11 de outubro de 2011

Sobre Quedas e Fé

Como eu disse há pouco tempo, a segunda vez normalmente é mais difícil que a primeira.

Meu fim de semana foi ótimo. Passeio em shopping comprando presentes, aniversário da prima da Ana, almoços com a minha família e a família da Ana. Acho que fazia tempo que eu não tinha um fim de semana tão bom, sem grandes problemas.

Na verdade, já fazia tempo que as crises de depressão haviam desaparecido. Eu ainda tenho as crises de ansiedade, especialmente em locais lotados. Adorei o show do Deep Purple, mas sei que encarei com a ajuda do Rivotril (antes de sair de casa e antes do show), e fiquei num lugar razoavelmente vazio.

Mas as crises de ansiedade ainda existem, dependendo do local. No próprio sábado, quando o shopping começou a lotar, na parte da tarde, já passei a sentir certo incômodo. É difícil de explicar, é quase uma sensação de opressão, uma espécie de asfixia emocional. Mas acho que tenho lidado bem com elas... A frequência não diminuiu muito, mas a intensidade sim – vale lembrar que na segunda consulta com a psiquiatra, a dose de Rivotril foi aumentada.

Algo que tem me ajudado muito é dormir. O tal de Donaren, como alguns leitores me avisaram, é uma pedrada. Mais ou menos uma hora depois de tomar, eu fico bêbado de sono. Às vezes, estou vendo com um filme com a Ana e começo a dormir de olhos abertos. Em algumas noites, eu perco a coordenação motora e, no caminho da cama, esbarro em móveis ou tenho um pouco de dificuldade em tirar a roupa. O termo é esse mesmo: bêbado.

Mas o que importa é que de umas duas semanas para cá, eu tenho dormido.

Enfim, uma hora o fim de semana acabou e a Ana foi para casa dela. Como ela tinha compromissos na segunda-feira, eu fiquei sozinho aqui em casa. Foi a segunda vez que isso aconteceu em mais de um mês – minha primeira consulta na psiquiatra foi em 2 de setembro, e me lembro que, dez dias antes disso, eu e a Ana montamos uma plano de guerra para evitar que eu ficasse sozinho, porque bastava isso acontecer para eu despencar (não existe outro termo) emocionalmente.

Na primeira vez que fiquei sozinho foi mais fácil: no dia seguinte, minha mãe estava aqui; na parte da manhã, fui a uma reunião; e, depois do almoço, na psiquiatra (era a segunda consulta). Então, não fiquei sozinho de verdade, fiquei apenas longe da Ana.

Mas ontem foi diferente. A Ana foi embora domingo à noite, e fiquei até a hora de dormir meio perdido, sem saber ao certo o que fazer. Mas imaginei que fosse apenas falta de hábito em ficar sozinho e comecei a procurar me ocupar. Brinquei com a minha gaita – o que rendeu o vídeo e o post anterior -, joguei um pouco de videogame e conversei com a Ana por Messenger. Aí o Donaren bateu e eu me arrastei até a cama. So far, so good.

E ontem foi difícil. Já acordei incomodado – talvez tenha tido algum pesadelo enquanto dormia, talvez seja apenas a sensação de acordar e estar sozinho em casa. Não sei. Sei apenas que procurei me ocupar. Tomei meus remédios, comecei a trabalhar, respondi comentários do blog... Basicamente, gastando o tempo até a hora do almoço, já que meu rendimento de manhã é sempre fraco.

E foi justamente depois do almoço que a coisa começou a apertar. Mesmo trabalhando, mesmo com a mente ocupada, mesmo ouvindo música, a sensação de vazio começou. Vou tentar explicar aqui: não é uma sensação de vazio por estar sozinho em casa, é uma sensação de vazio por tudo. Uma sensação de falta de propósito.

E aí o que você faz? Você tenta combater isso, pensando que “não existe falta de propósito, eu tenho x, y, z, eu faço isso e aquilo”. Mas é inútil. Você já está envenenado. Ou seja, qualquer coisa que você pense soa como uma desculpa para fazer você ficar bem. Soa como mentira. Basicamente, eu sei que é verdade, mas não consigo acreditar, porque deixo de acreditar em mim.

E, com isso, as horas foram passando e aquela espécie de âncora foi me puxando para baixo. No meio da tarde, eu já tinha um rombo no peito, que era preenchido cada vez mais pela sensação de apatia, de querer ir dormir, de ser sedado e desmaiar. E, sozinho, andando de um lado para o outro, procurando fugir dos demônios que haviam invadido minha casa. Ou minha mente. É a mesma coisa.

