro gerente estava incumbido de cuidar da minha conta (aparentemente, meu antigo gerente enlouqueceu ou algo assim).
Na hora eu matei a charada: o gavião é meu novo gerente. Só podia ser. Seria típico da minha vida. E, como se não bastasse, o gavião ainda está precisando chegar de madrugada ao trabalho somente para ver meu extrato com calma – ou seja, ele não deve estar particularmente contente comigo.
Enfim, como ele não me chamou (ele soltou um “cr-oc”, mas creio que não era para mim), e ficou quieto ali na porta do banco, resolvi fingir que não era comigo. Fui até o Pão de Açúcar e voltei. Lá estava o gavião, andando pelo jardim do Itaú. Eu precisava fazer algo. No primeiro mendigo que passasse, o gavião iria levar uma pedrada e virar canja; e, além disso, se ele realmente for meu gerente, ajudá-lo nessa hora poderia me garantir benefícios no cheque especial ou no limite do cartão.
Entrei em casa, tirei a roupa, peguei o telefone e começou a odisséia.
Entrei no site do departamento de Zoonoses e peguei os dois números de plantão. Ninguém atendia. Liguei no serviço de informações e consegui um terceiro número. Liguei e ninguém atendeu. Às vezes, eu ouvia uns “cr-oc!” vindo da Teodoro. Sem saber o que fazer, liguei para a polícia em busca de um novo telefone. O sujeito me informou que eu deveria ligar para a polícia ambiental e me passou um número. Liguei e ninguém atendeu. Sério, quando eu morrer, não quero voltar como gavião. Deve ser uma merda conseguir uma viatura sendo um pássaro.
Aí tentei minha última cartada. Entrei no site da Polícia Ambiental e descolei dois telefones. No primeiro – adivinhem? – ninguém atendeu. No segundo, consegui falar com um sujeito que informou que ali era a central e eu deveria ligar direto para o batalhão de Pinheiros. Eu pedi o telefone e ele me deu dois. No primeiro – adivinhem, mais uma vez? – ninguém atendeu. No segundo...
– Polícia Ambiental, Tenente Fulano, bom dia.
– Bom dia. Eu estou aqui em Pinheiros, perto da Teodoro Sampaio, e tem um gavião machucado na rua.
– Como ele está?
– Ele não consegue voar.
– Como você sabe?
– Porque ele fica andando de um lado para o outro, na frente da agência.
– Ah, então ele não está conseguindo voar.
A frase “não, talvez ele seja o vigia da agência, vamos esquecer isso e deixá-lo trabalhar em paz” quase escapou pela minha boca, mas consegui segurá-la a tempo. Felizmente. Afinal, um “soldado da Polícia Ambiental” ainda é um “soldado da Polícia, então seria mais esperto eu me comportar.
– Isso.
– Ele está lá sozinho?
Respirei fundo e me contive. Assim, segue uma pequena interrupção com o Top 5 Respostas que eu Pensei na Hora:
1. “Não, ele está com um monte de amigos. Acho que é uma festa, e estou ligando para reclamar do barulho.”
2. “Não, ele está lá com o Homem Pássaro, mas o Homem Pássaro precisa de ajuda porque ele se recarrega com o Sol, e estamos no meio da madrugada”.
3. “Não, ele está com o Quadrilha de Morte, tentando matar a Penélope Charmosa. Talvez este Gavião seja o Tião Gavião.”
4. “Não, ele está com o Gavião Arqueiro e com o Gavião Negro. Deve ser uma espécie de sindicato.”
5. “Sim. Ele está sozinho.”
Por motivos de segurança (novamente), eu escolhi a quinta alternativa. O soldado respondeu:
– Então, mas você precisa ligar para o batalhão de Pinheiros. Aqui é o batalhão da Zona Sul.
Suspirei.
– Olhe, eu já liguei para uns dez telefones. Será que você não pode acionar o Batalhão de Pinheiros? Por favor?
– Posso, sim.
– Obrigado. Você precisa do endereço?
– Sim. Mas a viatura pode demorar um pouco.
– Bom, acho que tudo bem.
– Você não conseguiria colocá-lo numa caixa?
– Oi?
– Numa caixa de papelão.
– Então, esta parte eu entendi. Não entendi o que você quer que eu faça.
– Que você tente prender o bicho em uma caixa de papelão.
– Mas o bicho do qual estanos falando é um gavião. Não é um gatinho.
– É que a viatura pode demorar. Se você colocar ele numa caixa, ele não vai escapar.
