30 de dezembro de 2014

Af Flores da Minha Fogra

Era dia 24 de dezembro e eu saí para comprar flores.

Isso porque minha sogra comemora seu aniversário justamente na véspera do Natal. Assim, a Esposa pediu para que eu saísse e comprasse flores para ela. Na véspera, ela já havia me dito qual eu deveria comprar.

– Hortênsia. Não esquece.

– Hortênsia. Fácil.

– Não vai esquecer?

– Não, é só me lembrar de basquete. Basquete. Hortência. Pronto.

Assim, eram pouco mais de dez horas da manhã eu estava entrando em uma floricultura aqui ao lado. Na verdade, existe um polo de floriculturas aqui ao lado, por causa do cemitério da Vila Mariana. Ou seja, era impossível eu não encontrar uma hortênsia. Entrei na primeira.

– Você tem aí Magic Paul... Não, espera. Era a outra. Hortência. Você tem Hortênsia?

– Não.

Entrei na segunda.

– Você tem hortênsia?

– Não. Aquela ali com parede roxa deve ter.

Entrei na floricultura de parede roxa.

– Você tem hortênsia?

– Não. Você vai encontrar naquela com porta amarela.

Comecei a ficar de saco cheio. O que devia ser uma simples compra de flor estava se transformando em uma caça ao tesouro. Entrei na floricultura de porta amarela já esperando encontrar uma pista como “sua busca por uma flor o levará ao muro, que mostrará o caminho para o mundo indivisível” ou qualquer outro texto sem sentido que poderia ser escrito pelo Mestre dos Magos ou pelo Humberto Gessinger.

Mas na verdade, fiquei surpreso ao encontrar a mesma pessoa que me indicou a floricultura de parede roxa. Eu já havia entrado naquela floricultura. Ou seja, eu estava andando em círculos. Era hora de romper o ciclo.

– Oi. Você tem hortênsia?

– Não. Aquela ali com par...

– A da parede roxa não tem.

– Não?

– Não. Eu já fui lá.

– Ah... Bom, sei lá. Tenta nessa aqui do lado, então.

– Certo.

Entrei na tal loja ao lado e me vi numa espécie de colagem com os melhores momentos de Seinfeld. Primeiro, o dono da floricultura não estava ali. A loja estava deserta. Mas, de repente, ele surgiu atrás do balcão, me dando bom dia no melhor estilo “hellooooooooo” (se você não sabe do que estou falando, clique aqui). Segundo, ele era a cara do Soup Nazi (se você ainda não sabe do que estou falando, clique aqui).

– Em que pofo ajudá-lo?

– Oi?

– O que vofê deveja?

Língua presa. O Soup Nazi era, na verdade, um Foup Navi. Olhei no relógio. Eu estava há quarenta minutos tentando cumprir uma tarefa que pessoas normais fariam em cinco minutos. Assim, resolvi tentar.

– Você tem hortênsias?

– Hortênfiaf? Claro! Tenho hortênfias lindaf, acabaram de fegar!

– Ah, que bom. Posso ver?

– Ora, elaf eftão aí do feu lado!

– Oi?

– Af hortênfias eftão do feu lado.

– Ah.

Olhei para o lado e descobri vasos de todos os tipos do meu lado. Rosas. Girassois. Petúnias. Crisântemos. Flores do campo. Margaridas. Begônias. Tulipas. Orquídeas. Vasos e mais vasos de todas as cores e tamanho. Uma pessoa que entendesse do assunto certamente teria encontrado as hortênsias ali, mas o problema é que para mim, todos os vasos tinham flores da mesma espécie que, por coincidência, tem justamente o nome de flor.

Ok, eu conheço rosas e margaridas (e parto do princípio que um vaso com muitas flores diferentes e coloridas sempre são flores do campo), mas não sou especialista a ponto de saber a diferença entre uma hortênsia e, por exemplo, uma violeta.

Assim, fiquei olhando para a parede com cara de interrogação, esperando uma das flores pular do vaso, correr na minha direção abanando o caule e lamber minha mão gritando “sou uma hortênsia, me leve para casa com você”, mas nada disso aconteceu. Assim, o Flower Nazi veio me ajudar. Se aproximou de mim e apontou um vaso com flores azuis.

– Efta aqui é uma hortênfia. Linda, linda.

– Ah. Entendi.

– Maf eu tenho efa outra aqui também.

Após dizer isso, ele foi até o balcão e pegou um vaso. Com flores lindas... E vermelhas.

– Olha efa como eftá linda.

– Mas isso é hortênsia?

– Fim.

– Mas ela é de outra cor. Isso pode para hortênsia também?

– Claro.

Foi quando eu lembrei que, em algum momento da minha vida, a Esposa comentou comigo sobre isso. Ela disse algo como “as cores da hortênsia dependem do PH da terra”, que deve ser o correspondente botânico de “o macho da drosófila não pratica crossing-over”, que é uma frase que os professores de biologia repetiam no colegial inteiro como um mantra, mesmo que o assunto da aula não fosse o macho da drosófila ou crossing-over.

