20 de agosto de 2009

O Velho e o Bar

Aqui na frente do trabalho tem o famigerado boteco do qual já falei algumas vezes. Sim, aquele boteco (leia aqui e aqui). Por sinal, outro dia eu procurei no Google e descobri que ele é relativamente conhecido aqui na Zona Oeste. Aqui no blog, ele é razoavelmente famoso pela incompetência dos funcionários, que chega às raias do absurdo.

Entretanto, me ocorreu outro dia que eu nunca havia falado do Velho do Boteco. Assim mesmo, em maiúscula. Velho do Boteco. É o nome dele. Trata-se de uma entidade que, talvez por algum tipo de maldição, ou por simplesmente não ter o que fazer (o que é mais provável), escolheu o bar aqui da frente como habitat natural.

Ele não vai ao bar, ele mora no bar.

Ou, em outras palavras, ele nunca está no bar. Ele É no bar.

Não importa a hora do dia que você for ao boteco, este lá, sentado no balcão, ou numa cadeira ao lado do caixa – sim, ele move as cadeiras do boteco ao bel-prazer - fazendo o que ele faz de melhor: nada. Ele fica sentado ali, observando o mundo passar (se você é novo aqui e não clicou nos links acima, vale dizer que ele não fica observando as pessoas serem atendidas porque ninguém consegue ser atendido naquele boteco).

E não, ele não é daqueles alcoólatras solitários que afoga as mágoas da vida num bar. Ele apenas fica ali o tempo todo, sem fazer nada.

Quando eu comecei a trabalhar aqui, reparei no velho logo de cara. Primeiramente, achei que ele tivesse algum tipo de problema mental, já que o layout dele não ajuda muito. Seus braços e pernas não são exatamente proporcionais, e ele anda encurvado, como se estivesse eternamente brincando de Corcunda de Notre Dame, mas sem a corcunda.

Além disso, ele mesmo não se ajuda muito. Está sempre com uma calça jeans que se esforça, mas não consegue de jeito nenhum chegar até o final da perna (imagine o Mazzaropi, ou um daqueles adolescentes que cresceu 25 cm em apenas dois dias e as calças não servem mais).

Até aí, ok. Eu estou longe de ser uma das pessoas mais lindas do mundo, mas a feiúra do velho tem o agravante de que ele é chato. Ele é muito chato. Além do fato de você não conseguir entrar ali nem para pegar um chocolate sem ter que olhar para a cara dele, ele consegue ser inconveniente em todos os minutos.

Se agir de forma inconveniente é uma arte, o Velho do Bar é uma espécie de Van Gogh. Um gênio, décadas à frente de seu tempo, e cujo trabalho criou uma nova escola no mundo da inconveniência.

Em primeiro lugar, é o volume. Ele não consegue se comunicar usando um número de decibéis menores que o de Boeing. Outro dia, para variar eu não consegui almoçar, e, no meio da tarde, desci para comer uma coxinha no boteco. Óbvio que ele estava sentado no balcão, lendo o cardápio – apenas por curiosidade, já que eu nunca vi o Velho pedir nada.

Sentei uns dois bancos ao lado dele, pedi a coxinha (que, como de costume, chegou dez minutos depois) e comecei a comer lendo o jornal de esportes – sim, porque, nesse bar, o atendimento é tão lerdo que eles até colocam jornais no balcão, como se fosse uma sala de espera.

De repente, um estrondo ao meu lado. (A propósito, um dos donos do bar é conhecido por uma palavra que é o mesmo nome de um peixe. Para preservar a identidade dos envolvidos, vou trocar por outro peixe).

– TUCUNARÉ! POSSO USAR O TELEFONE?

Dei um pulo do banquinho, quase caindo no chão. Óbvio que era o Velho. O dono do bar fez que sim com a cabeça e ele começou a discar.

– EU VOU LIGAR PARA A MINHA FILHA, TUCUNARÉ!

Eu olhei para ele e suspirei, ao menos para ver se ele se tocava. Nada.

Enquanto a maldita da filha dele não atendia, ele achou que seria de bom tom explicar ao dono do bar, a mim, e a todas as pessoas num raio de 2 km os motivos de sua ligação.

– PORQUE HOJE MINHA FILHA VAI AO MÉDICO, TUCUNARÉ! E EU VOU TER QUE CUIDAR DO FILHO DELA!

Pobre criança.

A filha, obviamente, não atendeu ao telefone – deve ter Bina em casa, e reconheceu que a ligação era do bar do Tucunaré.

– ELA NÃO ATENDEU!

E é assim todos os dias, todas as horas.

As pessoas que estão no bar não são apenas obrigadas apenas a conviver com o Velho do Bar, mas também a saberem quais seus pratos preferidos, os seus compromissos diários (todos fictícios, já que ele não sai do bar) e seus palpites sobre a previsão do tempo.

O único intervalo é quando ele almoça no bar (o único momento no qual ele consome algo), ao lado de duas pessoas: um velho com o layout mais estranho ainda (metade do tamanho do Velho do Bar, o mesmo penteado do Einstein e sempre de suspensórios) e um moleque de cerca de vinte anos, que deve ter sofrido alguma maldição e foi condenado a almoçar com essas duas figuras pelo resto da vida.

