3 de fevereiro de 2011

Brilho Eterno de um Mentos sem Lembrança

Atravessei a rua correndo e cheguei ao boteco aqui em frente à redação desesperado. Tudo o que eu queria era um chocolate, mas o motivo da minha pressa era outro: a chuva.

Em questão de segundos, iria chover. Muito. O céu de Pinheiros estava tão negro que se houvesse uma filial da Ku-Klux-Klan nas redondezas, seus diretores certamente já teriam emitido uma reclamação formal à prefeitura alegando falta de respeito com suas crenças.

Até aí, tudo bem, já tomei chuva antes. Aliás, uma das melhores lembranças da minha adolescência era jogar bola na rua durante tempestades. O problema é que com o braço engessado não posso me dar a este luxo, já que qualquer garoa pode me transformar em uma espécie de Sonrisal andando pelas ruas, especialmente porque eu não tenho o hábito de andar com um saco plástico no bolso.

Ou seja, eu me tornei uma espécie de Cascão. Basta eu ver uma nuvem preta no céu que preciso correr para algum lugar coberto, e me encolho ali tremendo de medo. E como São Paulo está na época das monções, estou até mesmo pensando em levantar o assunto com minha psicóloga, já que eu passo os dias olhando os céus e tendo ataques de pânico.

Então, imagine o desespero que senti quando, no limiar da tempestade, entrei no boteco e dei de cara com ninguém menos que a proprietária, atrás do balcão.

Quem é mais antigo aqui no blog deve-se lembrar dela (sobretudo pelo post que satirizava Star Trek). Aos mais novos, explico: ela é tão devagar que chega até mesmo a desafiar as leis da Física, criando uma espécie de bolha temporal dentro do bar. Funciona assim: você entra, pede uma Coca, bebe sua Coca e paga. Tudo isso em cinco minutos. Mas, quando você sai, descobre que, no mundo real, se passaram mais ou menos seis dias – e para completar ela ainda deu o troco errado.

Sem exageros, se ainda vivêssemos nos anos 80, com a inflação galopante, o período de tempo entre você pedir a Coca e ela entender o que você deseja seria suficiente para o preço do refrigerante subir uns 80%.

Como se não bastasse ter a velocidade média inferior a de uma árvore, ela ainda tem o mesmo poder de concentração de uma criança hiperativa brincando com um caleidoscópio. O cérebro dela é um emaranhado de pop-ups que vão abrindo (com a velocidade de um 286, com conexão discada) e se amontoando sobre o diálogo.

E, às vezes, ela simplesmente trava e fica olhando para você, com uma interrogação se desenhando lentamente em seu rosto. Uma duas vezes eu cheguei a ter o impulso de segurar o pulso dela e dar uma chacoalhada, pois ela entra em modo de economia de energia frequentemente.

Então, se você é novo no blog, agora você tem bagagem para entender isso, então repito o que disse acima: “imagine o desespero que senti quando, no limiar da tempestade, entrei no boteco e dei de cara com ninguém menos que a proprietária, atrás do balcão.”

Pensei em mudar de ideia (mesmo porque seria mais fácil eu iniciar uma plantação de cacau e começar a fabricar meus próprios chocolates) mas, como eu já estava ali, resolvi arriscar a sorte.

Assim, me aproximei do balcão e disse:

– Oi. Eu queria um Charge.

– Você gosta de Mentos?

Foi neste momento que minha sorte soltou um “Desisto!”, apagou a luz da sala e foi embora, decidida a tirar o resto do dia de folga e repensar toda sua vida profissional.

– Oi?, foi tudo o que eu consegui dizer.

– Você gosta de Mentos?

Confesso que nunca pensei muito sobre o assunto, mas fiquei com receio de assumir isso. Aquilo parecia ser importante para ela.

– Sei lá. Acho que sim.

– Eu comprei uns novos, você viu?

– Não vi... Posso ver depois?

