25 de maio de 2010

Uma Vida em Copas: EUA - 1994

(Texto Anterior: Itália – 1990)



Em 1994, eu já havia sido campeão do mundo duas vezes. As duas, porém, com meu time, que derrotou o Barcelona (1992) e o Milan (1993), em dois jogos históricos.

O jogo contra o Milan, aliás, entrou na história da minha vida. Para quem não sabe, a partida acabou 3 x 2 para o São Paulo, sendo que o terceiro gol foi marcado por Müller, aos 41 do segundo tempo, e de forma totalmente sem querer (ele foi pular o goleiro e a bola bateu em seu calcanhar, indo para dentro do gol). Era madrugada e, enquanto meus amigos começaram a berrar e a pular na sala da minha casa, eu desmaiei.

Aliás, não sei se o termo correto é “desmaiar”, mas sei que perdi o final do jogo: estava sentado no chão da sala e, quando a bola entrou, eu simplesmente caí de costas no tapete, praticamente sem sentidos. Voltei a mim com meus amigos e meu pai me abanando e me sacudindo. Quando entendi o que estava acontecendo, eu já era bicampeão do mundo.

Então, eu já conhecia a felicidade de ser campeão do mundo. E, àquela altura da minha vida, ver meu time ser campeão do mundo (derrotando duas das maiores equipes da época) foi uma experiência inesquecível. Afinal, todo torcedor de futebol tem uma proximidade muito maior com seu time do que com a seleção. Eu estava no Morumbi, por exemplo, em todos os jogos da taça Libertadores da América, de 1993 (que resultou na partida contra o Milan, no final do ano). Por outro lado, até hoje eu nunca fui ao estádio ver um jogo do Brasil.

Assim, naquela época, eu me lembro de ter dito a alguns amigos que “quero que a Copa se foda, eu já sou campeão do mundo pelo São Paulo”. À época, talvez eu realmente acreditasse nisso. Hoje, olhando em retrospecto, eu sei que estava fingindo (para mim mesmo) desprezo pela Copa do Mundo somente porque eu não suportaria a dor de mais uma derrota. E repeti este discurso por alguns meses até o final de 1993, quando – com a incoerência típica de alguém com 18 anos de idade – mudei totalmente o discurso.

Sim, a Copa de 1994 começou, na minha vida, em outubro de 1993, no momento em que me virei para dois amigos e disse:

– O Brasil vai ser campeão do mundo no próximo ano. A seleção não é tudo isso, mas nenhum outro país tem time para ganhar a Copa.

E falei isso com pontos finais e ar tranqüilo, de autoridade. Meus amigos não apenas respeitaram a minha opinião como provavelmente acreditaram em mim. Afinal, eu entendia um pouco do assunto, já que eu era filho de quem era. Mas eu não posso culpá-los. Eu também acreditava naquilo.

Hoje, olhando em retrospecto, eu sei que não tinha motivo nenhum para acreditar na vitória. Não, minto. Eu tinha um, puramente imbecil, que era baseado em números. Vou tentar explicar aqui. O Brasil foi campeão do mundo pela primeira vez em 1958, na sexta copa do mundo (1930, 1934, 1938, 1950, 1954 e 1958). Como em 1970 o Brasil ganhou definitivamente a taça Jules Rimet, uma nova taça foi colocada em disputa no torneio seguinte. Desta forma, a copa de 1994 seria a sexta copa do mundo com esta nova taça (1974, 1978, 1982, 1986, 1990, 1994). E, para mim, isso bastava.

Eu sei que a teoria é completamente energúmena, mas não posso evitar. Até hoje, em vésperas de jogos decisivos do meu time ou da seleção brasileira, eu tomado pela ansiedade, ando pela rua procuro por sinais ou pistas (nas pessoas, nos carros, nos prédios, em tudo) de quem irá ganhar o jogo.

Aliás, eu vou ser sincero aqui. Eu não sei exatamente se realmente acreditava na vitória do Brasil, ou se esta teoria esdrúxula foi a maneira que eu encontrei de dizer aos meus amigos que “eu preciso que o Brasil ganhe esta copa, porque eu não vou conseguir lidar com mais uma derrota”.

Como digo desde os primeiros textos dessa série, eu queria ter heróis como os do meu pai. E as histórias que meu pai contava sobre os clubes do passado não me tocavam tanto quanto suas histórias sobre aqueles heróis que haviam conquistado o mundo nos gramados da Suécia, do Chile e do México, décadas antes. Mais que ser campeão com o São Paulo, eu queria ser campeão do mundo com minha seleção.

