Ontem eu recebi um e-mail indicando que eu havia sido marcado numa foto do Facebook. Achei que era uma daquelas bobagens tipo “quem mais interage comigo”, ou “meus seguidores mais fieis”. Abaixo, havia um link. Cliquei por hábito, apenas por clicar para ver o que era antes de apagar o e-mail.
Não era bobagem.
Um antigo professor meu – do qual, confesso, me lembrava apenas vagamente – postou, nas fotos de seu perfil, os “carômetros” de todas as classes em que lecionou. “Carômetro”, como o nome indica, eram fichas com o retrato de todos os alunos da sala, acompanhados do número e do nome. No caso de algumas classes em especial, era quase uma ficha policial.
Não faço ideia se isso ainda é usado nas escolas, mas no meu tempo – e no meu colégio, que tinha mais de 40 alunos por sala – era algo bastante comum.
E, com apenas um toque no mouse, mais de vinte anos desapareceram. Eu estava de volta aos meus 13 para 14 anos, ao lado de todos os outros meninos e meninas que passaram o ano de 1989 ao meu lado, convivendo comigo todas as manhãs.
Não sei quanto tempo fiquei em silêncio, meio emocionado, olhando as fotos. Sim, fotos. Como os carômetros das outras oitavas séries estão no site, eu vasculhei um por um, encontrando pessoas que haviam estudado comigo em outros anos (alguns até mesmo mais de uma vez).
Muitos eu não me lembrava, mas assim que bati o olho me recordei de alguma história que me fez rir alto na frente do computador. Mas outros, eu reconheci de imediato.
Estavam todos ali.
Os grandes amigos, aqueles que você escolhia – e era escolhido – para compartilhar dúvidas e segredos, para dividir gargalhadas e goles de refrigerante. Os inimigos que, na época, não eram “inimigos”, apenas pessoas com quem você “não ia muito com a cara” (num claro exemplo de como a vida aos 14 anos é muito mais simples do que se imagina). E, claro, os amores, todos eles platônicos e responsáveis pela eterna (e intensa) guerra entre paixão e timidez travada todos os dias, no pátio – no meu caso, a timidez sempre ganhava.
E eu. Sim, eu estou na foto aí ao lado (clique para aumentar), com muito mais cabelo e provavelmente alguns (não muitos) centímetros a menos. E ainda sem marcas de cansaço abaixo dos olhos, mas sorrindo. Eu sorria sempre. Ao menos, é o que dizem. Eu não me lembro, porque quando você é adolescente, você está muito mais preocupado em perceber quem está sorrindo para você do que em sorrir de verdade.
Curiosamente, eu me recordo muito pouco deste ano em si. Olhando os rostos ao lado, me lembrei, claro, de diversas passagens que me fazem sorrir, mas nenhuma muita grandiosa. Na verdade, quando penso nesta época, a primeira história que me vem à cabeça aconteceu no ano anterior. Talvez valha a pena contar aqui.
Eu estava mal de matemática – o ano ainda estava no começo, mas minhas notas não estavam nada boas. E não era preguiça, eu apenas não entendia a matéria. Na segunda-feira, seria prova. Passei o domingo na mesa da sala estudando com meu pai, e fui dormir aquela noite manjando tudo. No dia seguinte, fiz a prova com um pé nas costas. Não garantia um 10, mas pelo menos um 8 ou 9, eu tirava fácil. Contei isso em casa, mal escondendo o orgulho.
Na terça-feira, recebi a prova corrigida na primeira aula. Fiquei branco. Não lembro agora minha nota, mas era 3 ou 4. Acho que foi 4. Eu nunca havia me sentido tão decepcionado comigo mesmo. Eram sete e pouco da manhã e passei o resto da manhã com nó na garganta, segurando o choro.
Por volta das 13 horas, entrei em casa, ainda com a garganta amarrada e dei de cara com a minha mãe. Ela perguntou sobre a prova, cheia de expectativa. Tentei não chorar, mas não consegui. No momento em que eu abri a boca para dizer o quanto havia tirado, desmoronei. Eu estava cagando para a nota, só não queria ter decepcionado meus pais. Gosto desta história: bem ou mal, ela diz muito a meu respeito.
Mas de volta às fotos.
Aos poucos, os comentários das imagens se tornaram uma espécie de pátio da escola. Diversos alunos começaram a aparecer, comentando sobre os penteados bizarros, e identificando este ou aquele menino, e como chamava aquela japonesinha mesmo, alguém lembra? Eu e mais algumas pessoas passamos o dia analisando as fotos e procurando por rostos conhecidos.