– Tem esse preto aqui, que é...

Ela pegou a embalagem de Mentos e começou a analisá-la minuciosamente, procurando por algum indicativo do sabor. Para os neurônios dela, provavelmente o Mentos preto era uma espécie de monólito do 2001 – Uma Odisséia no Espaço, que causaria todo um salto evolucionário dentro do seu cérebro. Em pouco tempo, seus neurônios conquistariam o espaço. Antes que eu pudesse sugerir que ela mudasse o nome do estabelecimento para Bar e Lanches HAL 9000, ela concluiu:

– Não sei o sabor dele. Mas é esse preto aqui.

Podem ignorar aquela parte do salto evolucionário. Aparentemente, eles permaneceriam macacos para sempre, sem entender o que era aquela enorme pedra negra com a inscrição Mentos. E passariam a eternidade ouvindo Assim Falou Zaratustra e tentando escapar do leopardo que mora ali perto.

– Olhe, eu estou com um pouco de pressa...

– Qual será o sabor deste Mentos preto?

– O céu está preto também, você viu? Talvez seja sabor nuvem.

Sei que não foi uma grande frase, mas eu precisava introduzir o assunto “chuva” na conversa de alguma forma. E urgentemente. Tudo o que eu consegui, porém, foi que a atenção dela se voltasse para outro Mentos, com a embalagem meio roxa.

– Tem esse aqui de Uva com...

– Charge, você tem? O chocolate?

– Com... Com...

– Com pressa?

– Não, acho que é com limão.

Era inútil. Ela estava aprisionada num mundinho próprio, formado por Mentos de todas as cores e sabores.

– Olhe, eu juro que experimentarei todos um dia. Mas o Charge...

– Nossa! Isso foi um trovão?

Obrigado, Poderoso Thor, por chamar a atenção dela. Te devo uma.

– Isso! Foi um trovão! Isso!

– Acho que vai chover...

Se ao invés de procurar por Noé, Deus tivesse decidido falar com ela, o Dilúvio teria durado uns 300 dias. 260 dias para ela entender o que iria acontecer e construir o barco, e 40 dias de chuva. Isso sem falar na zona que ela faria com aquele negócio de reunir os animais - imagine ela andando pela arca berrando coisas como "alguém viu os castores?", sem ter resposta alguma. Mas aproveitei minha deixa:

– Sim. Vai. Vai chover. Muito. Inclusive...

Esta minha última resposta foi acompanhada de um gesto: enquanto eu falava, levantei o braço direito e apontei o gesso com a mãe esquerda. Não tinha como ser mais óbvio.

Mas foi em vão. A informação climática fez soar algum alarme na mente dela. Assim, sem grandes cerimônias, ela se virou para dentro do bar e gritou para qualquer funcionário que estivesse nas imediações:

– Tem que recolher as cadeiras! Vai chover!

Ninguém respondeu, mesmo porque ela parecia estar sozinha no bar. Mas não dei atenção para isso, pois, assim que ela disparou a ordem aos seus comandados invisíveis, voltou-se para mim e sorriu:

– Oi.

Aparentemente, seu cérebro havia reiniciado por algum motivo e estava abrindo todos os programas novamente. Aproveitei que eu era a bola da vez e dancei conforme a música.

– Oi. Tudo bem? Eu queria um Charge.

Ela me entregou o chocolate e pegou as moedas que joguei no balcão. Seus olhos brilharam. O balcão é de vidro e, ao olhar as moedas, ela avistou os Mentos ali, e claramente seus neurônios detectaram alguma importância naquelas balas. Alguma coisa fazia aquelas embalagens terem um significado enorme para ela.

E foi assim que ela entrou em transe novamente.

Eu saí correndo de volta para o prédio, sentindo as primeiras gotas de chuva. Já comi o chocolate, já choveu, já parou de chover... E aposto que ela ainda está paralisada, tentando entender o que são aqueles Mentos.