Agora, eu realmente não consigo compreender se foi meu lado otimista ou se foi meu lado racional que, tomando uma cerveja com meu pai num bar ao lado do Shopping Ibirapuera (não consigo me lembrar se isso foi um dia antes do início da Copa, ou um dia antes do jogo de estréia do Brasil), fez com que eu me virasse para ele e falasse:

– Eu acho que o Brasil vai ganhar essa copa.

Ele tomou um gole de cerveja, permaneceu em silêncio alguns segundos e respondeu, com sinceridade:

– Eu também.

Será que se o Brasil tivesse perdido esta copa, eu me lembraria disso hoje? Não faço idéia. O que eu sei que me lembraria com clareza são as muitas e muitas imagens da Copa em si, mais do que as outras.

Porque se você assistiu à Copa de 1994 tendo assistido a qualquer outra antes, o salto de qualidade na transmissão foi impressionante. Tudo aquilo que vemos hoje, que transforma o torneio num espetáculo visual (câmeras aéreas, closes em jogadores) começou ali, na Copa dos Estados Unidos. Visualmente falando, ela era tão impressionante que a Copa de 90 parecia ter sido realizada coisa de quinze ou vinte anos antes.

Mas claro que nem mesmo as imagens lindíssimas fariam o Brasil jogar bola de verdade na primeira fase. O problema do time de Carlos Alberto Parreira não era a retranca tática da equipe em si, mas sim o fato de que a equipe não parecia se encontrar em campo. Ganhamos da Rússia por 2 x 0, na estréia, mas com sufoco.


Em pé: Taffarel, Jorginho, Aldair, Mauro Silva, Márcio Santos e Branco.
Agachados: Mazinho, Romário, Dunga, Bebeto, Zinho.

Após as mudanças na escalação, este foram os onze que trouxeram a Copa.


Do meio de campo para trás, o time funcionava perfeitamente. Mas, à frente a história era outra. Raí, o camisa 10, rendia muito abaixo do esperado (o que fez com que ele desse lugar a Mazinho, logo no início da Copa). Zinho rendia exatamente o que era esperado, segurando a bola o tempo todo, sem produzir muito. Bebeto e Romário faziam o que podiam na frente (sendo que Romário sempre deixou claro, em suas atitudes, que jogava a copa para ele, e não para o time).

Minha sorte é que os outros times pareciam viver, também, um péssimo momento, sobretudo a Itália, que, a esta altura, eu odiava com todas as minhas forças – o que explica o fato de eu e meu pai termos nos abraçado gritando, quando eles tomaram um gol da Irlanda na derrota que sofreram na primeira fase. Já a Argentina, que eu também odiava com todas as minhas forças, parecia estar no caminho certo: a geração era memorável, e Maradona, já velho, parecia disposto a tudo para transformar aquela Copa em algo semelhante para a sua carreira como a Copa de 70 havia sido para Pelé.

Deste lado da tela, a torcida era maior que o futebol jogado pelo Brasil. Ao contrário da imprensa brasileira, eu comprei a idéia do time de Parreira – mesmo abominando a figura dele como técnico desde aquela época – e mergulhei de cabeça na Copa de 94.

E amigos, parentes e superstições vieram junto comigo.

Aliás, esta foi a Copa das superstições. Ao final do primeiro tempo de todos os jogos, eu e um amigo tínhamos que dar uma volta no quarteirão de casa (fizemos isso contra a Rússia e deu certo, assim passamos a fazer isso em todos os jogos). Outra coisa que nasceu no jogo contra a Rússia foi o cronômetro do meu pai. Ele decidiu que iria assistir ao jogo com um daqueles cronômetros que ficam pendurados no pescoço. Com 2 x 0 para o Brasil, ele se proibiu (e eu endossei a proibição) de assistir a outro jogo sem aquilo no pescoço.

Parece que deu certo, mesmo com o time caminhando aos trancos e barrancos. O placar da vitória contra Camarões (3 x 0) não faz justiça ao futebol jogado; já o da partida contra a Suécia, que encerrou a primeira fase (1 x 1), sim.

Mesmo assim, estávamos na segunda fase.

As oitavas de final começaram com um bom presságio: A Argentina, após perder Maradona num polêmico caso de doping, entrou em campo totalmente abalada para enfrentar a Romênia, que tinha aquele que, em minha opinião, era o melhor jogador da Copa: Hagi, um camisa 10 cerebral e técnico. Com 3 x 2 para os europeus, a Argentina voltava para casa, e minha Copa se tornava mais leve.

