“E se tentássemos Blues?
Daqueles antigos e empoeirados,
que ninguém ouve mais?”
Daqueles antigos e empoeirados,
que ninguém ouve mais?”
Foi meses atrás, poucos dias após o lançamento do Anônimos e Urbanos.
Eu ainda estava totalmente mergulhado na publicação do livro. Minha vida, á época, era bastante diferente de hoje. Eu ainda trabalhava dentro de uma redação e era lá de dentro que eu divulgava o livro, conversava com leitores e dava entrevistas para outros sites e blogs. Tudo isso enquanto trabalhava.
E foi nesta época que um leitor falou, no Twitter, que muitos dos meus textos (especialmente os do Chronicles) eram bastante parecidos com o trabalho que o Mario Cau fazia com sua série Pieces.
Olhem, se um dia este texto for publicado numa edição luxuosa e com capa dura, daquelas vendidas na seção de arte das livrarias, prometo que serei mais elegante na introdução e escreverei nesta parte do texto, que “aquilo certamente foi um sinal, pois eu e o Mário já havíamos conversado diversas vezes e sempre tínhamos pensado em fazer algo junto”. Mas, como estamos entre amigos, eu posso ser sincero: eu não conhecia nem o Mário nem o Pieces.
Assim, fui atrás para conferir. E fiquei meio chocado com o que vi. Como alguém podia comparar o que eu escrevia com aquilo?
Basicamente, eu me via apenas como alguém que estava brincando de escrever – e ainda me vejo assim a maior parte do tempo – enquanto o Mario estava criando mundos inteiros, habitados por personagens absurdamente reais e desenhados de uma forma que me fazia ficar admirando cada detalhe a ponto do meu cérebro se esquecer de ir para o quadrinho seguinte (este trecho ficou bonito e vou usá-lo também na introdução do livro, daqui a alguns anos, mas esta parte é verdade, juro).
Ganhei meu dia.
Mas o dia ainda não havia terminado. Logo depois, vi o Mario Cau falando (também no Twitter) que conhecia meu trabalho e havia acabado de comprar o livro. Neste momento eu desliguei o computador e fui para casa dormir, com medo de estragar o resto do dia.
Claro que começamos a conversar em algum momento das semanas seguintes. E claro que a ideia de produzirmos algo em parceria surgiu cinco minutos depois. E o Mário já tinha até mesmo tudo pronto dentro da sua cabeça: a história de um jovem comum e parecido com qualquer jovem de uma grande cidade (basicamente, um “anônimo e urbano”), que leva uma vida perfeita, com família, namorada e faculdade, a não ser por um detalhe: ele não se sente feliz e discute todos os aspectos de sua rotina com um terapeuta, em busca de respostas para perguntas que ele nem sabe ao certo quais são.
O nome não poderia ser mais direto: Terapia.
A ideia era um projeto que o Mario estava começando a desenvolver com a Marina para o site Petisco, que publica séries de quadrinhos com atualizações semanais. Quase um misto de quadrinhos com novelas. E eles estavam começando a desenvolver isso quando entrei. Ou seja, o projeto já existia quando eu apareci. Eu fui um mero intruso, entrando de bicão. Mas ao menos tive a delicadeza de entrar ainda no comecinho da festa, e pedindo licença para todos. E tive a delicadeza, também, de avisar o Mário:
– Eu nunca escrevi uma história em quadrinhos na vida.
E era verdade. Eu aprendi a ler com quadrinhos, passei boa parte da minha vida lendo HQs, mas nunca havia escrito uma. Já havia sonhado diversas vezes com isso, mas nunca havia feito. E não fazia sequer ideia da mecânica da coisa, de como era o processo de trabalho.
E, mais importante, eu nunca havia escrito algo para o blog em parceria com alguém. Sempre sentado e sozinho, sempre comigo mesmo. Como eu disse acima, brincando de escrever. E, quando o Mario respondeu algo como “não temos regras, vamos escrevendo” eu vi que estava em casa.
A partir daí, começaram as trocas de e-mails e de ideias. Mas a coisa começou a fluir de verdade em dois momentos.
O primeiro foi quando emperramos em um problema. Precisávamos de uma válvula de escape para o jovem, algo que o tornasse único e que fosse sua grande comunicação com o mundo. E nada parecia legal.
Assim, aproveitei que estava numa fase em que ouvia blues o dia inteiro, me identificando cada vez mais com as letras das músicas, e sugeri a frase que abre este post. O blues o tornaria diferente de todos ao seu redor e faria sua intensidade e sensibilidade ganharem sentido. Porque uma pessoa que ouve blues pode não ser sensível, mas uma pessoa sensível cedo ou tarde se apaixona por blues. Com o blues, as páginas ganharam mais vida. Mais emoção. E começaram a fluir, já que o blues encaixou tudo o que ele sentia. O blues se tornou não a trilha da história, mas o clima - quem gosta de blues sabe que isso é possível.
A partir daí, a coisa decolou de verdade, ganhando mais forma ainda quando passei uma tarde inteira tomando com café com a Marina e escrevendo, dissecando o personagem.
