20 de setembro de 2009

Se Ela Dança, Eu Danço não Durmo

A semana que passou não foi nada fácil para mim. De segunda à sexta, foram praticamente 12, 14 horas de trabalho por dia. Ou seja, na quarta-feira eu já estava com um par de olheiras digno de um urso panda. Na sexta, eu já havia me transformado em uma miniatura do Alice Cooper (deixando de lado os cabelos).

A coisa estava tão feia que, na quinta-feira, minha perna dormiu por causa da posição que eu estava sentado, e eu não senti formigamento – senti apenas inveja dela.

Assim, passei a semana esperando ansiosamente pela noite de sexta. Meu plano era dormir até ter câimbras nas pálpebras e acordar no sábado feito um bebê. Porém, talvez porque eu ainda estivesse totalmente pilhado por causa do trabalho, não consegui dormir direito – e a noite ainda teve direito a pesadelos. Ô fase.

Dessa forma, acordei pior ainda no sábado. Se as pessoas realmente precisam do “sono da beleza”, eu caminhava a passos largos para me tornar um dos sujeitos mais horrendos do planeta. Assim, me preparei para colocar uns palitos de fósforo nos olhos, para mantê-los abertos (laranja mecânica mode: on) e atravessar o sábado em marcha lenta.

Ontem à noite, porém, tudo parecia perfeito. Passei a maior parte do dia num churrasco e a maior parte do churrasco com uma lata de cerveja na mão. Some isso ao fato de que como 88% do meu organismo já eram compostos por sono, a entrada de carne e cerveja na equação faria com que eu dormisse feito um bebê.

Por volta de meia-noite meus olhos já lacrimejavam de sono. Deitei na cama, empurrando a Besta-Fera para o lado e fechei os olhos, me preparando para dormir por semanas. Respirei fundo e sorri. Minha felicidade por saber que eu iria dormir era tão grande que eu estava até mesmo ouvindo músicas dentro da minha cabeça.

tum ts tum ts tum ts
tum tum tum
ts tum ts tum ts
tum tum tum


Virei para um lado, virei para o outro. A música simplesmente não parava. Na verdade, não era uma música, era apenas o som de uma maldita bateria eletrônica. Mais nada. Ou seja, a hipótese de que meus neurônios estavam cantando uma cantiga de ninar para mim não era válida – a não ser que se tratasse de uma versão remixada de “nana nenê, que a Cuca vem pegar”.

tum ts tum ts tum ts
tum tum tum
ts tum ts tum ts
tum tum tum


Comecei a considerar, então, a possibilidade dos meus neurônios estarem promovendo uma rave dentro da minha cabeça. Teriam alugado uma fazenda em algum canto do cérebro e estavam enfeitados com pulseiras e colares brilhantes, dançando e tomando ecstasy. Foi neste momento que me lembrei de ter lido, em algum lugar, que algumas raves duram três ou quatro dias e levantei em pânico, assustado com a idéia de ter que ouvir aquilo até o meio da semana seguinte.

tum ts tum ts tum ts
tum tum tum
ts tum ts tum ts
tum tum tum


Joguei uma água no rosto, mas a música não parou. Pelo contrário, ficou mais alta. Mas, pelo menos, eu tive certeza de que o barulho não vinha do meu cérebro, mas sim da cozinha. Mais precisamente, da janela. Mais precisamente ainda, do prédio ao lado.

tum ts tum ts tum ts
tum tum tum
ts tum ts tum ts
tum tum tum

Então é isso. Os moradores do prédio ao lado estavam dando outra festa. Deve ser delicioso morar naquele prédio, porque eles dão festas de arromba sábado sim, sábado também. Aqui no meu prédio, a única celebração que minha síndica permite são as reuniões de condomínio – que, devido à presença dela, são tão animadas quanto uma missa negra.