Se eu falasse aqui que a crise foi igual às que tive semanas antes de começar a tomar os remédios, estaria mentindo. Ela foi bem mais fraca. Mas ela não foi fraca. Ou, ao menos, não foi fraca como eu esperava – eu imaginei que fosse ser difícil ficar um dia sozinho em casa, mas que fosse apenas isso: difícil. E não foi difícil, foi muito difícil. E muito dolorido.

Pouco antes da Ana chegar, fui tomar banho. Assim, que entrei no chuveiro, veio o nó na garganta. Fiquei alguns minutos embaixo da água, tentando lidar com aquilo. É engraçado, às vezes você tem um nó na garganta, mas não consegue chorar. O nó fica ali, impedindo você de respirar, de pensar, de viver, mas nada o alivia.

Por um lado talvez tenha sido bom, porque toda vez que eu chorava, era sinal de que a crise explodia. E, quando ela explodia, eu sabia que isso duraria horas e horas. Desta vez ela não explodiu, ficou guardada. Mas doeu para segurar.

Quando a Ana chegou, assim que saí do banho, eu estava péssimo. Voltei à minha posição clássica dos inícios da crise: encostado na pia, com o rosto apoiado na palma da mão esquerda e praticamente acendendo um cigarro no outro, com goles de Coca entre uma tragada e outra. E em silêncio a maior parte do tempo – quando eu falava, já o fazia com o tom de voz alterado, sempre triste ou com raiva. Ontem, foi raiva.

E, como a Ana percebeu – eu não percebi até ela falar – eu não queria sair de casa. Comecei a enrolar, inventando coisas para fazer e me impedir de sair. Só mais um cigarro. Deixe só eu ver isso aqui. Vou trocar a água do cachorro. Só mais um cigarro. Eu queria ir ao show, mas não queria mais sair de casa. A vontade de sair de casa era zero, queria ligar a TV e ficar deitado olhando a tela. Ou queria dormir, não sei.

No final, melhorei. Mas ainda fui metade do caminho sem dizer uma palavra, esperando a apatia se dissipar em algum lugar. Aí melhoramos, fomos ao show e os demônios ficaram de fora. No final, a noite foi boa. E hoje estou exausto, porque eu não tenho muita resistência física. Mas é uma exaustão boa, é uma exaustão que eu sei qual o motivo.

Acho que é por causa disso que, sempre que me perguntam como estou, eu não respondo “estou bem”, mas sim “estou melhor”. Porque estar melhor não é estar bem, e eu confesso que tenho um pouco de medo de falar que “estou bem” e me descuidar a ponto de ter uma recaída.

Ao menos por enquanto, tenho que passar o tempo inteiro olhando para trás e para os lados, evitando que a porra da depressão me alcance. É como se fosse uma corrida – e no minuto em que eu achar que a corrida está ganha, eu perco. Não sei quanto tempo vai durar isso, mas, por enquanto, isso é obrigatório.

E agora o nó na garganta voltou. E não porque estou sozinho novamente – a Ana foi resolver umas coisas na rua e vai estar de volta em uma meia hora, então estou tranquilo. Meu nó na garganta é porque eu não queria ter esta merda desta doença, é porque eu não queria estar passando por isso. É porque eu queria viver em paz sem ter que olhar para os lados. Queria olhar só para frente, mas ainda não consigo. Ou tenho medo, não sei. Não sei mesmo.

Enfim... Dizem que é preciso matar um leão por dia. Ontem, apesar da noite ser ótima, o leão ganhou. Porque ontem eu descobri que estou melhor, sim, mas eu ainda não estou pronto para ficar completamente sozinho. Não sei se eu apenas não me basto, ou se eu me faço mal. Não sei. Sei apenas que ontem o leão ganhou.

Mas isso não quer dizer que ele precisa ganhar hoje ou amanhã novamente. Como a Ana diz, depende só de mim. Depende só de mim vencer o leão e, mais importante, depende só de mim saber que, alguns dias, o leão vai ganhar.

Eu já sei cair. Cheguei ao fundo do poço mais de uma vez – bem mais de uma vez – nos últimos meses. Acho que eu preciso só aprender a levantar agora, mas sem esquecer o que eu aprendi sobre cair. E preciso ser mais rápido que os demônios, aprendendo um pouco por dia.