Mas, se a Argentina tinha problemas, eu também tinha, e não porque o Brasil iria enfrentar os Estados Unidos, donos da casa, justamente no dia 4 de julho, maior feriado deles, mas por causa do meu pai.

Devido a um problema na perna, ele estava internado aquela semana – nada grave, apenas o suficiente para ele precisar ficar em observação. E, com ele fora de casa, o fantasma das eliminações de 86 e 90 (causados, a meu ver, pela mudança do lugar em que minha família assistia ao jogo) começou a me rondar. Assim, na manhã do dia do jogo, eu já havia decidido: iria assistir à partida em casa. Meu pai assistiu ali, no hospital com a minha mãe, falando comigo antes, durante e depois – e, claro, com o cronômetro, que eu fiz questão de levar para lá antes do jogo.


Romário escapa de Lalas. O jogo contra
os EUA foi difícil, mas o pior estava por vir.



Deu certo. Com 1 x 0, o Brasil venceu o ferrolho norte americano e chegou às quartas de final para enfrentar a Holanda, naquele que seria considerado um dos maiores jogos da história das Copas. Eu, claro, não sabia disso, e estava confiante, pois, mesmo sem jogar um futebol vistoso, o time era sólido na defesa.

Lembro-me como se fosse hoje. Chegamos ao final do primeiro tempo ganhando por 2 x 0 da temível Holanda. Voltei da tradicional “volta no quarteirão” com meu amigo e sentamos para ver o segundo tempo, prevendo uma goleada que faria o time decolar no torneio. Estávamos totalmente errados. O Brasil voltou a campo completamente perdido na partida, e tomou um gol antes dos 20 minutos. Eu comecei a me apavorar e recordo até hoje a voz do meu pai quando ele disse, ao meu lado:

– Puta que pariu, deu bobeira no time.

Eu me assustei justamente porque ele não estava assustado, mas conformado. O “puta que pariu” dele foi assustadoramente frio, como se ele tivesse percebido que tudo iria por água abaixo naquele dia. E sua previsão aparentemente se concretizou minutos depois, quando a Holanda empatou.

E foi aí que eu enlouqueci.

Levantei de onde estava – acho que estava no chão da sala – desesperado de ódio, procurando por alguma coisa para quebrar. Eu não estava bravo com o gol de empate, eu estava furioso por estarmos ganhando de forma fácil e termos estragado tudo sozinhos. Mas, mais que qualquer outra coisa, eu estava com medo de nunca ver o Brasil passar das quartas-de-final de uma copa, e comecei a achar que o problema era comigo, que era eu quem fazia algo errado. Assim, eu me levantei gritando todos os palavrões que eu conhecia desesperado para socar ou chutar alguma coisa. Eu precisava descontar em algo.

Foi quando eu vi a tampa do quadro de luz da casa da minha mãe: um painel de madeira branca próximo à porta da cozinha. Assim que eu levantei a mão, minha mãe, assustada (mas prevendo o pior), gritou algo como “não soca nada!” e eu obedeci, não soquei nada. Ao invés disso, abaixei a mão e dei uma cabeçada com tudo no negócio que afundou na parede. Infantil? Muito. Doeu? Muito. Mas eu precisava machucar alguma coisa. Ou, melhor dizendo, eu precisava machucar a mim, para sentir outro tipo de dor, que não aquela.

Mas existem dias em que tudo dá certo. Após cavar uma falta (ou melhor, cometer uma falta no holandês), o lateral Branco – que havia entrado no lugar de Leonardo, suspenso após ter sido expulso no jogo anterior por arrebentar o rosto de Tab Ramos com uma cotovelada – literalmente achou um gol, de fora da área, numa daquelas cobranças mágicas que jamais resultariam em gol novamente. Passei uns cinco minutos totalmente descontrolado, sem saber se gritava, se chorava, se saía correndo pela rua, e, não sei como, acabei encontrando alguma forma de sobreviver até o final do jogo, apavorado com a idéia da Holanda empatar novamente.


Uma fração de segundos depois, o placar estaria Brasil 3 x2 Holanda.
E eu estaria descontrolado, do outro lado da América.


Hoje, pensando racionalmente, é óbvio que o Brasil se tornou campeão naquele jogo. Mas eu não conseguia ver isso – mesmo porque eu tinha medo de pensar assim e perder a copa novamente. Na verdade, ao final da partida, eu não conseguia pensar em outra coisa que não fosse “eu estou na semifinal da Copa”. Eu nunca havia chegado tão longe numa Copa do Mundo. Eu não fazia idéia de como era disputar uma semifinal de Copa.