Mas, pelo menos, o som não estava alto como nas outras vezes. Aparentemente, a festa estava acontecendo num lugar fechado – talvez dentro do salão – e o volume estava suportável. Decidi voltar para a cama e tentar dormir novamente.

Eu estava justamente na porta do quarto quando alguém, na festa, falou, usando um microfone. Sim, você não leu errado, um microfone.

– Pessoal, a pista está aberta! Vamos dançar a noite inteira!

Eu consegui apenas colocar as mãos no rosto e gemer um “não, Deus, por favor”.

Aí a festa começou de verdade. A música começou a entrar no meu apartamento por todas as portas e janelas. Se eu instalasse um globo de luz no teto do meu quarto, poderia transformá-lo numa boate particular e ficar dançando sozinho com a Besta-Fera.

Deitei na cama e coloquei o travesseiro sobre a cabeça. A maldita música não parava – e, o que era pior, não era uma música de verdade, mas sim Swing the Mood, do Jive Bunny, aquele remix idiota das músicas dos anos 50, que abre todas as festas de casamento de 1988 para cá.

Glenn Miller rolava no caixão, e eu rolava na cama.

E a coisa só piorava. Emendaram com It’s Raining Man, da Gloria Gaynor, seguido de YMCA, do Village People – com direito a todos os convidados gritarem “ÁÁÁi... Em Ci Ei!” junto com o refrão.

E eu ali no quarto, socando a cama e tentando me lembrar se o Pão de Açúcar vendia granadas.

Acho que consegui dar uma cochilada – ou o DJ trocou o disco sem esperar a música acabar –, porque o Village People se transformou naquele lixo de “se ela dança, eu danço”. Eu já não sabia mais se o prédio do lado era palco de uma festa ou de um show do Chatotorix.

Olhei no relógio: 01:35. Tentei fechar os olhos novamente e contar carneirinhos, mas não encontrei nenhum. Fiquei minutos olhando aquele gramado com a cerquinha de madeira, e nenhum carneiro apareceu. Provavelmente estavam todos escondidos, com medo do barulho.

Levantei e fui beber água. No meio do caminho, minha casa começou a tremer com os berros de “tô ficando atoladinha, tô ficando atoladinha”. Aí já era golpe baixo. Fechei as janelas da cozinha correndo para impedir que aquele funk imbecil entrasse no meu apartamento, mas não adiantou. Peguei um cabo de vassoura e fiquei andando pela casa, tentando acertar cada nota musical que entrava pela janela.

Lágrimas de desespero começaram a escorrer pelo meu rosto.

Olhei para a varanda. A única hipótese viável era o suicídio. Me jogaria do apartamento e acabaria logo com tudo. Como eu não conseguiria escrever uma carta de despedida por causa do barulho, deixaria apenas um bilhete pedindo apenas para que o meu túmulo tivesse a inscrição “finalmente ele está dormindo em paz”.

Mudei de idéia quando me lembrei da Tereza. Se ela já foi quase expulsa do prédio por tentar se suicidar, imagine o que aconteceria comigo? Minha síndica seria capaz de encontrar uma maneira de fazer com que eu ressuscitasse apenas para me matar de novo.

Olhei ao redor procurando por alguma idéia. Eis que eu vi, brilhando sobre a mesa, meu mp3. Me lembrei de todas as músicas dos Beatles guardadas lá dentro e a idéia pareceu boa. Voltei para a cama, coloquei os fones de ouvido e liguei.

Meu cérebro respirou aliviado quando Taxman começou a entrar pelos meus ouvidos. Num suspiro aliviado, me deitei de lado e tentei até sorrir (geni e o zepelim mode: on). Não deu tempo. Dormi antes do primeiro refrão.

Acordei as seis da manhã e John Lennon estava no meu ouvido, gritando algo a respeito de ser uma morsa. Desliguei o mp3. Nada de funk, ou Village People. A festa havia acabado. Coloquei os fones de ouvido de lado, virei para o outro lado e dormi profundamente.

Graças aos Beatles, finalmente, I’m Only Sleeping.

