18 de fevereiro de 2014

O Cigarro da Madrugada



Ontem, antes de encerrar o dia, fui fumar um cigarro na varanda da casa nova.

Sempre gostei de fumar de madrugada na varanda ou em janelas, olhando a rua. De madrugada – especialmente durante a semana – a cidade é vazia e silenciosa.

Talvez este hábito tenha nascido ainda na casa dos meus pais. Lembro que, enquanto fumava na janela de madrugada, me divertia reparando como eram sempre as mesmas dez ou doze janelas dos prédios ao redor que estavam acesas àquela hora. Mas, com o tempo, deixei de olhar para janelas e comecei a olhar para mim. Meu último cigarro, olhando o mundo, se tornou quase uma desculpa para eu pensar no dia que está acabando e também em tentar adivinhar um pouco do dia seguinte.

Ontem eu estava fazendo justamente isso quando olhei para um dos lados e vi, lá longe na esquina, uma pessoa andando sozinha e apressada. Olhei ao redor. Era a única pessoa na rua – nem mesmo o som de carros fazia companhia.

Imediatamente, comecei a pensar nesta pessoa – eu não sabia se era homem ou mulher, pela distância vi apenas seu vulto – e porque ela estaria sozinha na rua, pouco depois da primeira hora de uma terça-feira. Ela andava apressada – o que indicava que não apenas estava indo para algum lugar específico, como estava com pressa de chegar. Talvez estivesse indo para casa.

Talvez aquela pessoa fosse eu com 15 anos de idade, fumando um cigarro escondido.

Nesta idade, eu andava pela rua de madrugada. Não era sempre, mas mais de uma vez. E sempre sem meus pais saberem. Às vezes, sem rumo algum, apenas para fazer nada com meus amigos ou com um rumo definido: a loja de quadrinhos que ficava do outro lado do bairro e permanecia aberta de madrugada. E andava apressado, torcendo para voltar para casa antes que dessem por minha falta. Entraria em casa em absoluto silêncio e subiria para o meu quarto para ler as histórias novas deitado na cama. E se alguém perguntasse, eu nunca havia saído de casa e eu já tinha aquelas HQs, estava apenas relendo.

Talvez aquela pessoa fosse eu com 25 anos de idade, fumando um cigarro roubado.

Nesta idade, eu andava pela rua de madrugada. Não era sempre, mas quase todo final de semana. Andava para cima e para baixo com meus amigos. Era a época de farras, de álcool, de amizades que duram para sempre, de amores eternos pela própria natureza e de histórias que serão repetidas durante décadas em meses de bar. Voltava para casa sempre tarde da noite, tropeçando nas próprias pernas. E deitava no meu quarto escuro, luzes apagadas e, enquanto o sono não chegava, jurava para mim mesmo que não iria beber nunca mais. E se alguém perguntasse, eu explicaria que quando você tem vinte e cinco anos, os “nunca mais” sempre duram até o próximo sábado.

Talvez aquela pessoa fosse eu com 35 anos de idade, fumando um cigarro cansado.

Nesta idade, eu andava pela rua de madrugada. Não era sempre, mas em pelo menos quatro dias por semana. Voltava para casa do trabalho, depois de passar catorze, dezesseis, às vezes dezoito horas na redação escrevendo, resolvendo, revisando, aprovando. Na rua, somente meus passos. Passava no mercado torcendo para não ter ninguém na minha frente e comprava qualquer coisa congelada para jantar sozinho e em silêncio. Na boca, o gosto amargo que denuncia que o número de momentos ruins é maior que o de momentos bons, que a vida está fazendo água, que muitas coisas não estão certas. Entrava em casa, colocava a comida no forno e sentava no sofá. E, em silêncio, fazia carinho no cachorro e teimava em acreditar que o dia seguinte poderia ser um pior. E, se alguém perguntasse, eu diria que estou bem, mentindo que é apenas cansaço.

Olhei de volta para a esquina e a pessoa havia desaparecido.

Provavelmente, estava entrando em casa, com sua idade, sua história, seus sonhos e seus problemas. Sem imaginar que ela tinha feito com que eu olhasse para mim ou que se transformaria num post no meu blog.

Sorri e apaguei o cigarro, pensando se algum dia alguém me viu andando pela rua de madrugada e tentou imaginar o que eu estava fazendo na rua.

E voltei para dentro de casa pensando que era hora de dormir, pois já é madrugada.

4 comentários:

Claudia disse...

Foi sempre um dos meus favoritos. O último do dia. Adorava.

Claudia disse...

Foi sempre um dos meus favoritos. O último do dia. Adorava.

Anônimo disse...

Que texto fabuloso!

Anônimo disse...

Magnífico... Um dos melhores que já lí em toda minha vida, sem dúvidas...