E contando com família, amigos (onde incluo vocês, leitores), Ana, remédios, médicos e fé. Muita fé. Fé que amanhã será melhor que hoje. Fé em tudo e, principalmente, fé em mim, de qualquer maneira.



Porque fé nunca é demais.

28 comentários:

Brunín Assis disse...

Pode dar uma abraço na Ana e falar "obrigado por estar cuidando dele"?

Segue firme, Rob. A gente tá aqui com você.

Beatris disse...

Fé nunca é demais. Logo mais tudo isso acaba! Estou torcendo por você.


bjs
Bia

Fagner Franco disse...

"you got to keep on trying and keep doing your best with the hand that you get and dont give up the fight...no, you cant stop!"

Pri disse...

Fé é tudo Rob!
Continue pensando que está melhor, porque em breve você estará.

Alan disse...

E aqui estou eu comentando em seu blog novamente, está se tornando um hábito. Gosto muito dos seus textos.

Me permite ver por outro ponto de vista? O leão não ganhou, pois vc continua lutando, se levantou e vai enfrenta-lo de novo. O leão conseguiu atacar novamente mas não ganhou... A luta continua... rs. Até a vitória... rs

Natalia Máximo disse...

Verdade, fé nunca é demais. Fé nunca atrapalha. Mas acho importante um pensamento nesse momento: não coloque o carro na frente dos bois, sabe? Você foi diagnosticado há pouco tempo, está tomando os remédios e aprendendo a lidar com isso há menos tempo ainda. Então, muita calma, Rob. Eu não acho que o leão tenha ganhado nessa batalha aí não, porque você é mais forte do que imagina. E quero você acreditando nisso, tá?

Rob Gordon disse...

Brunin

Muito obrigado, cara! Obrigado de verdade! Pode deixar que o abraço na Ana será entregue! :)

Outro grande abraço pra você!

Rob

Rob Gordon disse...

Bia:

Fé nunca é demais mesmo. E com a torcida e o apoio de vocês, tudo fica muito mais fácil.

Obrigado por tudo!

Beijão!

Rob

Rob Gordon disse...

Fagner:

I won't stop, man. You can count on that.

Abraços, cara.

Rob

Rob Gordon disse...

Pri:

O bom da fé - seja ela qual for - é que nos dias que você não tem nada, você ainda tem a fé. Basta apenas escolher isso.

Beijos e obrigado por tudo!

Rob

Rob Gordon disse...

Alan:

Seus comentarios são sempre bem vindos! E muito obrigado pelos elogios ao texto!

Gostei demais do seu ponto de vista. O leão deu patadas, mas não ganhou, porque estou aqui de pé! Vou tentar enxergar as coisas desta forma, agora.

Muito obrigado por essa lição.

Abraços

Rob

Rob Gordon disse...

Natália:

Eu morro de medo disso, sabe? De colocar o carro na frente dos bois - justamente por isso que eu me recuso a falar "estou bem" e uso o "estou melhor". Porque acreditar que estar bem sem estar de verdade é uma armadilha, e quase um pedido para que uma nova queda aconteça. E muito, muito obrigado por ver esta força em mim, mesmo quando eu não consigo enxergá-la. Muito obrigado mesmo, por isso e por me lembrar dela.

Beijos

Rob

Unknown disse...

Rob, tenho depressão também, há 11 anos descobri que tinha, tomo Efexor, mas é assim mesmo, um leão por dia. Devo elogiá-lo pela coragem ao expor suas fraquezas a todos, acho que um componente da depressão é esse, difícil de admitir a todos e até para si que ela está sempre ali, à espreita.
Força , muita força. Fé também é importante. Me trato com uma psicóloga que tem me ajudado muito e você também tem que confiar em um profissional assim.
Se precisar de alguma ajuda conte comigo, me mande um email.
Abraços, força e fé.

IsabelVeronica disse...

Meu amigo, de onde você tirou esta ideia de que o leão ganhou? Mas é lógico que não. Quem ganhou foi você, que conseguiu se levantar e está aí contando pra gente tudo que aconteceu.

Rob, não pense que tudo vai se resolver rapidamente. Você está no início do tratamento e ainda está aprendendo a lidar com tudo isto. Aos poucos, você vai criar as defesas, as manhas necessárias para superar cada obstáculo e ficar curado. Sei que é difícil, mas tenha paciência. Tudo vai dar certo.

Beijos!

Anônimo disse...

FORÇA, CAMARADA!

G7 disse...