22 comentários:

Anônimo disse...

Acho que temos problemas parecidos.
A diferença dessa vez é que meu sono foi interrompido pelo som de uma dupla de sertaNOJO.
Cochilei as quatro da matina. Acordei as cinco e alguma coisa com vozes vindas de rua. Uma multidão de pessoas estava a caminho de uma gruta. O sino da igreja não parava e uma musica de refrão repetitivo me azucrinava. As beatas faziam orações... Aposto que pediam perdão por estarem acordadas naquela hora, impedindo que escravos que trabalham no sábado como eu, dormissem o sono dos justos...

Obrigado por escrever, assim eu percebo que o mundo não somente contra mim...

Dari

Anônimo disse...

"Se eu instalasse um globo de luz no teto do meu quarto, poderia transformá-lo numa boate particular e ficar dançando sozinho com a Besta-Fera."


kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk³³³

Obrigado por me fazer sorrir hoje cara. Só você mesmo!

Grande abraço1

MaxReinert disse...

Já me aconteceu coisa parecida... e dá-lhe Mp3, 4 5 e 7 pra dar conta de dispersar o cérebro!

Caru disse...

Não sei se em SP funciona, mas em Caçapava, sempre chamavam polícia quando eu fazia festas rss.. isso pq minhas festas começavam às 8h rsss

Bjoca

Jullia A. disse...

'E eu ali no quarto, socando a cama e tentando me lembrar se o Pão de Açúcar vendia granadas.'

Ri alto. Meu problema é maior no sabado de manhã porque o cara corta a grama do condmínio. É infernal.

Jessica disse...

"A coisa estava tão feia que, na quinta-feira, minha perna dormiu por causa da posição que eu estava sentado, e eu não senti formigamento – senti apenas inveja dela."
Adorei! hauahaua
Sempre sinto inveja de pernas dormentes, narcolepticos e gente em geral que tem profissões que as deixam dormir.

Melhores noites de sonho pra ti! (:

Hally disse...

Problemas parecidos, com a diferença que aqui tem uma casa logo abaixo da minha, onde promovem "Bailões" (paranaense de interior mode ON), então toca de tudo, mas tudo de gosto horrendo: sertanejo, axé, funk, pagode, enfim, um inferno. Só que não é apenas na madrugada de sábado para domingo, é o fim de semana inteiro. Sexta, sábado e domingo de noites mal dormidas.

E, pra piorar, se é que dá pra piorar, quase todo fim de semana rola tiroteio, gritaria, sirenes... me sinto em uma favela, morando próximo ao baile funk. Plagiando-o: Ô fase!

Mas, aí lembro do meu MP3 (invenção maravilhosa *-*), recheado de AC/DC, Deep Purple, e mais um monte de Hard Rock 80's farofa (sim, eu gosto disso) e consigo respirar e dormir mais aliviada.

George Marques disse...

Às vezes alguém com aqueles carros com aparelho de som ultrapotente pára na esquina e deixa tocando aqueles funks pornográficos. Isso, claro, depois das 22h. E não só de final de semana, Às vezes na quarta-feira eles estão lá, como se ninguém precisasse dormir. Hoje em dia não há mais respeito. A humanidade não deu certo

Camila disse...

Ah eu sei exatamente o que é isso...
Meus vizinhos formaram uma espécie de complô...toda vez q eu consigo dormir, eles arrumam uma maneira de me acordar...
Deus salve o mp3.

May. disse...

HAHAHAHAHA
Sério, que pessoa engraçada!
E mal, mas apesar de ficar penalizada pelo seu sono ter sido tão afetado, fico feliz de isso acontecer com alguém que conte histórias tão bem!

E bom, aqui perto, as pessoas não dão festas porque meu prédio é quase o único numa rua de casas com pessoas pacatas. Mas tem umas que resolvem vir a pé até aqui na frente pra 'lavar a roupa suja'. Depois, saem andando e vão embora. Por que? Eu nunca vou saber. Mas quando eu casar, com certeza vou voltar se precisar resolver assuntos sérios. Deve dar resultado.