E, curiosamente, a semifinal foi um jogo difícil (pegamos a Suécia novamente, vencendo com um gol de cabeça de Romário), mas não tão emocionante quanto a partida contra Holanda. Mas claro que como o gol brasileiro saiu somente aos 35 do segundo tempo, passei boa parte do jogo tremendo de medo com a idéia da Suécia encaixar um gol e acabar com tudo, em apenas um lance, como a Argentina havia feito quatro anos antes.

Assim, o apito final da partida me deu uma sensação de alívio que, infelizmente, durou cerca de apenas cinco minutos. Os jogadores ainda estavam em campo quando eu comecei a ficar com medo do que viria pela frente.

O Brasil ia jogar uma final de Copa, algo com o qual eu havia sonhado desde menino. Mas, como se não bastasse, a Itália de Roberto Baggio havia despachado a Bulgária de Stoichkov na outra semifinal, e seria o nosso adversário na decisão.

Ou seja, não era uma “final de Copa”. Era uma “final de Copa contra eles”.

Assim, na mesma noite, eu fiz uma promessa a alguns amigos: “se o Brasil for campeão, eu vou dançar a tarantela em cima da passarela da Avenida 23 de Maio”.

Todos riram e festejaram a minha confiança. E eu também ri. Mas apenas por fora, pois, por dentro, eu havia me tornado naquele menino de seis anos que perdeu a Copa de 82, e estava morrendo de medo. Eu não queria chegar numa final apenas para descobrir como era perdê-la. E eu ainda carregava comigo o monstro daquela copa, e carreguei ele comigo até o juiz apitar o início de Brasil X Itália, naquele 17 de julho.

Curiosamente, eu me recordo pouco do jogo em si. Talvez meu cérebro tenha bloqueado boa parte da partida como mecanismo de defesa. Para piorar tudo, meu amigo – aquele, das “voltas no quarteirão” não estava em casa, pois teve que assistir ao jogo em outro lugar.

Eu, já nervoso, comecei a piorar com o fato da bola não entrar (Romário perdeu gols feitos) de jeito nenhum, e temendo – como sempre – que os italianos achassem um gol ali, a qualquer minuto, o que faria com que a Copa, que nunca esteve tão perto de mim, se distanciasse novamente para os malditos “daqui a quatro anos”.

E eu sabia que não teria maturidade para lidar com aquilo. Não numa situação daquelas. Eu vou ser sincero: eu estava emocionalmente esgotado de tanto perder.

Mas eu comecei a ficar assustado de verdade quando o jogo foi para prorrogação. Nunca uma final de Copa havia terminado 0 x 0, e ido para a prorrogação. Nunca. As pernas dos jogadores começaram a falhar, e qualquer erro – que a esta altura seria fatal – ficava mais fácil de acontecer.


Viola observa Romário no chão.
E a bola não entra. De novo, a bola não entra.

Conforme a prorrogação avançava, sem gols, meu pai demonstrou também não ter maturidade para lidar com aquilo. Eu e minha mãe estávamos no chão da sala, ao pé da televisão, assistindo ao jogo de mãos dadas (e não sei em que momento fomos parar ali, já que começamos a partida no sofá). Mas, faltando cinco minutos para acabar o segundo tempo da prorrogação, meu pai se levantou, pegou a chave e foi em direção à porta.

– Eu não consigo mais assistir a esse jogo. Eu preciso ficar longe da TV.

Sinceramente, eu não sei se ele estava nervoso com a partida em si, ou pelo fato de ver sua família sofrendo tanto por algo e não poder fazer nada, a não ser sofrer junto.

Ou talvez ele estivesse com medo de estar na mesma sala que eu caso a Itália fizesse um gol. E não porque eu quebraria a casa inteira (acho que eu não teria forças para isso), mas sim porque ele não saberia o que fazer, ou ao menos como lidar com a tristeza que seu filho sentiria.

Hoje, eu sei que era um pouco dos três.

Assim, eu vi aquela disputa de pênaltis que aconteceu na tarde daquele 17 de julho e entrou para a história, apenas com minha mãe, de mãos dadas e ajoelhados no chão da sala. Eu e ela rezando, eu e ela chorando. Baresi chuta para fora. 0x0. A cada pênalti, eu fazia uma promessa; a cada pênalti, eu pedia a Deus para que tudo desse certo. Pagliuca defende o chute de Márcio Santos. 0x0. Eu venderia minha alma naquele momento, sem pensar duas vezes. Albertini marca. 0x1.