Algumas das pessoas eu me recordo do nome completo (algumas pessoas até comentaram como era possível eu me lembrar de tanta gente), enquanto de outras eu mal consigo me lembrar do nome, somente do apelido (porque, na minha escola, todos tinham apelidos). E, claro, existem algumas das quais – e espero que elas me desculpem por isso – eu realmente não consigo me lembrar nem do rosto. Da mesma forma, pessoas que eu não me lembrava mais me reconheceram nos comentários, me chamando exatamente da forma que eu era chamado nos corredores e na sala de aula.
Com alguns poucos tenho contato até hoje, mas a grande maioria, mesmo, se perdeu no tempo. Meses atrás, um sujeito que havia sido um grande amigo nesta época esbarrou comigo na fila de um Starbucks, o que rendeu um café de duas horas e gargalhadas para disfarçar a saudade. Mas este foi uma exceção. A maioria mesmo desapareceu. Descobriram novos amigos, novas pessoas para não ir com a cara e novos amores, provavelmente menos platônicos que os daquela época.
Nunca mais os vi. Justamente por isso que, para mim, eles terão sempre 14 anos.
Não consigo olhar para qualquer uma das pessoas desta foto e imaginá-la com 34, 35 anos de idade. Como eu nunca mais os encontrei, eles ainda estão naquela época, dentro da minha memória. Não envelheceram. Ao menos, não para mim. Todos eles continuam com 14 anos, e estão mais preocupados com a prova de Geografia da próxima semana do que com as contas para pagar ou com a educação dos filhos.
Pois, naquela época, não fazíamos ideia de onde estaríamos no futuro. Ok, eu também não faço ideia de onde vou estar amanhã, mas é diferente. Naquela época nós não pensávamos muito nisso. Éramos crianças. Provavelmente discutiríamos com alguém que nos chamasse de criança, mas éramos.
E (isso me ocorreu agora, enquanto escrevo) esta talvez seja a minha última foto de infância. Se bobear, um menino de 13 anos dos dias de hoje tem mais experiência que eu; mas, em 1989, éramos apenas crianças, jogando bola no pátio, trocando impressões sobre desenhos animados e tentando descobrir porque algumas meninas tinham peitos e outras não.
Tudo era novidade, tudo era descoberta. Teríamos tempo de sobra para pensar em ser adultos, era cedo demais para isso. Pouco mais de vinte anos atrás, tínhamos todo o tempo do mundo pela frente. E, se alguém me dissesse que em vinte anos eu estaria escrevendo sobre isso, morando sozinho, com meu cachorro deitado aos meus pés e um cigarro queimando no cinzeiro, eu responderia apenas:
– Não. Eu não fumo.
E sairia correndo pelo pátio, atrás da bola, sem sequer olhar para trás.
Porque, vinte anos atrás, eu também tinha todo o tempo do mundo.
28 comentários:
"Era quase uma ficha policial." hahaha
Tenho dez anos a menos que você e aparentemente sinto a mesma coisa. Uma pena os carômetros não terem sido hábito nas minhas escolas!
Essa coisa, sobre a qual você falou, dessas pessoas terem eternamente 14 anos é verdade.
No fundo, você sente que só você envelheceu e ganhou experiência, e quando tentamos e experiência de imaginar como tal pessoa estaria hoje, parece que tem alguma coisa errada.
E gente que era mais velha que você, mesmo que três ou quatro anos, hoje você "olha" como quem olha para um moleque que não sabe de nada.
E quando você tem um ataque nostálgico destes em frente a um adolescente, ele deve achar que é a maior coisa de velho, e que ele nunca vai passar por essas babaquices. Pois é. Aguardem...
Ah, esse tal de tempo...
P.S.: Eu já tinha achado você no carômetro mesmo antes da dica do sorriso. Fácil.
Poxa, você tinha bem mais cabelo, HUhaua
=)
Nostalgia da adolescência, lembrança de histórias antigas de uma época em que você não queria mais ser chamado de criança, conversas sobre a fugacidade do tempo, etc... na minha época, a gente chamava isso de Papo de Velho, Coisa de mãe, ou pior, de vó! Haha.
Hoje já sinto essa nostalgia, conheço pessoas que terão 12, 15 anos pra sempre.
Tbm to ficando velha... Mas pelo menos ainda tenho cabelo. ;)
Resultado desse texto em uma pessoa que não deixou de ter 14 há tanto tempo assim: arrepios, nó na garganta e um sentimento de identificação total. gosto de acreditar que, para as melhores pessoas, a adolescência - e a vida escolar - é assim: uma mistura dos melhores com os piores anos da sua vida. e gosto de acreditar também que é mais saudável lembrar dos melhores.
Já aconteceu comigo de esperar uma nota bem alta e sair do colégio com vontade de chorar. Acho que até hoje não aprendi a me decepcionar comigo mesma.
E uma das melhores coisas é reencontrar algumas dessas pessoas, como aconteceu com você no Starbucks, anos depois e voltar por um momento a ter 14 anos, já que normalmente acabamos conversando como se as tivéssemos visto semana passada.
