Eu estou sem ideias para escrever no blog.
Na verdade, não estou sem ideias, mas sim olhando para outro
lado. Toda a minha criatividade está focado para um projeto que, mais para frente,
apresento aqui.
E é bastante difícil pegar a criatividade, como se fosse um
bloco de concreto, colocá-la de lado e parar um texto, para pegar outro bloco
de criatividade, colocá-lo na sua frente para fazer outro texto.
Não, minto. É fácil. Mas aí entra em campo meu caráter
obsessivo de não conseguir parar de pensar no primeiro texto enquanto escrevo o
segundo. Começo a digitar um texto tendo ideias para o outro, continuo
digitando o texto pensando em como melhorar um trecho do outro e, quando penso
em largar tudo e voltar para o primeiro texto, surgem coisas de trabalho na
minha frente e preciso parar tudo. Sei que isso tem alguma relação com o ditado
“mais vale um pássaro na mão que dois voando”, mas tenho tentado não pensar
muito a respeito disso, com medo disso virar um terceiro texto.
Mas o ponto é que estou sem ideias para escrever no blog.
E eu juro que estava olhando uma tela em branco e pensando
no blog, ontem, quando a Esposa me chamou.
– O que você está fazendo?
– Tentando escrever no blog.
– Você pode ir até o mercado para mim? Preciso de açúcar
mascavo e baunilha.
– Açúcar mascavo e baunilha? Você está brincando com algum
estojo de química?
– Não. Vou fazer um bolo.
– Então eu vou.
– Baunilha, você sabe, é aquela garrafinha, certo?
– Eu sei. Desde que tenho seis anos, sinto uma vontade
insuportável de abrir aquilo e beber no gargalo sempre que estou perto de uma.
– O quê?
– Calma. Eu sei que se eu fizer isso, provavelmente vou
morrer de diabetes na mesma hora, então eu consigo me controlar. Pode ficar
tranquila.
– Certo. Você sabe onde fica o açúcar mascavo?
– Sim, no Brasil-Colônia. Qualquer engenho vende isso.
– Oi?
– Se você quiser, eu já aproveito e trago um pouco de
pau-brasil.
– Você sabe onde fica o açúcar-mascavo ou não?
– Bom, é só seguir a regra da primeira palavra.
– Quê?
– A regra da primeira palavra. É assim que as pessoas organizam
as coisas em supermercados. Farinha de trigo, por exemplo. A primeira palavra é
farinha, então, ela fica no meio das farinhas. Arroz integral fica junto com arroz,
chocolate amargo fica no corredor de chocolate. Vale para tudo, até para os
vegetais.
– Como assim?
– A merda do chuchu. A merda do agrião. A merda da cenoura.
A merda da berinjela. Fica tudo ali, na merda dos matos. Estou falando, é a
regra da primeira palavra.
– Bom, sua regra não funciona com o açúcar mascavo. Ele fica
na parte de produtos naturais, sabe? Ali onde fica a linhaça.
– Sei.
Seria impossível não saber. No mercado ao lado de casa, a
seção de “produtos naturais” fica num corredor perto da parte de bebidas. Eu
descobri uma vez, por acidente, o dia que me aproximei dela sem querer e comecei
a me sentir... Não sei... Oprimido. Vazio. Sem propósito na vida. Foi como se
minha alma tivesse sido arrancada do meu corpo e substituída por alfinetes
quentes e eu tivesse jogado num buraco desprovido de calor, afeto, frituras ou qualquer
comida com sabor.
Eu lembro que tudo ficou escuro e acordei horas depois, em
casa, com ferimentos no corpo, tremendo e ainda com febre. Desde então, sempre
que entro no mercado vejo os funcionários cochichando algo como “é aquele ali” entre
si e evitando me olhar diretamente nos olhos (pelos trechos de conversas que eu
peguei ao longo dos anos, parece que eu comecei a gritar desesperadamente antes
de cair no chão e me debater horrorizado com o que eu via. Mais ou menos como o
menino do A Profecia quando seus pais tentam fazer com que ele entre em uma
igreja).
– Você vai até lá?
– Vou. Estou tentando escrever no blog, mas vou. Quem sabe
eu encontro algum louco no meu caminho?
Mas não encontrei louco algum. Afinal, fui até o mercado sem
prestar atenção em nada ao meu redor, e pensando na seção de produtos naturais
do mercado.
E, em especial, na linhaça.
Eu odeio linhaça.
Na verdade, eu odeio todo o conceito por trás da linhaça.
Já começa com o fato de que linhaça, até alguns anos atrás,
não existia. Eu devo ter ouvido falar de linhaça, pela primeira vez, no máximo
há cinco anos. Antes disso, vivíamos num mundo totalmente desprovido de linhaça.
Éramos um planeta linhaça-free. E, de repente, da noite para o dia, lá está a
maldita linhaça. Em todos os lugares. Linhaça faz bem para o coração. Linhaça
faz bem para a memória. Linhaça faz bem para a pele. Linhaça vai moralizar a
política. Linhaça traz o amor de volta em até sete dias. Linhaça pode resolver
o miolo de zaga ali na seleção.
Linhaça virou moda. E eu continuo sem saber o que é linhaça.
Eu olhei aqui no Google e descobri que é uma semente, mas não estou satisfeito.
Duvido que seja tão fácil assim.
