29 de junho de 2010

Interlúdio - Terra Estrangeira

Ele se parecia com o House, mas mais magro. A mesma barba rala, os mesmos olhos esbugalhados. Mas muito magro. Veio andando na minha direção, na Paulista. Foi agora à noite, coisa de 2 horas atrás. Passou por mim, e eu mal olhei para ele.

Assim que nossos caminhos se cruzaram, ele se virou e disse:

– Please, do you speak english?

Eu não sei em que estava pensando, mas estava pensando em algo – provavelmente tentando observar melhor o motoqueiro atropelado do outro lado da avenida, cercado por bombeiros e pelo povo do resgate. Assim, precisei de um momento para perceber que era comigo, e mais um momento para perceber que ele estava falando em inglês.

– Yes, respondi.

Ele olhou para cima e soltou um “thank you, Lord” que deixou claro que estava já há bastante tempo procurando por alguém que falasse seu idioma.

Aproximou-se de mim e disse:

– I need your help. I am a teacher. I teach english literature. But I have suffered an accident.

– Accident, perguntei genuinamente interessado.

– Yes, I have burned my arms, ele disse, erguendo as mangas dos casacos e mostrando marcas de quimaduras nos dois braços. Lembrei-me da minha queimadura com a lasanha.

– Because of that, I’m not able to work right now, so I’m asking for your help.

– How can I help you?

– My family will send me some money in a few days. And my room is already paid, but they don’t offer meals…

Chegamos ao ponto. Ele precisa de dinheiro para comer. Eu estava puxando a carteira do bolso, tentando me lembrar se tinha uma moeda de 1 real, quando ele continuou.

– ...and I’m starving.

Aí me quebrou. “Starving” é foda. É forte demais. Se você não domina inglês, “starving” é o equivalente a faminto – ou, de forma mais coloquial, a “morrendo de fome”. A expressão é forte demais, bem mais forte que um “tio, me paga um coxinha” ou “me dá um trocado pro pão”.

E, de repente, no meio da Paulista, eu percebi que o motoqueiro atropelado, os caras do resgate poderiam ajudá-lo – o skatista que parecia o Bob Marley e que fazia acrobacias ali perto não tinha pinta de falar inglês, também. De repente percebi que aquele sujeito estava “morrendo de fome” e eu era a única pessoa que sabia disso.

Puxei a carteira do bolso e abri. Ele continuou.

– And if you buy me a meal, I’ll give you my phone, and I'll pay you back by the end of the week.

Não, eu não queria ser reembolsado. Na verdade, eu queria saber mais sobre ele: de onde era, onde morava aqui em São Paulo, como havia queimado os braços. Mas eu só conseguia pensar em estar morrendo de fome numa terra onde ninguém fala sua língua. Puxei dois reais da carteira e disse:

– No, no. I will help you for free. With this money you should be able to grab something to eat, e entreguei o dinheiro.

Ele sorriu, com sinceridade.

– Oh, thank you. Thank you very much.

– Don’t mention it.

– Oh, by the way, you don’t need english lessons. Your english is pretty good.

Minha vez de sorrir.

– Thank you. Good luck.

Virei as costas e saí andando. Não olhei para trás, mas sabia, naquele momento, que jamais esqueceria essa história.

Realmente, me viro bem no inglês, e já entrevistei muita gente famosa por causa disso – ídolos, inclusive. Mas nunca fiquei tão satisfeito comigo mesmo por falar inglês.

E não me pergunte o motivo. Eu não saberia explicar direito. Acho que, como eles mesmos dizem no hemisfério norte, I care.

I really do.

Moral da história: não importa a merda em que você esteja, sempre haverá alguém que entende o que você está passando. Basta procurar e ter um pouco de sorte.

(Prometo que no próximo post encerro a saga Barrados no Shopping. Queria apenas contar essa história aqui. E mantive o diálogo em inglês - caso você não fale inglês, entenderá um pouco do que este sujeito estava passando naquele momento.)

20 comentários:

Otavio Oliveira disse...

Touching.

Pedro Lucas Rocha Cabral de Vasconcellos disse...

Tocante, só achei estranho você dar só 2 reais pro sujeito...

Anônimo disse...

Eu já tava achando que era algum dos malucos que cruzam o seu caminho, só que agora internacionalmente.

A vida é uma coisa, né? A gente estuda um idioma pensando em mil utilidades pra ela na nossa vida. Mas ajudar alguém é a última delas.

Aconteceu comigo também, embora de maneira não tão dramática. Morava numa cidade turística e estava com umas colegas da faculdade (Letras).Vi um rapazinho, coitado, se lascando todo pra tentar usar o telefone e eu saquei que ele era gringo. Todo mundo olhando e ninguém teve coragem de ir lá ajudar. Exceto eu. Meu inglês era bem capenga nessa época, mas consegui explicar a ele como o telefone funcionava. Minhas colegas mega medrosas (que estudavam Inglês comigo) ficaram me encarando, meio estupefatas, meio invejosas.
Mais tarde, eu no ponto de ônibus, o rapaz passa do outro lado da rua e me grita um THANK YOU que lá do calafrate ouvia, rs. Não vou negar: me senti.