Romário marca. 1x1. E, a cada pênalti, eu pedia para aquele sofrimento acabar logo, porque eu não sabia mais quanto tempo agüentaria. Evani marca. 1x2. Minhas emoções iam de oito a oitenta em segundos, e voltavam para oito em segundos. Branco marca. 2x2. Eu sentia uma esperança cega e desmedida em cada cobrança da Itália. Taffarel defende o chute de Massaro. 2x2. E eu sentia um pavor devastador a cada cobrança do Brasil. Dunga marca e soca o ar repetidamente. Eu soco junto. 3x2. Até hoje meu estômago se embrulha sempre que vejo lances desta disputa.

Roberto Baggio chuta por cima do gol. Brasil 3 x 2 Itália.

Brasil 3 x 2 Itália. E esse placar nunca mais seria modificado.

Acabou.

E eu explodi. E eu explodi doze anos da minha vida. Eu explodi a derrota para a Itália, a derrota para a França, a derrota para Argentina.

Eu pagaria muito bem para saber, hoje,
exatamente o que eu pensei neste momento.


Abracei minha mãe ali mesmo, chorando, e caímos de costas no chão da sala. Eu não lembro o que estava gritando, mas algo eu estava gritando quando saí correndo para a rua, deixando o Galvão Bueno e o Pelé comemorando na minha sala. Eu precisava sair de lá, a minha casa era pequena para mim. O mundo era pequeno para mim.

Porque, naquele momento, o mundo era meu.

Depois de décadas de lágrimas e frustrações, o mundo era meu.

E foi pulando na rua, sem saber direito como comemorar aquilo, como lidar com aquilo que eu sentia, em meio a fogos, carros buzinando, pessoas gritando nos prédios que, ao olhar para um dos lados, vi meu pai virando a esquina, já andando em minha direção de braços abertos. Instintivamente, corri em direção a ele, o mais rápido que eu pude sem pensar em nada. E me lembro claramente de ouvi-lo falar, conforme eu me aproximava:

– Calma! Cuidado para não cair!

Eu tinha dezoito anos, eu não era criança, eu não ia cair, porra. Assim, respondi apenas algo como “Cuidado nada! A Copa é nossa!”, antes de levantá-lo e abraçá-lo gritando coisas sem sentido algum.

Hoje, passados dezesseis anos deste dia, eu sei que ele estava certo. Eu poderia cair. Porque, naquele momento, eu não tinha dezoito anos, eu era novamente uma criança. E meu pai foi o único que enxergou isso. Meu pai entendeu que ali eu tinha seis anos de idade. Eu tinha os mesmos seis anos de doze anos antes, quando perdemos a Copa de 1982, e eu tinha os mesmos seis anos que meu pai tinha quando perdemos a Copa de 1950. Mas, desta vez, estas duas crianças estavam sorrindo, em mim.

E eu era a criança mais feliz do mundo.

Ela viria para a minha casa.
Finalmente, ela era minha.

E, finalmente, eu tinha os meus heróis. Teria lances, batalhas e gols, para encantar o meu filho da mesma forma que meu pai havia feito comigo na minha infância, podendo dizer a ele que “eu vi isso acontecer”.

Se eu dancei a tarantela na passarela da Avenida 23 de Maio? Dancei. Alguém tirou foto disso, e este retrato está perdido em algum lugar do planeta. Eu não preciso da foto, eu tenho as memórias de tudo isso.

Horas depois, exausto de felicidade, deitei para dormir e pensei em mim, no ano de 1982, chorando. E, de repente, percebi que algum menino italiano, de seis anos de idade, estaria indo dormir chorando naquela noite de 17 de julho de 1994, como eu havia chorado doze anos antes. E, antes de pegar no sono, murmurei algo como “um dia ela vai ser sua também, pode ter certeza”, querendo que esse italianinho, que deveria estar achando a vida injusta demais, cruel, me ouvisse e acreditasse em mim.

Naquele momento, aprendi que todas as derrotas que havia sofrido em todas as copas do mundo que vivi, haviam me ensinado a vencer.

E, assim, antes de finalmente dormir, eu sorri.

Porque aquela noite, eu era campeão do mundo.

E nada, nunca, iria tirar isso de mim.

(Próximo texto: França – 1998)

25 comentários:

Tharik disse...

E o menino italianinho de 6 anos teve sua vitoria exatamente 12 anos depois neh hahaha...

Muito bom o texto... Foi o que eu mais me emocionei lendo até agora...

Bia Nascimento disse...

To emocionada. Depois eu volto e comento direito.


PS: Você é foda!

@dudutamborim disse...