A Marina, aliás, é o nosso contato com a realidade. Além de escrever, ela estuda psicologia, o que transforma o nosso segundo personagem mais importante – o terapeuta – em um terapeuta de verdade. Sem ela, a história teria se encerrado depois das primeiras páginas, pois nosso terapeuta já teria seu diploma caçado.
Nesta tarde, eu e ela mergulhamos fundo na história do garoto, montando boa parte do seu passado, tentando entender seus problemas. E, em alguns momentos, eu precisava sair do café para fumar um cigarro e sentia um pouco de pena do garoto. Mas, ao mesmo tempo, eu sentia amor por ele e queria ver ele se sair bem, pois a melhor coisa de brincar de escrever é se apaixonar pelo personagem.
Não sei se ele vai se sair bem. Nós estamos desenvolvendo a história conforme ela acontece e ainda não sabemos como ela vai acabar (sim, já temos muitas páginas escritas, mas estão bem guardadas aqui, na mesa da Marina ou na prancheta do Mário).
Mas tomara que ele, em algum momento, tenha a mesma sensação que tive ao abrir o e-mail algumas semanas atrás e encontrar as primeiras páginas finalizadas e me fez gritar que:
– Cara, eu estou escrevendo uma história em quadrinhos!
Poucas vezes fiquei tão orgulhoso de ver o resultado de algo em participei. Às vezes, eu nem me lembrava de que isso seria publicado e que as pessoas iriam ler. Mesmo com o Mario e com a Marina ao lado, eu, até uns dias atrás, estava fazendo aquilo para mim, sem pensar se vai fazer sucesso ou não. Era um sonho de moleque.
Tomara que o menino encontre esta sensação em pelo menos algumas páginas.
E tomara que vocês também. Tomara que, assim como nós três, vocês se apaixonem por ele, pelo seu mundo, pelos seus problemas – e por suas músicas. Porque ele vai ficar por aí por bastante tempo.
E agora é hora de mostrar a vocês a mecânica da coisa – afinal, não vou fazer o trabalho sujo sozinho. Se eu tive que aprender a escrever quadrinhos, vocês terão que aprender a ler uma webcomic.
Terapia será publicado no Petisco, site que traz outras séries semanais de quadrinhos. Especialmente hoje, por ser o dia do lançamento, a seção Terapia (clique aqui ou no banner lá em cima) ganhará três páginas (enquanto escrevo isso, duas já estão lá). A partir daí, uma nova página será publicada toda quarta-feira, aos poucos formando arcos fechados e apresentando muitos dilemas – e algumas soluções – para o nosso personagem.
Assim, semana a semana, queremos que vocês entrem cada vez mais no mundo deste menino, acompanhando suas dúvidas, paixões e questionamentos. Ouvindo blues, mas ouvindo rock, ouvindo MPB. Nós escolhemos o blues para escrever, mas você pode (e deve) escolher a sua trilha para ler.
E queremos a resposta de vocês a tudo isso. Assim, comentem na página do Petisco, espalhem para os amigos e no Twitter. Como sempre, peço a ajuda dos blogueiros amigos na divulgação. Entrevistas? Informações adicionais? Indicações de discos de blues antigos? Basta gritar no email lá na barra superior do blog. Imagens das páginas ainda não publicadas? Não, nem perca seu tempo, o Mário me mata. Melhor até mudar de assunto antes que ele veja isso.
Mas antes de tudo: queremos que leia. Queremos que leia e conheça um pouco mais do rapaz que criamos. Porque esta história tem um pouco de nós três, mas, como alguém que brincar de escrever, quero que ela tenha um pouco de você também. E posso falar isso também em nome do Mario e da Marina. Afinal, nossa ideia nunca foi transformar a HQ em nossas próprias sessões de terapia – muito menos fazer isso com vocês.
Nossa intenção foi, antes de tudo, criar uma história que valesse a pena ser contada.
Pois não existe melhor maneira de compreender a vida do que contando histórias, algo que estou tendo a honra de fazer ao lado de duas pessoas fantásticas. Algo que estou tendo a honra de fazer para vocês, mais uma vez. E agora com imagens.
E, caso em alguma página o seu cérebro fique admirando um único quadrinho e se esquecendo de pular para o seguinte, não se preocupe.
Aconteceu comigo também.
24 comentários:
Torcendo pra que seja um sucesso! E curiosa pelas próximas páginas. :)
Acho que você deveria usar esse texto mesmo como introdução, quando for lançada a versão em capa dura. Eu me apaixonei pelo menino só com o que você escreveu, por causa do orgulho que você tem dele.
Boa sorte pra vocês três!
Aguardo ansiosamente os próximos quadrinhos.
Poxa, Rob (Mário e Marina), parabéns! Tenho certeza que vem aí um trabalho de muita qualidade e bom gosto. Não vi as primeiras páginas ainda, mas acho que vai ser amor instantâneo, assim como sua descrição do personagem!
Doido para ver esse garoto...