Linhaça, para mim, está no mesmo grupo de coisas como glúten
e jojoba, que eu não faço ideia do que sejam, mas que, aparentemente, é
importante saber se as coisas que eu compro têm ou não. Eu já decorei que shampoo
é um negócio que parece que pode ter jojoba e pão não pode ter glúten (aliás,
glúten deve ser algo extremamente venenoso, já que as embalagens de pão normalmente
trazem o aviso “não contém glúten” de forma escandalosa, em cores berrantes e
letras garrafais). Agora, o que é glúten ou jojoba... Eu não faço ideia.
Mas eu estava falando que linhaça virou moda. E isso
aconteceu de repente, mais ou menos como foi com o açaí. Até alguns anos atrás,
o açaí era algo totalmente desconhecido. E, de repente, surgiu do nada – a primeira
vez que ouvi essa palavra, achei que a pessoa estava tentando falar “isso aí” e
havia engasgado – e todo mundo adora.
Tem gente inclusive que diz que toma açaí desde criança, que
sempre adorou.
– Quantos anos você tem?
– Quarenta e três.
– E sempre tomou?
– Sempre.
– Desde criança? Nem tinha açaí em São Paulo nessa época.
Quarenta anos atrás é tipo a pré-história do açaí. O açaí ainda estava em cima
das árvores. Era tipo um açaí macaco, que ainda não tinha evoluído e se
transformado no açaí.
– Sempre tomei. Uma delícia.
– Deixa eu adivinhar... Mesma coisa com kani?
– Isso. Adoro desde moleque.
Aí você deixa a pessoa falando sozinha, porque existe uma
leve diferença entre as pessoas que “são punks desde os 11 anos” (que são os
mentirosos normais, que sabem que estão mentindo) e as pessoas que juram que “começaram
a ouvir Ramones ainda nos anos 60” (que são os loucos, e acreditam que aquilo é
verdade, porque as vozes dentro da cabeça dele repetem aquilo incessantemente).
E com a linhaça é a mesma coisa. Tem gente que jura que come
linhaça desde criança, ignorando o fato de que a linhaça nem existia nessa
época.
Só que no caso da linhaça é pior, porque eu nem consigo
imaginar alguém comendo linhaça. Francamente, linhaça não é nome de coisa que
se coma. Eu acho que é por causa do “aça” no final do nome, que dá uma sensação
obviamente metálica.
Eu consigo imaginar dois fazendeiros conversando entre si, e
depois que um deles reclama que seus bois arrebentaram a cerca, o outro
aconselha a “cercar o pasto com dois ou três cordões de linhaça que eles não
derrubam de jeito nenhum”. Consigo imaginar também um menino empinando pipa e
tentando cortar as pipas dos outros porque ele não usa linha, usa linhaça,
muito mais afiado. Consigo até imaginar um vilão de história em quadrinhos
atacado uma cidade e gritando para os soldados que “Atirem à vontade, seus
tolos! Nada irá romper minha armadura de linhaça!”.
Agora, eu não consigo imaginar alguém comendo linhaça. Dentro
do meu cérebro, é como comer, sei lá, arame.
Instintivamente – coisa de quem escreve – comecei a montar a
história do menino que empinava pipa com linhaça. A primeira vez que ele viu
linhaça na vida foi ainda criança, quando o pai estava arrumando a fiação da
casa e o menino começou a mexer na caixa de ferramentas, levando uma bronca como
“não mexe nisso que é linhaça, você é pequeno demais e vai se machucar”.
Mas não tive tempo de montar o segundo contato dele com
linhaça – certamente, por obra de algum moleque mais velho, daqueles que os
pais não gostam de ver junto com seus filhos – porque, de repente, dei de cara
com o mercado na minha frente.
Olhei para trás e vi que havia feito todo o percurso de casa
até o mercado sem nem perceber isso. Estava apenas pensando sore linhaça. E
entrei no mercado torcendo para eu não ter feito isso falando sozinho sobre
linhaças e jojobas. Afinal, eu sempre usei os loucos que cruzam meu caminho nas
ruas como ideias para o blog. Detestaria saber que, de repente, eu me
transformei no louco que vira ideia para os blogs dos outros.
Chacoalhei a cabeça e entrei no mercado.
Acho que estou ficando louco. Preciso escrever no blog.
7 comentários:
Hahahaha, armadura de linhaça foi foda!
O glúten é uma gororoba natural, dá liga e elasticidade à massa de trigo, mas por algum revertério evolucionário, 1 em 133 pessoas são alérgicas a isso. Já linhaça eu não faço a mínima ideia do que seja.
O legal é que agora você vai ter mais visitas de celíacos paraquedistas. Eu cheguei aqui com o "salame tem leite?", com aspas e tudo, pois era uma pergunta que eu lera em um dos comentários de um site que me parecera útil - e que eu já perdera entre os 49873 que havia no meu histórico daquela semana - nos primórdios da alergia a leite da molecada aqui de casa, que nem existe mais (a alergia, não a molecada). Bem, caí de paraquedas e fiquei para sempre. E não virei gorgonboy nem gorgongirl...
Dizem que as próximas caixas-pretas terão um revestimento de linhaça, indestrutível e sustentável.
Cadê a receita do omelete de linhaça? Droga, google, você me enganou. (brincadeira.. vim via facebook e acho que escrever sobre o não escrever é uma ótima forma de escrever um post.)
ps. uma letra comida (com linhaça) no último parágrafo.
hahaha muito bom! Linhaça pra mim era um óleo pra passar em móveis de madeira...(será q daqui a pouco a peroba será a nova linhaça??)
Homem de Linhaça, parceiro do homem de ferro.
"Éramos um planeta linhaça-free" - bom demais!!!
E a tal Chia???kkkkkk
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