Ou seja, é um daqueles ensinamentos que parecem fofoca das outras moscas (ou, no caso do PH, das hortênsias) e que não fazem sentido algum – francamente, o fato do macho da drosófila não praticar crossing-over me diz apenas que ele jamais vai participar de histórias junto com os heróis da Marvel ou da DC (mas não impede que surja uma série de ilustrações com as princesas Disney vestidas de macho da drosófila, porque aparentemente as princesas Disney podem ser qualquer coisa, até mesmo um bicho que não pratica crossing-over).

– Qual vofê vai levar?

– Ah, desculpe, eu estava distraído, respondi, guardando a Pocahontas vestida de mosca num canto do meu cérebro e me concentrando nas flores.

Pois agora eu tinha um problema. Minhas instruções eram duas: comprar hortênsias e as mais bonitas. Ninguém havia falado nada sobre as cores. Pensei em dizer ao Flower Nazi que eu era daltônico e que ela melhor ele escolher, mas algo me dizia que a margem de erro disso seria grande. Assim, fiz o que qualquer macho-alfa faria numa situação dessas: respirei fundo, estufei o peito e, sem titubear, liguei para a Esposa em busca de socorro.

– Tem duas hortênsias aqui. Uma azul e uma vermelha.

– NÃO É VERMELHA! É PINK!, corrigiu o Flower Nazi do meu lado, provavelmente já ensaiando me chutar da floricultura gritando que “no flower for you!”

– Desculpe, Pink. Tem uma azul e uma pink. Qual eu levo?


– Mas elas estão bonitas?

– Sim. Qual eu levo?

– Elas são de quando?

– Por favor, eu preciso somente de uma cor. Azul ou Ver... Ou Pink?

– Traz azul.

Desliguei e avisei o Flower Nazi disso. Eles fez um embrulho enquanto me contava toda a história das hortênfias ao longo dof féculos, de como elaf fão floref delicadaf maf, ao mefmo tempo, reviftentes, e que fe eu quivefe plantar elaf no jardim não teria problema algum. Eu agradeci, paguei e fui embora.

Ou melhor, tentei ir. Porque o arranjo era tão grande que ele tapava totalmente meu rosto e eu não conseguia enxergar nada à minha frente. Tudo o que as outras pessoas da rua enxergavam era um vaso de hortênsias gigantesco e mutante, que havia criado pernas e estava fugindo da floricultura em direção à Lins de Vasconcelos.

Assim, fui esbarrando nas pessoas, derrubando velhinhas e atropelando crianças, pedindo desculpas... E segui meu caminho ouvindo risadas, xingamentos, reclamações e um zumbido. Logo, as reclamações e xingamentos pararam e sobrou apenas o zumbido. Que vinha das flores. Abaixei um pouco o vaso e dei de cara com uma abelha, se regozijando dentro das hortênsias.

Eu olhei para ela.

Ela olhou para mim.

O tempo congelou. O único som que se ouvia era o do vento. Eu e a abelha nos encaramos, esperando por qualquer sinal de movimento brusco do adversário. Ao menor movimento que eu fizesse, a abelha me picaria no rosto. Ao menor movimento da abelha, eu jogaria o vaso num muro e voltaria para casa dizendo que fui assaltado e roubaram as flores. Nossos olhos se estreitaram. Senti uma gota de suor descendo pelas minhas costas. Mas somente um de nós dois sairia vivo ali. Mas, sem armas, precisei jogar sujo.

– Eu sei que seu macho pratica crossing-over, eu disse.

A abelha olhou para mim com desprezo e chegou à conclusão que eu não valia a pena. Assim, ao invés de me atacar, saiu voando, provavelmente para não ser vista em público ao meu lado pelas outras abelhas. Ou para chamar reforços.

Voltei para casa o mais rápido que consegui. A Esposa achou as flores lindas. E, à noite, a sogra ficou muito feliz também.

– Que hortênsias lindas!

– Gostou? Eu que escolhi.

– A cor delas é linda!

– A senhora sabia que é o PH da terra que determina a cor das hortênsias?

Ela olhou para mim sem entender nada.

– É sim, é o PH da terra. Deixe só eu pegar um uísque e eu vou lhe contar sobre o macho da drosófila. É uma história bem bacana.

6 comentários:

Cesar da Mota Marcondes Pereira disse...

E o cotidiano, mais uma vez, traz uma história divertidíssima dos seus dias!
Forte abraço e um excelente Ano Novo, Rob!!!

Marina disse...

Adoro a parte que o macho-alfa liga pra mulher pra tirar dúvidas. Sempre tem essa parte. Hahaha!

Unknown disse...

É o que eu digo: uma coisa prosaica como uma compra de flores vira uma tremenda crônica! Muito bem, Rob! Continue assim!

Juba disse...

"Regozijando" é bem apropriado à data...

Anônimo disse...

Eu conhecia hortências. Dei uma dessas, plantada em meu quintal, pra minha professora da terceira série. Hoje estou com 44 anos, hahaha, mas lembro, pois a professora (Tia Jussara) gostou.

Tiê

Alexandre Rigotti disse...

Daltonicos rules!!