28 de março de 2011

Divagando

Estava descendo para o trabalho hoje e na calçada do Pão de Açúcar havia cerca de dez pessoas sentadas, em fila. Estavam esperando para fazer entrevista de emprego. Não é a primeira vez que vejo isso – em alguns dias, a fila tem mais de trinta pessoas – mas hoje, como eu passei justamente pela calçada (ao invés do meu caminho habitual, do outro lado da Teodoro Sampaio), prestei um pouco mais de atenção nisso.

Engraçado isso. Quando eu ando do outro lado da rua, é apenas uma fila de emprego. Porém, se eu atravesso a Teodoro, não é mais uma fila, são pessoas. Pessoas de verdade e diferentes entre si. São homens e mulheres. Alguns mais jovens, talvez em busca do primeiro emprego para ajudar dentro de casa; outros já têm os olhos um pouco mais cansados e o rosto marcado pelo tempo, em busca de uma nova chance, de um novo começo, ou talvez de um salário maior, de um emprego mais perto de casa. Em busca de um pouco mais de conforto.

Em comum, apenas a esperança, no olhar, de quem deseja que o amanhã seja um pouco melhor.

Todos eles tinham este olhar.

Todos nós temos esta esperança.

Quando eu era mais novo, a irmã de uma amiga minha, recém-formada em psicologia, disse uma frase que eu nunca esqueci: “o que nos difere dos animais é o sentimento de finitude”. Concordo. O homem passa 90% da sua vida – ou mais – sabendo que vai morrer um dia, enquanto os animais só percebem isso (caso realmente percebam, ou sentem apenas que algo está errado) quando a morte já está ali, dobrando a esquina.

Contudo, como bons humanos que somos, não sabemos ao certo o que fazer com este conhecimento. Ou, na verdade, não temos muito a fazer com isso.

Semana passada, uma menina que trabalhou comigo anos atrás faleceu. “Faleceu”. Engraçado como sempre usamos a palavra “faleceu” para alguém próximo, e “morreu” para alguém que não conhecemos pessoalmente. Falecer é uma tragédia, morrer é uma casualidade. Enfim, ela era mais nova que eu. Passou mal, foi ao hospital e, horas depois, estava morta. Deixou marido e dois filhos pequenos. Como se preparar para isso? Impossível. Sabemos que vamos morrer um dia, mas não temos ideia de quando, como, onde ou por que.

E aí chegamos onde eu queria. Cada vez mais eu acredito que outro sentimento nos difere dos animais: a esperança de que o amanhã seja melhor.

Enquanto o leão espera somente pela gazela do almoço – e a gazela, por sua vez, espera escapar do leão mais um dia – nós queremos mais. E talvez isso esteja diretamente ligado à ideia de sabermos que vamos morrer (ou falecer, a esta altura do campeonato tanto faz) um dia. Como sabemos que um dia tudo irá acabar, nós queremos o máximo do dia seguinte, também porque a simples ideia de que haverá um dia seguinte é bastante confortável, dá a impressão que a morte não está na próxima esquina.

Nós somos gulosos. Não basta apenas uma gazela. Precisamos da gazela, mas também de dinheiro, conforto, saúde, amor, amigos. A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte, a gente quer fazer amor, a gente quer saída para qualquer parte.

A gente quer inteiro e não pela metade.

Mas a gente nunca pode ter o inteiro. Talvez tenhamos mais que a metade em alguns momentos, mas nunca é o inteiro. Consegue algo aqui, descobre que falta algo ali; para cada pequena vitória, uma derrota está esperando para pular na sua frente. Por isso que às vezes nós escolhemos não o que queremos ter – porque nós queremos ter tudo – mas sim o que podemos ter.

Sonhamos o tempo todo com o que queremos, mas temos mesmo aquilo que podemos. E só.

Na verdade, é isso que é a vida. Um conjunto de decisões com o objetivo de ser feliz no dia seguinte. O problema é que, se cada decisão resulta num caminho a ser seguido, implica também num caminho a ser abandonado. Por isso que não é fácil escolher, já que se morre – e se mata – um pouco a cada decisão. Se entre “A” e “B” você escolhe o primeiro, toda a pessoa que você seria – ou ao menos poderia ser – caso escolhesse B, automaticamente morre. Assim, você tenta fazer o melhor possível de “A”, e muitas vezes não tem certeza de que escolheu o certo.

