Estava no boteco, bebendo uma Coca, quando começou a
gritaria.
Aliás, gritaria em boteco é um negócio estranho, que não
obedece às leis da Física. Toda gritaria normal tem um momento inicial
definido. Numa gritaria na rua, no escritório, ou em casa, existe um Grito-D
específico que dá início a outro grito, que leva a outro grito, formando a
gritaria. Não importa o assunto, ela começou com um berro.
Mas, num boteco, não há um grito inicial. As pessoas estão
conversando, mas os ânimos esquentam, o tom começa a subir e de repente você está
no meio de uma gritaria que há dois minutos não existia, mas que ao mesmo tempo
parece que sempre esteve ali e você que não tinha reparado.
A do boteco foi assim. Quando eu me sentei, o bar estava em
silêncio. Quando eu estava na metade da lata de Coca, percebi que as pessoas
estavam gritando sabe-se lá há quanto tempo no bar. E o assunto era política.
- Então vota no PT! Quer fazer merda? Então vota no PT e não
enche o saco!
Quem disse isso foi um sujeito que, com alguns minutos,
aprendi que atende pela alcunha de Alemão. Suas propostas eram claras: Alemão é
daquelas pessoas que é “contra tudo isso que está aí”, mas seu tom raivoso
mostrava que se estourasse uma guerra civil, ele seria o primeiro a pegar em
armas. Mas não para derrubar o poder, e sim nocautear seu adversário com uma
coronhada e beber em paz.
Seu adversário permanece um mistério para mim. Tinha uns 60
anos. Negro. E foi só o que consegui decifrar. Não consegui entender seu nome,
muito menos quais propostas ele defendia, e não porque seu raciocínio era
confuso, mas sim porque ele era fanho, e parecia ter alguns problemas com os “r”,
os “t”, os “d” e os “p”.
- Eu vo’o em que eu quise’! Eu ‘enho esse ‘i’eito! E mesmo
assim vota’ não a’ian’a na’a! Que se fo’a-se!
(Sim, que “se foda-se”.)
- É porque você pensa assim que o país tá uma bosta! Sabe
como as pessoas votam? Elas pegam o santinho no chão e escolhem o candidato
assim!
- E o que você que’? Vai vo’a’ em quem?
Achei a pergunta bem colocada. Bem colocada e objetiva.
- É tudo uma bosta! O país tá uma bosta!
Bom, o Alemão aparentemente conhece a primeira regra da
política, que implica em não responder com clareza. Numa situação normal, isso
o colocaria em vantagem. Mas, como o problema fonético do seu adversário fazia
com que ele nem mesmo perguntasse com clareza, o debate prometia ser equilibrado.
Aliás, naquele momento eu apostaria no Fanho.
- O que você ‘efen’e?
- Como assim?
- O que você ‘efen’e?
- Não entendi!
Eu também não.
- O que você ‘efen’e? O que você que’?
Ah! “O que você defende?”. Entendi. Mas como não era comigo fiquei
quieto – caso seja do seu interesse, naquele momento eu defendia que aquele
debate durasse horas – e deixei a resposta para o Alemão.
- Como assim, o que eu quero?
- Se eu p’ome’’e’ aqui que vou a’’uma’ sua vi’a, vou ‘a’ ‘inhei’o!
Você vo’a nimim?
- Não!
- Eu vou ‘a’ ‘inhei’o p’a você! Vai vota’ nimim?
Se a pergunta fosse para mim, provavelmente eu perguntaria
se posso pegar minha parte em quadrinhos. Mas o Alemão não gostou do rumo que a
conversa estava tomando. Sua integridade estava sendo discutida.
- Não! Porque é dinheiro sujo! E dinheiro sujo eu não quero!
Em sua réplica, o candidato Fanho elaborou uma reposta que
provavelmente estabeleceu o recorde de maior número de letras “d”, “t”, “r” e “p”
reunidos no mesmo lugar, porque eu não entendi absolutamente nada (entendi
apenas um “i-i-ica”, então desconfiei que ele estava imitando um rato). Mas o
alemão me ajudou ao gritar:
- Tiririca!?
I-i-ica. Tiririca. Eu devia ter pensado nisso.
- I’i’ica! Isso mesmo!
- Você vota no Tiririca!
O tom do Alemão era claro: ele estava tentando desqualificar
seu adversário, com aquele ar de “você vota no Tiririca, então sua opinião não
vale”. Eu continuei bebendo minha Coca, escutando e torcendo para que o Fanho
não tentasse trazer a Petrobras para a conversa. Não por causa da situação da
estatal, mas sim porque ele cuspiria no bar inteiro ao falar o nome da empresa.
- Ele fez seis ‘’oje’os!
- Tiririca!
- Seis ‘’oje’os! Mais que você!
- Tiririca!
- ‘i’i’ica sim!
- Esse país não é sério!
Bom, nisso eu concordo com o Alemão.
- O que você que’? O que você que’ ganha’?
- Eu quero igualdade!
- Igual’a’e não exis’e”!
- Eu quero igualdade!
- Po’ exemplo, eu sou Á’ies! E você?
Oi?
- Oi?
- Seu signo! Eu sou Á’ies! E você? Você é de á’ies?
- Não!
- Tá ven’o? Nunca vai ‘er igual’a’e!
O argumento foi demais pra mim. Levantei e fui até o caixa pagar
a Coca. Paguei e o dono do boteco resmungou que:
- Esses imbecis ficam discutindo política no bar. Enche o
saco isso.
Sorri e agradeci.
E saí do bar disposto a me informar mais sobre o dono do bar
e suas propostas. É sempre bom ter uma terceira via. Especialmente uma que
parece enxergar a realidade de trás do balcão.
2 comentários:
Qualquer fã de quadrinhos sabe que o candidato negro é com certeza o pirata fanho das histórias do Asterix!
Esse debate foi mais legal que o da globo!
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