É tão bom se sentir útil,né?)

Natalia Máximo disse...

E é por essas mínimas coisas que eu ainda acredito que o mundo vale a pena.

Rob Gordon disse...

Pedro

Apesar de me comover com a história dele, eu também precisava voltar para casa.

Ana disse...

Quando vc começou a história, achei q vc tava falando do golpista do taxi (todo mundo que anda na Paulista já foi abordado pelo golpista do taxi, mas pra quem não sabe, ele vem falando ingles e diz que precisa chegar num hotel no brooklin, se vc pode dar dinheiro pro taxi).
Mas que bom que não era e que bom que vc pode ajudar alguém que precisa de verdade.

disse...

sorte do moço que te encontrou. ou não? hummmm... R$ 2,00 pra quem tá starving??? o custo de vida tá baixinho em Sampa nowadays, não???

Rob Gordon disse...

Lúcia:

Existem duas maneiras de ver a coisa. Por um lado, eu dei R$ 2,00. Por outro lado, eu dei tudo o que eu podia no momento (eu tinha R$ 5,00 na carteira, e ainda iria pegar um ônibus).

Cláudia Strm disse...

É. Eu tb achei dois reais "pouco", mas tb é super comum eu sair de casa com o dinheiro contadinho da passagem.
Mas, parando pra pensar, talvez só o fato de alguém ter entendido o que ele tava passando já deve ter sido um grande alívio pro cara. Aposto que foram os dois reais mais valiosos da vida dele.

Melinda Bauer disse...

Buenas, eu só achei mesmo que dois reais pra quem está morrendo de fome é uma piada de mau gosto(shock treatment)!!
Devia ter convidado o cara para sentar num boteco, fazia uma entrevista aqui para o Champ sobre a história do camarada ( uma coisa meio "O solista" onde tu serias o Robert Downey Jr e o Cara o Jamie Fox), pagava um PF para o sujeito e todos seriam felizes para sempre. Agora vai apenas nos matar de curiosidade ( O que será que ele conseguiu comer com dois pilas?). E ainda, onde está Wally?

T disse...

Bem, não dá pra saber. Mas há alguns anos li na internet sobre um golpe muito parecido com esse.

Dando uma googlada rápida, encontrei um relato http://magnun.livejournal.com/65288.html

Obs.: 2 reais!!!??

Bejörn disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Bruno disse...

Saber inglês para aplicar um golpe que renda 2 reais é o cumulo.
Mas admito que também fiquei curioso, queria que vc pudesse ter o acompanhado e destrinchado a história toda.

Varotto disse...

Esse valia, no mínimo, dez real...

Renata Schmitd disse...

se for golpe, ainda assim é um golpe muito mais digno do que o novo golpe dos pedintes de vix: agora eles pedem 30 centavos. você, claro, com vergonha, não dá 30 centavos nunca! aí vai e dá 1 real, 2 reais... e depois de 3 min começa a se sentir um trouxa.

Pedro Lucas Rocha Cabral de Vasconcellos disse...

Realmente imaginei que você estivesse com pouco dinheiro na carteira.

Ia render um bom post se tivesse ido com o cara pra uma padaria da vida, comprar um pingado e um pão na chapa...

Lucas disse...

Você foi abordado pelo famoso Mike Austin. Tem até uma comunidade a respeito dele no orkut. http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=19250003

Acertei??? rs, abcs.

Anônimo disse...

Lucas

Pela descrição dele na comunidade, não é a mesma pessoa não.

Rob.

Unknown disse...

É o golpista Mike Austin mesmo!!!
ou Steve Mike (ele está sempre mudando de nome)
No Orkut, lá na comunidade dedicada às vítimas dele, na útlima postagem do dia 10/Junho estão dizendo que ele está com QUEIMADURAS NOS DOIS BRAÇOS!!

Eles dizem que a própria policia informou a eles que o cara é doente terminal de AIDS! Cuidado com ele!

Link do Fórum:
http://www.orkut.com.br/CommMsgs?cmm=19250003&tid=2514829329642189076&na=2

Foto da Postagem:
http://www.flickr.com/photos/51758868@N08/4754272733/sizes/l/in/photostream/

Elise disse...

Sou uma leitora nova, e sempre fico meio intimidada em comentar, mas sobre o mote desse post, e sobre o último comentário, minha mãe costuma dizer uma coisa:
"Ele pediu ajuda, eu ajudei com o que eu pude. Se ele agiu de má-fé, o pecado não é meu".

(ps: starving é mesmo de doer, dá até uma coisa ruim por dentro ao ler/ouvir essa expressão...)