E, no meio do caminho, não se preocupe, que ainda vão surgir “C”, “D”, “E”... Às vezes surgem dezenas de decisões de uma só vez, como se ela combinassem uma blitzkrieg para cima de você. É quase uma tempestade de areia, em que você não vê mais caminho algum, não faz mais ideia para onde está indo.

Se este blog fosse de auto-ajuda, eu diria a vocês que a melhor saída é se sentar um pouco, abaixar a cabeça e proteger os olhos, esperando que a tempestade diminua – desde não exista um tigre atrás de você, porque muitas vezes têm – e você consiga enxergar o que tem à sua frente. Mas este blog nunca se propôs a isso, e sabe – e respeita o fato de – que cada um tem seu jeito de lidar com as coisas.

Basicamente, a vida é uma prova que não estava marcada e cuja matéria você apenas tem ideia, nunca estudou a fundo. Chega a ser cômico: você precisa aprender enquanto faz, mas, ao mesmo tempo, você precisa tirar a maior nota possível enquanto aprende. Justo? Não é. Mas ninguém nunca disse que seria.

Isso sem falar que nós nem conseguimos saber ao certo o quanto nossas escolhas influenciam nosso futuro. Há aqueles que acham que elas ditam nosso destino; há aqueles que crêem que tudo está previamente escrito, e nada do que fizermos pode alterar isso. Ou seja, na prova da vida, além de não sabermos direito a matéria, não temos conhecimento nem de quanto vale cada questão. Aliás, não sabemos nem a duração do exame, porque de repente o sinal toca e o teste acaba. Assim, do nada.

E, quando você entrega a prova, vê que deixou muita coisa para trás e levou muita coisa consigo, podendo apenas esperar que tenha feito as escolhas corretas. E aí vem a má notícia de verdade: nós não sabemos qual foi a nossa nota na prova. Nós não fazemos ideia do quanto tiramos – pode ser zero, pode ser dez – e não recebemos a prova corrigida para vermos onde erramos, e tentar de novo caso nota tenha sido baixíssima. Não. Acabou, acabou. Nada de tentar de novo.

Se por um lado isso torna a coisa mais injusta ainda, por outro é libertador. Afinal, se você não fica sabendo sua nota, não importa mais se você foi bem ou não. Não tente tirar a maior nota da sala, nem se preocupe com a nota daquela pessoa que parece saber todas as questões, porque ela também não irá saber quanto tirou (e talvez a prova dela seja totalmente diferente da sua).

Assim, uso como regra o mesmo conselho que minha mãe deu logo antes de eu prestar vestibular: “faça o que você sabe e vai ser suficiente para eu me orgulhar de você”. Então, creio que o segredo é apenas tentar fazer uma boa prova, resolvendo as questões que você não sabia e não se sentindo um imbecil por deixar outras em branco.

E “fazer uma boa prova” significa também escolher o lugar que você irá se sentar – se sua carteira é confortável, se o seu lápis está com ponta... E mais importante ainda, quem está ao seu lado. São pessoas que lhe passarão cola caso num momento de dificuldade? São pessoas por quem você pararia de fazer sua prova para sussurrar a resposta de um problema, caso elas precisassem de ajuda?

Caso a resposta seja positiva, você está exatamente onde deveria estar. E isso importa mais que a prova em si.

Afinal, como você não saberá sua nota, na verdade, você não está sendo avaliado. Você está se auto-avaliando. Todos os dias. Você deve satisfações da sua vida a muita gente, mas, no final do dia, quando as luzes se apagam e você pousa a cabeça no travesseiro, a prestação de contas é com você mesmo.

E, perto disso, as outras provas, por mais difíceis que elas sejam, são quase um simulado.


“Tudo o que temos de decidir
é o que fazer com
o tempo que nos é dado.”


(Gandalf – O Senhor dos Anéis)




Como o nome indica, este post é apenas um pensamento em “voz alta”, quase uma sessão de terapia, mas sem a minha psicóloga. E talvez por isso ele seja meio desconjuntado, meio perdido, porque é como estou. Evidentemente, também é um daqueles textos que eu escrevo sem ter a resposta para as questões que eu levanto – quando muito, tenho palpites, mas só.

