Ontem, antes de encerrar o dia, fui fumar um cigarro na
varanda da casa nova.
Sempre gostei de fumar de madrugada na varanda ou em
janelas, olhando a rua. De madrugada – especialmente durante a semana – a
cidade é vazia e silenciosa.
Talvez este hábito tenha nascido ainda na casa dos meus pais.
Lembro que, enquanto fumava na janela de madrugada, me divertia reparando como
eram sempre as mesmas dez ou doze janelas dos prédios ao redor que estavam
acesas àquela hora. Mas, com o tempo, deixei de olhar para janelas e comecei a
olhar para mim. Meu último cigarro, olhando o mundo, se tornou quase uma
desculpa para eu pensar no dia que está acabando e também em tentar adivinhar
um pouco do dia seguinte.
Ontem eu estava fazendo justamente isso quando olhei para um dos
lados e vi, lá longe na esquina, uma pessoa andando sozinha e apressada. Olhei ao
redor. Era a única pessoa na rua – nem mesmo o som de carros fazia companhia.
Imediatamente, comecei a pensar nesta pessoa – eu não sabia
se era homem ou mulher, pela distância vi apenas seu vulto – e porque ela
estaria sozinha na rua, pouco depois da primeira hora de uma terça-feira. Ela
andava apressada – o que indicava que não apenas estava indo para algum lugar
específico, como estava com pressa de chegar. Talvez estivesse indo para casa.
Talvez aquela pessoa fosse eu com 15 anos de idade, fumando
um cigarro escondido.
Nesta idade, eu andava pela rua de madrugada. Não era
sempre, mas mais de uma vez. E sempre sem meus pais saberem. Às vezes, sem rumo
algum, apenas para fazer nada com meus amigos ou com um rumo definido: a loja
de quadrinhos que ficava do outro lado do bairro e permanecia aberta de
madrugada. E andava apressado, torcendo para voltar para casa antes que dessem por
minha falta. Entraria em casa em absoluto silêncio e subiria para o meu quarto
para ler as histórias novas deitado na cama. E se alguém perguntasse, eu nunca havia
saído de casa e eu já tinha aquelas HQs, estava apenas relendo.
Talvez aquela pessoa fosse eu com 25 anos de idade, fumando
um cigarro roubado.
Nesta idade, eu andava pela rua de madrugada. Não era
sempre, mas quase todo final de semana. Andava para cima e para baixo com meus
amigos. Era a época de farras, de álcool, de amizades que duram para sempre, de
amores eternos pela própria natureza e de histórias que serão repetidas durante
décadas em meses de bar. Voltava para casa sempre tarde da noite, tropeçando
nas próprias pernas. E deitava no meu quarto escuro, luzes apagadas e, enquanto
o sono não chegava, jurava para mim mesmo que não iria beber nunca mais. E se
alguém perguntasse, eu explicaria que quando você tem vinte e cinco anos, os “nunca
mais” sempre duram até o próximo sábado.
Talvez aquela pessoa fosse eu com 35 anos de idade, fumando
um cigarro cansado.
Nesta idade, eu andava pela rua de madrugada. Não era
sempre, mas em pelo menos quatro dias por semana. Voltava para casa do
trabalho, depois de passar catorze, dezesseis, às vezes dezoito horas na
redação escrevendo, resolvendo, revisando, aprovando. Na rua, somente meus
passos. Passava no mercado torcendo para não ter ninguém na minha frente e comprava
qualquer coisa congelada para jantar sozinho e em silêncio. Na boca, o gosto
amargo que denuncia que o número de momentos ruins é maior que o de momentos bons,
que a vida está fazendo água, que muitas coisas não estão certas. Entrava em
casa, colocava a comida no forno e sentava no sofá. E, em silêncio, fazia
carinho no cachorro e teimava em acreditar que o dia seguinte poderia ser um pior.
E, se alguém perguntasse, eu diria que estou bem, mentindo que é apenas cansaço.
Olhei de volta para a esquina e a pessoa havia desaparecido.
Provavelmente, estava entrando em casa, com sua idade, sua
história, seus sonhos e seus problemas. Sem imaginar que ela tinha feito com
que eu olhasse para mim ou que se transformaria num post no meu blog.
Sorri e apaguei o cigarro, pensando se algum dia alguém me
viu andando pela rua de madrugada e tentou imaginar o que eu estava fazendo na
rua.
E voltei para dentro de casa pensando que era hora de
dormir, pois já é madrugada.
4 comentários:
Foi sempre um dos meus favoritos. O último do dia. Adorava.
Foi sempre um dos meus favoritos. O último do dia. Adorava.
Que texto fabuloso!
Magnífico... Um dos melhores que já lí em toda minha vida, sem dúvidas...
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