Mas provavelmente ele almoça em silêncio, para recuperar o fôlego e voltar a gritar a tarde inteira no boteco. E sempre coisas desinteressantes, que servem apenas para elevar a poluição sonora da cidade. Não importa quanto tempo você fique no boteco, você será brindado com umas das perolas de sabedoria do Velho do Bar, como:

– O DIA HOJE ESTÁ FEIO, NÉ, TUCUNARÉ? (quando está chovendo torrencialmente)

– TUCUNARÉ! HOJE TEM RODADA DO BRASILEIRÃO! (E só isso. Ele não tem mais nada a dizer sobre o assunto, apenas essa frase.)

– TUCUNARÉ! VOU TER QUE IR ATÉ A PREFEITURA HOJE! (Mas não vai. Ele fala isso e senta na cadeira ao lado do caixa).

Mas o cúmulo foi ontem. Eu estava tentando pagar por um chocolate, e o Velho ali, ao meu lado, sentado na cadeira, olhando o mundo. De repente, ele olhou para dentro do bar e viu que o chapeiro estava guardando algumas centenas de salsichas no congelador. Obviamente, ele não perdeu tempo:

– ISSO AÍ É SALCHICHA?

Sal-SI-cha. Velho tapado.

O chapeiro ergueu os olhos para mim, pedindo ajuda com os olhos. Eu dei de ombros, deixando claro que aquilo não era problema meu. Ele voltou a olhar para o velho e fez que sim, com a cabeça.

– ENTÃO ME DÁ DUAS!

Deixe os almoços de lado. Tudo o que eu vi o Velho consumir até agora, no bar, foi isso: duas salsichas congeladas. Não tem como ser mais tosco. Mas, ao menos, ele foi educado. Porque, quando eu estava voltando para a redação, já no meio da rua, ainda ouvi:

– TUCUNARÉ! PEGUEI DUAS SALCHICHAS CONGELADAS AQUI!

Suspirei e continuei andando. O problema não é que a humanidade não deu certo. O problema é que ela aparentemente se orgulha disso.

13 comentários:

Gabi disse...

'o layout dele não ajuda muito.'

hahahahahaha

O melhor sinônimo pra 'aparência' que ue já ouvi.

Já disse que sua inteligência e criatividade me assustam? (No bom sentido,claro! )

:D

Jullia A. disse...

Sal-SI-cha. Velho tapado.
Ri alto. de verdade. O melhor é a descrição do pseudo Einstein.
:D
Muuito Bom :D

M. disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
kakah disse...

HAHAHAHAHAHAAHAHA

Mais uma rodada!

HAHAHHAHAHAHAHAHAHA

Mêo, isso é muito São Paulo!
Que saudade da minha cidade querida =/

Gilmar Gomes disse...

rapaz... esses véio devem existir aos montes... aqui tem um muito parecido...

Climão Tahiti disse...

Se eu tivesse um nome como Tucunaré seria a pessoa mais infeliz do mundo.

E seria ainda mais infeliz se alguém toda hora me lembrasse dessa vergonha.

Hally disse...

Hahahahahahahaha *rindo alto*

Eu já sofri com esses velhos. O pior é quando eles não tem noção do seu 'layout' e ficam cantando a gente. No mais, são praticamente ponto de referência, do tipo: "Sabe onde fica o bar do fulano?" "Tá vendo aquele velho esquisito ali, sentado, enchendo todo mundo?" "Sim, estou vendo" "Então, é ali mesmo."
=P

Ainda bem que não existem velhas assim. Não corro esse risco depois dos setenta!!

Fagner Franco disse...

'o layout dele não ajuda muito.'
A frase que a Gabi também citou me fez rir até o final do texto.
ótemo.

MaxReinert disse...

auhauhauah...conheço o tipo... ahh se conheço!!!

E Hally.. existem velhas assim tbm.. quer ver?

http://www.flickr.com/photos/maxreinert/3694486254/in/set-72157620903174707/

Thiago Apenas disse...

"O problema não é que a humanidade não deu certo. O problema é que ela aparentemente se orgulha disso"

Disse tudo seu Rob!

Hally disse...

Em resposta ao MaxReinert:

Levando em conta que é um armazém, a senhora em questão tá mais pra mãe do dono do que pra velha chata... mas, nunca se sabe, ela pode ser chata assim mesmo.

E acho que ela não tem cara de quem pede uma salshicha congelada pra comer...

(Mas, vão por mim, a pior coisa que já pediram em bar foi guaraná de laranja!)

Charlie Dalton disse...

Tem um homem dono de comércio aqui perto de casa que é chato também. Ele não trata bem seus clientes. (A menos que vc tenha cerca de 20 anos, tenha beleza e seja mulher.)

Thiago Dalleck disse...

Será que esses indivíduos têm blogs? Já pensou? "Então chegou no bar um baixinho com pouco cabelo, com cara de poucos amigos, mas acho que era fome mesmo. Ele deu risada porque eu comi duas salsichas congeladas, mas ele estava lá, comendo uma coxinha de uma semana atrás."
hauhauhauhaa

Leve sempre uma mariola no bolso. Quando você vir um maluco, joga a mariola pra ele e sai correndo!