Otavio Cohen disse...

Swing the Mood é foda ahahhaa

(mas confessa: se vc tá numa festa, vc dança)


e com beatles, também, é incomparável. nothing's gonna change your world ;)

Nelson disse...

Você tem sorte, eu não consigo dormir nem com músicas que eu gosto. É o mal de ser ex-músico: você começa a analisar as cadências e acentuações; consequentemente, o sono vai embora. Se eu estivesse no seu lugar, faria "Tiros em Columbine" parecer brincadeira.

Infelizmente, todos os lugares tem um vizinho mala que gosta de fazer "a festa perfeita" justamente no dia que você mais precisa dormir. Aqui tem o vizinho da frente, que costumava aumentar o volume do sertanejo depois da meia-noite, só pra aproveitar o silêncio. Isso parou magicamente depois que todo mundo começou a ligar pra polícia, hahah.

Belo texto. "...e John Lennon estava no meu ouvido, gritando algo a respeito de ser uma morsa" soou muito Douglas Adams. Aliás, talvez ele tivesse uma teoria sobre vizinhos chatos, mas infelizmente este gênio foi embora, em vez dos vizinhos chatos.

abraços!

Natalia Máximo disse...

A festa vinha de um prédio? Aí em Pinheiros, vocês não respeitam a tal da Lei do Silêncio? Até aqui no Limão, parte consideravelmente afastada do resto da sociedade, isso não acontece!

Marcos Pinheiro disse...

Tu enfrenta cada uma nessa vida, é? Bom pra nós que damos gargalhadas com os posts que essas situações rendem.

Davis Sousa disse...

Fui obrigado a lembrar disso aqui: http://www.youtube.com/watch?v=7S3mwYLIZKg

Varotto disse...

Muito inspirado, Rob!

Por falar em música, sexta-feira estarei aí na sua terra. para visitar a Expo Music 2009.

Relax, ainda há esperança...

Varotto disse...

E sobre o problema do barulho, uma dica: mantenha à mão aqueles plugues de espuma para os ouvidos (diminui bastante a intensidade captada) e, se não for suficiente, pode ainda ligar o condicionador de ar (se já estiver frio, ligue só na ventilação.

É claro, que se você tivesse feito isso, mais da metade da história que você contou estaria comprometida.

Mas o sono é mais importante...

Sil disse...

Eu e minha mania de ler seu blog no horário de trabalho.

Foi difícil segurar as gargalhadas.

Tá, rir da sua desgraça é sacanagem com sua falta de sono mas também é irresistível e a culpa é toda sua por escrever tão bem ^_^

Beijo

Boa semana

Climão Tahiti disse...

Ao menos você conseguiu escapar do pior nessas festas: as músicas que infeccionam o cérebro.

Aquelas que ficam na cabeça, por mais que as odeie profundamente.

Kel Sodre disse...

hehehehe

Ontem meu vizinho bêbado estava cantando por volta da uma da madrugada. Era sertanejo. Eu não só não consegui dormir por causa da cantoria, mas fui acordada por ela! Ecantoria de bêbado, já viu, né. Só não escrevi um post pro Armário porque senão ia ficar muito ideia sugada da sua... :-/

Marina disse...

A melhor frase do dia foi a da inveja da perna dormente. Hhauhauhauhuauha!

Nathália disse...

Rob uma pergunta: vc tem algum tipo de dificuldade, por menor q seja, de escrever seus textos? de encontrar as palavras certas?
nossa vc escreve com uma naturalidade e humor incriveis.

p.s: é sei bem oq é isso. moro de frente uma casa de shows (não é um antro de perdição) uma casa que se alugam para festas. e praticamente todos os dias aquele som e musicas atordoantes me tiram o sono! até que ja to me acostumando. :)