Cara, sem palavras no momento, mas parabéns!
olha, assim como a littlemarininha, acho q esse texto deveria ser usado por você sim! o modo como você descreve tudo dá um ritmo diferente pra coisa...
e sobre os quadrinhos, ainda lerei, mas precisava comentar antes disso...
em todo caso, desejo desde já sucesso nessa nova empreitada sua, do Mario e da Marina(olha eu que íntima, já chamando assim).
beijo, rob =D
Tenho certeza de que será um sucesso!
Parabéns!
Beijos
Muito orgulho irmãozinho!
A tag terapia significa que você vai levar seu divâ pro roteiro?
Aêeeeee!
Que fantástico, Rob!
Não posso falar mais que isso agora, porque tô indo lá ler a HQ. hehe
Parabéns!! _o/
Algo me dizia isso, sexto sentido blogueiro talvez. Amh, não, ok. Mas adorei a ideia e vou ler com muito prazer :) quanto mais comum a personagem, melhor pra gente.
Faz um tempo que quero começar a ouvir blues, mas sou uma total ignorante nisso. Você poderia me indicar um bom? 'Brigada :*
Parabéns, seu moço!!!!
Coisa boa ver gente criando coisas de qualidade!!!!
Sucesso!
Rob, Mario e Marina, parabéns pelo lindo projeto! É muito legal ver pessoas acreditando em algo e investindo nisso! As três primeiras páginas já deixaram o gostinho de quero mais!
Muito bom, mesmo, porém se eu entrar alguma quarta feira e me deparar com uma página como a primeira, você será alvo de minha ira total e absoluta! =D
Parabéns
Rob,
Costumo ler teu blog há um ano, mas por alguma vergonha que não sei explicar, nunca comentei. Eis a oportunidade.
Me identifico com essa paixão por um personagem - sensação que apenas tive com personagens de outros autores, aliás. Acho legal quando cria-se alguém que vai ter uma história, um passado, um contexto próprio. É um nascimento.
Toda a sorte neste novo projeto. Acompanharei de perto!
Não posso dizer que estou surpreso, até mesmo porque você já tinha me falado da idéia. Mas mesmo se não soubesse, ainda assim não me surpreenderia.
Sabe, ninguém vence na vida só por ser competente. Existem outros fatores, como a sorte, que fazem gênios morrerem à mingua e completos boçais se destacarem.
Só que ser bom (ou no seu caso, muito bom) no que faz torna o caminho muito mais curtoe a recompensa muito mais doce.
Sua competência ainda vai fazer a gente escutar muito sobre você.
Afinal você saiu baixinho e careca, então tinha de ter alguma compensação!
Enfim, comtiue assim e, tenha certeza, vai ter muita gente aí achando que vale a pena ser baixinho e careca...
Parabéns Brother!
Nossa!! Quadrinhos, que legal!
Parabéns Rob e sucesso para você, Mario e Marina.
Agora vou lá conhecer o garoto.
Bjs
#morrodeorgulho
Adorei o novo projeto! E boa sorte pra todos vocês! Quero poder um dia comprar o quadrinho impresso!! :)
Fico muito satisteito ao olhar esse blog hoje e comparar com o que era há 4 anos atrás, quando o li pela 1ª vez. Os textos continuam com uma qualidade incrível o que muda é o quanto está sendo reconhecido, não só o blog, mas tambem o autor dele. Hoje chegou meu exemplar do "Anônimos e Urbanos" e do trabalho pra casa não consegui desgrudar os olhos dele. Acredito que essa HQ tambem vá surpreender, é uma parceria deveras foda!
Vc ganhou seu dia lá, e eu aqui. Eu sou o leitor do Twitter. :D
Quando comecei a ler o livro do Chronicles, tinha acabado de ler o Pieces 2 e o Nós. Bastaram uns três textos pra eu começar a viajar e imaginar tudo aquilo desenhado pelo Mario Cau. Tinha tudo a ver. Fiquei feliz pra caramba ao saber que vou poder parar de viajar.
Parabéns pelo projeto, e, como alguém aí já disse, espero um dia ver isto publicado num livro pra ficar na estante dando uma pontinha de orgulho!!!
Oi Rob! Estou invadindo seu blog para agradecer os comentários dos seus leitores!! Hehehe!
E aproveito para dizer que, quem tinha me adicionado no twitter, por favor adicione de novo, que os pedidos sumiram quando alterei uma configuração lá!!
Obrigada de novo!
Beijos
Fo-da! Só será este o meu comentário. Aliás, um puta parabéns também, vai.
Boa sorte nesse novo projeto. Estou torcendo para que dê certo. Pode deixar que a minha parte eu farei: Vou ler com todo prazer!
:D
Por acaso tô lendo o Champ aproximadamente dois anos depois que você postou este texto. Esbarrei aqui - sempre faço isso, entro e saio lendo posts aleatórios - e me dei conta de que entre este texto e o dia de hoje, Terapia ganhou um HQMix e o álbum Petisco Apresenta: Volume 1 [com uma história de Terapia] ganhou outro.
Dava pra imaginar que algo assim aconteceria? Talvez não. Mas ter lido este texto quando ele foi escrito faz com que eu sinta mais orgulho ainda de vocês.
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