A bíblia tem uma passagem boa para depressão
Mateus 6 - 34

Quanto ao Donaren, me foi receitado para desligar o cérebro durante o sono. Eu nao tinha problemas para dormir, mas dormia trabalhando. Muitas vezes, acordei no meio da noite com um problema do trabalho resolvido (cheguei a colocar um notebook do lado para anotar tudo nessas acordadas). Ai meu medico me indicou essa maravilha que ele chama de Sono da Bela Adormecida, ou Trazodona para os íntimos.

Keep doing the good stuff. Depressão existe, química existe. Quem é macho e nega essas duas coisas, ta fuuuuuu

Fox disse...

Força Rob!

Você é melhor do que isto tudo.

ps.: vinicius.acesita@gmail.com

Karina disse...

Você tem um ponto bem forte a seu favor: você é realmente muito lúcido com relação à sua depressão. É uma lucidez que eu só atingi após anos de tratamento. Parabéns. Não tem como você perder a guerra desse jeito.

Hally disse...

Não sei muito o que dizer, então só vou desejar força pra você e pra Ana, e juntos vocês vão conseguir vencer muitas batalhas, e, mais importante, a guerra.

Continuo torcendo, e levando fé em vocês.

Kel Sodré disse...

Foco nas batalhas vencidas, Rob! Foco nelas!

"É como se fosse uma corrida – e no minuto em que eu achar que a corrida está ganha, eu perco" me lembrou a fábula da tartaruga e da lebre. Você é a lebre, mas esta fábula vai ter um final diferente: nós, que não somos bobos nem nada, vamos ficar sempre atentos, não vamos achar que podemos tirar um cochilo no meio do caminho e não vamos deixar a tartaruga passar. #fazendoHistória ;-)

Rob Gordon disse...

Luis Pereira:

Sinto muito por você passar por isso também, ainda mmais por tanto tempo. E, realmente, foi preciso bastante coragem do meu lado para expor tudo aqui, mas confesso que escrever estes textos me fazem muito bem!

Já faço terapia sim, e a fé aumenta cada dia mais!

Abraços e obrigado pelos conselhos!

Rob

Rob Gordon disse...

Isabel:

Seu comentário foi parecido com o do Alan, que afirmou que o leão não ganhou nada porque estou de pé aqui, contando para vocês. Vou passar a enxergar as coisas desta forma, sim. O problema, só, é que as patadas doem às vezes. Mas isso é questão de me acostumar e estar um pouco mais forte para aguentar.

Beijos e obrigado!

Rob

Rob Gordon disse...

Richard:

Valeu pela torcida! De verdade!

Abração

Rob

Rob Gordon disse...

G7:

Muito boa a passagem. Para quem não conhece, segue aqui: "Não vos inquieteis, pois, pelo dia de amanhã; porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal."

Quanto ao Donaren, ele é realmente uma porrada. Assim que ele bate, eu deito e apago. E nunca dei tanto valor a uma noite bem dormida como atualmente.

Valeu a força, irmão.

Rob

Rob Gordon disse...

Fox:

Valeu! Mesmo que às vezes eu não consiga ver as coisas deste jeito - o que é antes de mais nada uma consequência da doença - estou me policiando a respeito disso.

Abraços

Rob

Rob Gordon disse...

Karina:

Obrigado pelo comentário. Esta lucidez realmente me ajuda muito e vem de três pontos básicos. O primeiro: as longas conversas que tenho com a Ana sobre o que estou sentindo ou pensando. O segundo, claro, minha terapia. E o terceiro vem destes posts que eu escrevo sobre a depressão, que me ajudam a pensar e organizar as ideias - escrever sempre foi a forma mais fácil (para mim) de entender o mundo.

E, sem dúvida, esta lucidez me ajuda muito, especialmente em algo bastante importante agora, que é conhecer meus limites e não correr riscos (desnecessários) de ter recaídas. Nem sempre dá certo, claro - afinal, somos humanos e não podemos seguir sempre a mesma fórmula todos os dias, mas me ajuda bastante sim.

Muito obrigado pelo comentário

Rob

Rob Gordon disse...

Hally

Sua torcida já é bastante suficiente, tanto para mim como para a Ana. É graças a todas estas torcidas que a gente vai vencer isso!

Obrigado, de verdade!

Beijos

Rob

Rob Gordon disse...

Kel:

Eu tento sempre manter o foco nas batalhas vencidas, mas nem sempre isso é possível. Especialmente quando as crises de apatia surgem. Mas estou tentando mantê-las sempre em primeiro plano aqui. E obrigado, de verdade, pelo apoio nesta corrida.

Beijão

Rob