Caralho, meus olhos se encheram de lágrimas em plena aula de MPLS.

Só retificando: acho que vc digitou errado. O zagueiro italiano é o Baresi. Franco Baresi.

Abração.

Dani Cavalheiro disse...

Por muito tempo eu - que tinha só seis anos nessa copa - pensei que esse cachorrinho era o símbolo da copa, de todas elas, e não só da de 94. Pra ter noção de como essa copa marcou minha vida.

A final é que deixou mais lembranças: minha prima tinha pintado as unhas de verde e amarelo (é tradição na família, todas as mulheres fazem isso em todas as copas) e, qd o Baggio perdeu aquele pênalti, e eu olhei pra ela, tinha pedaços de esmalte pelo sofá, no rosto dela. De nervoso, ela tinha arrancado os esmaltes, roído as unhas.


Aliás, só pra constar, vi o Baggio na tv tem algumas semanas. Ele tá parecendo o Latino.
=P

Belo texto, parabéns. Me emocionou.

Besos!

Leandro disse...

Esta foi a copa que mais me marcou também, tinha 12 anos.

Texto foda. Não consigo escrever mais nada agora.

Valeu Rob.

Natalia Máximo disse...

Na Copa de 94, eu tinha 3 anos. A única coisa que eu lembro perfeitamente é do Dunga levantando a taça. Foi minha primeira Copa do Mundo. Quando estava esperando sair esse texto - e, acredite, eu estava esperando muito -, não pensei que fosse me emocionar tanto. Me arrepiei, chorei e meu coração acelerou. Obrigada, Rob, por me fazer sentir e lembrar de momentos que, sozinha, eu não me lembraria.

Marina disse...

Essa foi a melhor Copa que eu acompanhei. Lembro de voltar pra casa exausta, como se eu mesma tivesse batido os pênaltis.

rbns disse...

Nunca mais vai haver uma final de copa como esta. Graças à Deus.

Os dois caras que eu tinha certeza iam enterrar o Brasil foram quem nos salvaram: Baggio e Tafarel.

LeandroMéxico disse...

Caralho cara!!!!!!
"... vi meu pai virando a esquina, já andando em minha direção de braços abertos."
Essa foi fodissima! Emocionante!!!
Como sempre perfeito!

Anônimo disse...

Uma viagem aos meus 13 anos.
É engraçado como aquele 1994 foi um ano cheio de sensações.
Eu estava entusiasmado demais com os esportes naquele ano. Além do 2° título mundial do São Paulo, 1993 tinha se encerrado com algumas excelentes notícias: Airton Senna, pilotaria o melhor carro da Fórmula 1 (Williams), o São Paulo seria o clube que mais jogadores cederia à seleção brasileira (o que já me dava um pouco mais de segurança), o zagueiro Ricardo Gomes (e suas muitas contusões) estava cortado e Romário era realidade.
Não sei, mas acho que com a morte do Senna, no 1° de maio daquele ano, as coisas mudaram um pouco. Penso até que, tamanha era a consternação do povo que, de certa forma, a pressão (que trazia 24 anos de fila, passando pelas sofridas derrotas de 82, 86 e a de que eu mais me lembrava a de 1990, com a derrota para a Argentina) diminuiu.
Os jogos foram acontecendo e, aqui em São Paulo, não vivíamos mais o inverno de junho. Vivíamos o calor escaldante do verão americano. Claro que eu não vou me lembrar, com a mesma riqueza de detalhes, mas algumas imagens daquela copa ficaram muito marcadas naquela Copa (que sim, foi a copa do Romário):
- Me lembro da máster cotovelada do Leonardo no jogador americano;
- Da comemoração de Bebeto, Romário e Mazinho, pelo nascimento do filho do camisa 7;
- O magnífico gol de falta do Branco, contra a Holanda;
- Os pênaltis contra a Itália;
- O Galvão (Damnit!!);
- O Pelé (Entende?);
- A comemoração (cambalhotas do massagista, jogadores envolvidos nas bandeiras, uma oração feita naquele campo de batalha);
- E um “Pooorraaaaa” que, pela boca do Dunga, foi gritado para todo o planeta;

Foi uma copa foda... Se foi...

Abraço

Charlie

Claudia Iarossi disse...

Obrigada por me fazer sentir TUDO AQUILO novamente!!!!!

Fagner Franco disse...

Como já disseram por aqui, bom sentir tudo aquilo de novo, obrigado. Foi foda! Na de 90, com 6 anos, não conseguia lembrar de muitos detalhes. Agora, 94, já tenho tudo claro na cabeça. Animal.
Obrigado, Rob. Novamente, sensacional.