Logo mais o blog volta ao normal.

13 comentários:

Unknown disse...

Bacana, R.

Obrigada por lembrar dela no seu post.

Bjo

Varotto disse...

Eu não teria pensado melhor (escrito, nem se fala...)

"Life is what happens to you
While you're busy making other plans"

("Beaultiful Boy" - John Lennon)

Anônimo disse...

Rob,
Eu precisava ler isso e não sabia.
Muito obrigada.
Abraços!

Ana disse...

Sempre fico pensando na pessoa que eu poderia ser se tivesse feito "A" e não "B".
E acho que eu passo a maior parte da prova fazendo rabiscos nos cantos do papel, ao invés de ler as questões e acabar logo com isso.

Unknown disse...

Cara, que coisa mais linda. Mistura de empurrãozinho com tapa na cara muito merecido... a gente vai levando de qualquer jeito e quando vê, acabou. Será que vale se matar no trabalho, em tantas coisas, às custas do nosso tempo? Eu também precisava ler isso, muito obrigada.

.a que congemina disse...

Que texto lindo, Rob. Cheio de verdades que muitas vezes a gente nem quer ver. Gostei, gostei [mas chorei também].

Hydrachan disse...

Engraçado como você se encaixa num pequeno grupo de pessoas que me disseram palavras extremamente parecidas nos últimos dias.
Sabe... Eu não me preocupo com a prova, não me preocupo com a nota, nem quero saber quais serão as próximas questões.
Tampouco me importo se as outras escolhas eram melhores, ou piores, do que as que eu fiz.
O que interessa é que fiz essas escolhas e ponto. Agora, bola pra frente, porque eu quero que a vida me surpreenda! =D

Não sei por quanto tempo eu vou viver, mas enquanto estiver viva, quero me certificar de que vai ser divertido, e que vou aproveitar ao máximo tudo o que puder.
Não estou falando de pular de asa delta, ou escalar uma montanha. Não acho que sejam necessárias coisas extremas para fazer a vida valer a pena. Só quero viver, sem me preocupar com o futuro, ou com o passado. Apenas viver.

E quando eu morrer, vou ter certeza de que não desperdicei um minuto sequer apenas me preocupando.

=)

rbns disse...

No "como se elaS combinassem" falta um S.
No "desde QUE não exista um tigre atrás de você" falta um QUE.

Bjs.Rbns.

Otavio Oliveira disse...

retuito o varotto.

tb n tenho mais a acrescentar. belas palavras.

Anônimo disse...

Não sei por onde começar o comentário. Sabe quando o texto causa impacto (positivo) na gente? Pois é, esse silêncio. É chato porque eu adoraria dizer que amei, concordo, penso nisso, esse texto é minha alma gêmea, etc, mas isso seria tão clichê!

Fabiana disse...

"Não tente tirar a maior nota da sala, nem se preocupe com a nota daquela pessoa que parece saber todas as questões [...]"

'tô tentando, 'tô tentando. : (

Unknown disse...

Esse texto me lembrou muito das coisas que ouvi do meu pai quando ele descobriu que tinha uma doença sem cura/tratamento e com uma expectativa de vida bem curta.
Não posso dizer exatamente o que ele pensava quando estava sozinho, enclausurado nos próprios pensamentos. No início, o que ele sempre dizia pra gente é que não queria viver, mesmo que pouco, na espera de que o dia seguinte fosse o último. Até porque ele se recusava a acreditar nisso, limitando todos os seus planos e sonhos.
Com o passar dos meses e da evolução da doença, acho que ele começou a encarar de forma mais clara esse "fim". Mas nem por isso deixou de acreditar e de ter esperança no amanhã (ou de viver com vontade).
E assim ele foi até partir, deixando pra gente uma verdadeira lição sobre esperança e vontade de fazer o dia seguinte tão bom ou melhor que hoje, independente do quanto a vida esteja ruim. Porque tenho certeza de que ele foi embora com a sensação de que se esforçou o quanto deveria nas provas e tirou boas notas em grande parte do tempo. :)

Unknown disse...

Ps.: desculpa o desabafo aqui. :P
E que logo mais vc esteja pronto pra continuar outras provas, fazer novas escolhas e achar algumas respostas!