Ou ao menos descobrir qual o sabor do Mentos preto.



16 comentários:

Unknown disse...

lembro até hoje o dia que estávamos o japa e eu esperdo sermos atendidos, ela tava no telefone enquanto ninguém nos atendia e falava: Não, sou empresária! Isso, empressária!"

O japa ficou puto, saiu pisando duro e dizendo: "Empresária. pfff... que minimalista!"


hahahahahaha


saudade até dessa joça de "p...a c...e", vulgo a lanchonete da esquina

Tyler Bazz disse...

AHUAHUAHUAUHAHUAHUAHU
É um mundo totalmente novo pra ela!

Imagina como não foi difícil a adaptação quando a Pan teve que trocar os cigarrinhos de chocolate por, veja, LÁPIS de chocolate.

O trauma deve ter sido grande!

Kobus disse...

Eu PRECISO saber onde fica esse boteco e fazer uma visita! Sério!

Climão Tahiti disse...

Tenho medo desse bairro.

Jandir Jr. disse...

"Como se não bastasse ter a velocidade média inferior a de uma árvore, ela ainda tem o mesmo poder de concentração de uma criança hiperativa brincando com um caleidoscópio. O cérebro dela é um emaranhado de pop-ups que vão abrindo (com a velocidade de um 286, com conexão discada) e se amontoando sobre o diálogo."

Chorei de rir nessa parte! HAHAHA!

Leandro disse...

HAHAHAHAHHAHAHA...

Muito bom !!!

Eduardo Trindade disse...

Incrível.
Tuas crônicas merecem uma agência de viagens. Uma que fizesse um roteiro "pela São Paulo de Rob Gordon". Lugares como este bar nos instigam... Há gente que visita até o túmulo de Evita, não? Pois eu seria o primeiro da fila no teu "city tour"!
Abraços!

Patrícia Lerbarch disse...

Fecho com o Eduardo, seria mesmo muito bom fazer um tour pela São Paulo de Rob Gordon. Estou na fila de embarque.

Bjo, adoro ler vc.

Varotto disse...

Na história do monolito do mentos, ou Monolentos, você ainda deu sorte dela não jogar um fêmur na sua cabeça...

Unknown disse...

hahahaha

Enquanto isso, numa galáxia distante, ela ainda tenta se conectar com a embalagem de Mentos,

Anônimo disse...

A idéia do Euardo é perfeita! Qndo começarem as reservas avisa viu Rob.
PS. Comprei o 'Anônimos e Urbanos' e estou ansiosíssima pela chegada dele.

Lari Bohnenberger disse...

Puta que pariu! Desculpa, às vezes eu me esqueço que isso aqui é um blog de família! Mas é que eu dei tanta gargalhada aqui, que tô agradecendo a Deus por estar sozinha em casa, senão já teriam me posto pra dormir na rua. São 03:45 da manhã, hehe! Fiquei imaginando ela reiniciando sem motivo aparente e depois entrando em transe ao encarar os mentos...

Bjs!

Mari Hauer disse...

Juro que quando ela falou que precisava recolher as cadeiras, ela ia te pedir ajuda, mesmo tendo visto o gesso! HAHAHAHA... ainda bem que foi só um reboo, ela reiniciou e vc conseguiu o Charge.

Morri de rir, ainda bem que só leio o Champ de casa, pq te dizer, viu...

Alessandra Costa disse...

Você tem noção do quanto consegue fazer uma pessoa rir? Não, você não tem noção. Estou parecendo uma louca aqui de tanto dar risada.
Um dia ainda quero conhecer esse boteco, mas pelo jeito é melhor ir com bastante tempo né, rs.
Realmente, esse texto mudou meu dia, obrigada.

Dúh disse...

ri demais ! muito bom ! parabéns

Anônimo disse...

Hahaha Impressionante. Me acabei de rir aqui.. Essa criatura realmente existe? Muito bom!