Gwyddyon disse...

sinceramente acho que nao tem quem não se emocione lendo esse texto e lembrando do que foi a copa de 94. Ninguém da geração de "filhos" viu o brasil ser campeão... até mesmo alguns dos "pais" não viram isso. Por mais que alguns torcam mais pelos seus times, e outros nao gostem de futebol, é humanamente impossível nao enlouquecer vendo o time que representa seu país ser campeão do mundo. Eu lembro que tive uma infecção no dedão do pé (longa história) e não podia caminhar. No final da cobrança dos penaltis, eu tava correndo pelo quateirão da minha casa gritando que nem louco =P.

coisa que não fiz quando o brasil foi penta... eu já tinha sentido a emoçao de ser campeão do mundo uma vez ^^

Gwyddyon disse...

pootz, esqueci de outra coisa, e que vc nao comenta tb no texto. não eram só mais de 20 anos sem um título. Era a briga pra ver quem ia ser o primeiro tetracampeão mundial. Naquela final, tanto brasil quanto itália eram tri. E isso fez toda a diferença =P

Nana Buono disse...

Era um ano de muitas expectativas para os meus 10 anos.

Copa do Mundo, Tri-Libertadores e Mundial (que só viriam onze anos depois), mas a maior delas era a chegada de um novo membro na família: o irmãozinho tão pedido e sonhado, que mamãe disse que nunca viria - porque três eram demais - mas que acabou acontecendo por acidente, quase nove anos depois da última gravidez.

Eu estava nessa pela diversão. Era a primeira Copa que iria curtir de verdade, pois tinha 3 anos em 86, e nem ligava muito para o futebol em 90. Só me lembro do meu ódio mortal pela Argentina, que me fez rir à beça com a "expulsão" do odioso Maradona.

Me lembro dos jogos da primeira fase, sempre sentados no chão da casa da minha avó materna (ou da avó de alguém da rua), com muita pipoca e muita farra. Ao final, íamos visitar meu avô paterno, que morava na Praia, mas estava hospedado na casa do meu tio porque estava tratando uma trombose nas pernas. No meio do tratamento, ele descobriu um câncer de pulmão.

A partir da fase eliminatória, assisti a cada jogo num lugar diferente, não me pergunte o porquê, acredito que eram as férias de julho. Ainda bem que não era supersticiosa como você, pelo menos não com a Seleção.

No jogo contra os EUA, estava em Arujá, na casa dos meus tios. Um sofrimento, lembro bem.

O jogo contra a Holanda, assisti na minha casa, na companhia dos meus pais e da minha irmã. Inesquecível aquele chute do Branco, que lhe rendeu até convites para atuar na NFL. Ao final deste jogo, meu pai e minha irmã saíram para visitar meu avô. Eu não fui, para ficar e fazer companhia à minha mãe, já nas últimas semanas de gravidez. Uma culpa que eu carrego no meu coração até hoje.

Do jogo contra a Suécia, não me lembro de absolutamente nada. Acho que assisti na casa da minha avó materna novamente. Só sei que pela primeira vez em minha vida veria o Brasil em uma final de Copa do Mundo.

Nesse meio tempo meu avô teve de ser internado, pois havia piorado.

Chegou o grande dia. Um grande almoço de domingo na casa de uma tia-avó para assistir à tão esperada final. O circo armado, com uma TV estrategicamente colocada na área.

Que sofrimento! A cada lance perdido, a cada ataque adversário, eram gritos, de incentivo e xingamento. O apito final. A agonia de mais 30 minutos sem nenhuma definição, e finalmente os penais.

Quem iria imaginar que o craque do time italiano isolaria a bola na arquibancada?

A família inteira explodiu em gritos. Uma das cenas que mais me marcaram foi a minha mãe, pulando com um barrigão que viria a ser um bebê com mais de 4 quilos.

E, mais uma vez, ao final do jogo, meu pai saiu para visitar o meu avô, desta vez no hospital, onde soube que ele teria de amuptar a perna. Meu tio havia gravado o jogo para que ele assistisse quando tivesse alta.

A fita nunca foi reporduzida. Na madrugada seguinte - data da cirurgia de amputação - um infarto fulminante levou meu avô. E a alegria pela conquista do Tetra ficava esquecida entre choros, velas e coroas de flores.

Ainda enlutados, recebemos a melhor notícia do mundo menos de uma semana depois do término da Copa e da morte do meu avô: no sábado seguinte, numa maternidade do Paraíso, nascia o Vinícius. A alegria da casa, o futuro craque da várzea, o sorriso que nos havia sido roubado cinco dias antes.