E fazia tempo que eu não chorava no Champ...
Thanks Rob.
A última frase do texto me trouxe na cabeça uma trilha sonora inteira pra ele. Não achei um vídeo muito bom, mas podem procurar: "20 Anos", da banda Terra Celta.
Da série "Mais um texto pra te emocionar". Lindo! Lágrimas nos olhos aqui.
Você até que era um menino bonitinho.
Quando é que aconteceu o acidente?
(comentário atrasado mode: ON)
"Amor" é uma tag muito adequada pra esse post. : )
Da série "Não ler no trabalho!!" pena que descobri tarde d+... lágrimas nos olhos!
Poderia fazer uma enquete:
-Quem achar o Rob no álbum ganha um livro.
Querendo um livro na manha detected.
Que legal! Eu tenho só 18 anos, mas já tenho essa coisa de não imaginar os meus amigos de infância como adultos. Serão sempre crianças. Engraçado, né!
P.S. Mesmo que não seja, eu imagino o tal Rob Gordon com a cara do menino nº 18. Se não for na vida real, continuará sendo na minha cabeça. kkk'
Abraço
Quanta nostalgia! Acabei voltando alguns anos e fui parar na minha antiga escola. Sou boa de fisionomia, mas aposto que não me lembro nem da metade dos meus colegas. Nomes então, muito menos! É o tipo de lembrança que faz a gente rir e balançar a cabeça :)
Eu nunca esperei muito das minhas notas então, nunca fiquei decepcionada, sempre me surpreendia por ir melhor do que esperava.
Não tenho muitas lembranças da oitava série, apenas que eu nunca penteava os cabelos e mandava à m$%¨$ quem mencionasse o fato para mim.
Se me mostrarem uma foto possivelmente não me reconhecerei ;P
Achei lindo o seu post, me trouxe lágrimas aos olhos e saudades de algumas pessoas que foram muito amigas e hoje estão perdidas por aí.
Cara, puta texto fantástico...e que hora para eu ler...tenho 37 anos e encontrei amigos da escola no facebook, coisa de 25 anos...vc conseguiu descrever o sentimento de forma perfeita...parabéns!!!
É realmente um pedaço grande e útil de informação. Fico feliz que você compartilhou essa informação útil com a gente. Por favor, mantenha-nos informados como este. Obrigado por compartilhar.
38.... aposto minha dignidade.
Putz... voltar pra essas nossas memórias é realmente de fazer chorar.
Qualquer historia sobre isso que me contem, me emociono como se fosse minha.
Valeu, Rob
38...mas não vou dizer...
é o 31... certeza =D
eu andei revendo meus colegas de quinta, sexta série no facebook esses dias. e apesar de só ter 23 anos, já acho mt estranho vê-los como adultos, crescidos, com suas vidas, casados, com filhos(mas até aí, pq só eu posso ter casado, tido filho, separado, estar noiva de outra pessoa, né?). na minha cabeça, eles sempre serão aquelas crianças.
tb tenho um problema parecido, Michelle... algumas meninas que peguei no colo, hoje em dia com filhos e maridos...
se bem que quando peguei elas no colo já tinham mais de 18 anos e... er... ops.
Rob, você era o #20?
Porque se não for...
bom, eu ainda estava nascendo nesse ano aí, mas a identificação com a vida escolar de praticamente qualquer pessoa é inevitável. ótimo texto!
Então tchô te contar uma coisa: dia desses pra trás, faz muito tempo, encontrei no finado Orkut um menino que tinha sido meu amigo (um dos melhores amiguinhos) na alfabetização. Ou seja, precisos 20 anos antes. Nunca mais tínhamos nos visto depois da alfabetização, porque eu me mudei pra BH e perdemos o contato totalmente. Aí a gente começou a trocar scraps (how old fashioned!), a conversar por gtalk e marcamos um alfabetização revival. Esse menino, eu e outros dois que também pertenciam à minha lista de melhores amiguinhos. Deu até frio na barriga antes de a gente se encontrar porque depois de tanto tempo, eles poderiam ter virado simplesmente QUALQUER COISA, inclusive caras altamente escrotos. Mas qual não foi a minha surpresa (ou melhor, alegria) em descobrir que todos os três viraram caras muito legais, simpáticos, engraçados... gente boa mesmo! Aí agora somos amigos de novo! Incrível, né?
PS: All in no 38! Até porque, nomes com "R" - como também é o meu - costumavam pairar por volta desse número na chamada. Eu sempre era 34, 37... dependia da turma, mas sempre por ali. hehe
Que texto bom, nao te conheço, mas, achei delicioso... me encontrei nele... Obrigada!
Sou professora e os "Carometros", ou "Carógrafos" ou ainda "Fotogramas" são utilizados em algumas escolas pra facilitar a memória do professor. E eu tenho que confessar que gosto de olhar os meus nas férias.
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