– Olhe, eu estou de cueca e camiseta. Ele é um gavião e está com o bico e com as garras. Se eu tentar colocá-lo numa caixa, quem não vai escapar sou eu.
– Bem, como eu disse, a viatura pode demorar.
– Ok.
Passei o endereço certinho e fiquei em casa esperando um pouco. Na verdade, algo entre quarenta minutos e uma hora. Nada da viatura chegar. Às vezes, eu ia à varanda e via o gavião andando pelo jardim lá do Itaú, soltando os “cr-ocs” dele.
Mas aí não agüentei e fui dormir.
No dia seguinte, passei por ali e não vi nem uma pista do gavião. Mas também não havia sinal de penas (tampouco de alguma panela de sopa na escada), o que, acredito, deve ser uma boa coisa.
(Dedicado aos leitores corintianos deste blog.)
16 comentários:
HAHAHAHA... eu estava com saudades de um post desse aqui no Champ. Eu ri, mas espero sinceramente que o bichinho esteja bem, de preferencia sendo cuidado!
Bom te ver escrevendo com esse humor tão seu!
Um beijo,
hahaha quanto tempo eu nao vinha aqui!! que isso.. eu vim, li esse texto e me senti de novo em pinheiros... dessa vez até fui procurar no google maps a sua rua.. mais nao achei... acho que vc ta mentindo em relação a ter que subir a escada... hahahaha
bom... é isso aí rob... eh bom estar de volta garoto!!
abração!!!
Ai, eu sou tão doida que ia ficar sentada ao lado dele até a viatura chegar... tadinho do bichinho 'turista'...
Sério... na próxima me liga.
Eu tinha gaiola pra pegar o cara e veterinários especialista pra levar o paciente.
Com certeza deve ter um portal mágico na entrada de Pinheiros, porque este lugar é um universo paralelo!
Ir ao supermercado andando. Às duas da manhã. Cruzar com um gavião. Que não voa.
Rob, tem certeza que isso não foi mais um Sonhos de Gordon?
Abriu! O formulário de comentário abriu! Vou falar de novo o que disse no twitter: tem um gavião pousado na antena na frente da minha janela agora. Uns 30cm de altura, cabeça preta e pescoço branco. O corpo dele é todo preto. Voou, saiu da antena.
Todos os dias, no fim da tarde, passa um bando de maritacas verdes aqui pela janela da cozinha. Fazem um barulho danado, e são lindas!
Taí umas vantagens de não morar em uma cidadezona tão grande que nem São Paulo.
Bem, cansei de esperar o Google recuperar os comentários deste post, então vou repostá-los, com o nome das pessoas.
Caso o Google tenha vergonha na cara e poste-os novamente, eu apago esses abaixo.
Rob
HAHAHAHA... eu estava com saudades de um post desse aqui no Champ. Eu ri, mas espero sinceramente que o bichinho esteja bem, de preferencia sendo cuidado!
Bom te ver escrevendo com esse humor tão seu!
Um beijo,
Eu não sou corintiana, mas particularmente adoro gaviões e vou comentar assim mesmo! 8D
Fiquei com a maior dó do gavião! =X
Espero que tenha ficado tudo bem com ele.
Mas o Top 5 Respostas quase me matou de tanto rir. XD
Rob, tem que ver o que você anda pondo na sua lasanha congelada, ou se a massa dela não é feita de trigo transgênico ou algo assim, porque... cara, vc variou legal nesse post.
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E eu 'mimijei' de tanto rir com ele. HAHAHAHAHAHAHAH
Eu tava sentindo falta de algum comentário sobre o Corinthians rs
Sensacional ! Vai Corinthians
Bom, ainda bem que ele respondeu C-croc e não: "Aqui é Curintia, certo mano? Passa a grana". :P
hahaha quanto tempo eu nao vinha aqui!! que isso.. eu vim, li esse texto e me senti de novo em pinheiros... dessa vez até fui procurar no google maps a sua rua.. mais nao achei... acho que vc ta mentindo em relação a ter que subir a escada... hahahaha
bom... é isso aí rob... eh bom estar de volta garoto!!
abração!!!
Ai, eu sou tão doida que ia ficar sentada ao lado dele até a viatura chegar... tadinho do bichinho 'turista'
Pronto.
Porque, se há algo que não pode ser dito sobre este blog, é que ele não respeita seus leitores. Com ou sem pau do Google.
Abraços
Rob
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