E assim terminou a minha Copa de 94. Uma Copa de vida ou morte. De morte e vida.

Pedro Lucas Rocha Cabral de Vasconcellos disse...

É verdade... O italiano venceu exatamente 12 anos depois... Dude WTF?

Varotto disse...

Eu já tinha 22 anos, então já estava sem prestar atenção a futebol há muito tempo, mas mesmo assim, me lembro que a disputa de pênaltis foi tensa...

Agora quanto às superstições (a volta no quateirão, o cronômetro no pescoço), é interessante ver como isso é irracional.

Você é um cara muito inteligente e racional, e tenho certeza de que, afastado do calor da batalha, você tem noção de como isso tudo é ridículo.

Mas na hora tudo faz sentido, e o medo de perder tudo é mais forte do que racionalismos. Na hora não custa nada passar a acreditar em coisas que em outros momentos você mesmo pode considerar absolutamente patéticas.

É como a pessoa que não acredita em nada, o cético padrão, mas na hora que tem um filho com uma doença que ninguém consegue debelar, vai levar a criança até ao pajé, se isso significar que há pelo menos uma sombra de possibilidade de cura.

E o pior é que, uns mais e outros menos, todo mundo já passou por situações assim. É só uma questão da importância que aquela situação tem para você.

Texto intenso!

P.S.: Ia falar do Pagliuca, mas vi que você já consertou...

Anônimo disse...

Rob Gordon me aplicou um elástico bem ao estilo Romário x Amaral. Falar que o post é fodástico é chover no molhado, mas vai mais uma aguinha aí.

Gabis disse...

Me arepiei e chorei. Muito.

Bel Lucyk disse...

- Rob, ler seu texto foi um recordar é viver! a Copa de 94 foi a primeira que eu realmente assisti e curti. E foi tão intenso que ainda me lembro de vários lances dentro do campo e de como aquele clima de copa suscitou tão bons momentos. E pra mim o melhor foi o gol do Branco de quase do meio do campo! Foi lindo!
As copas seguintes foram legais, adorei qdo fomos campeoes de novo, mas 94... pra mim foi um marco.

Kel Sodré disse...

Rob, acho que o texto atingiu as expectativas de todos nós, que vínhamos lendo os outros textos das Copas ansiosos por 94.

Foi lindo você ter pensado no menino italiano de 6 anos. Eu sempre fico com um pouco de pena de quem perde, mesmo sabendo que faz parte do jogo. E sempre me sinto um pouquinho culpada de comemorar uma vitória pensando no sofrimento de quem perdeu. Mas sei que perder é parte de jogar tanto quanto ganhar...

E, com relação aos sinais de que o Brasil vai ganhar este ano, saiu uma matéria no G1 de dois cientistas não sei de onde que fizeram um algorítmo para calcular quem irá ganhar a Copa este ano. Deu Brasil. Em uma final contra a Sérvia! Dá pra levar isso a sério?

Vinicius Cabral disse...

Depois perguntam por que eu gosto de futebol...

Porque só o futebol me faz ler textos como esse.

Eu tinha 14 anos na época, e não tinha "sofrido" 82, 86, nem muito na Copa de 90... mas 94 foi especial...

Lua Durand disse...

Lembro-me bem, do dia 17 de julho de 1994.
Eu tinha 3 para 4 anos de idade, e estavamos a familia inteira reunida na casa da minha avó, e chovia muito.
Não lembro do jogo exactamente, mas nunca vou esquecer dos gritos de "É campeão" vindo da garganta de todos aao redor, e eu, meus irmãos e todos os meus primos e primas, correndo na chuva e gritando de felicidade.
Ah, a minha primeira copa, e uma vitória.
Sim, porque na copa de 1990, eu nasci meses depois de a alemanha ser campeã.

:)

Alan disse...

Não consigo lembrar dessa copa sem me emocionar. Aconteceu agora de novo. Tantas historias dessa copa, me lembro de tanta coisa.

A classificação em 93, Romario fazendo gols, o jogo contra a Holanda, os penaltis, o a semi contra a Suécia.

A mais especial até hoje é a lembrança do Galvão dizendo "quem sabe não é hoje o dia da gente acabar com os fantasma dos penaltis", algo assim... rs. Até hoje eu lembro disso como se fosse há minutos atrás.

Unknown disse...

Dia inesquecível para mim. Pela conquista do mundial e por ter aprendido a andar de bicicleta no momento em que o mundo se acabava em bombas e rojões.