Há alguns meses atrás, meu lendário aquecedor morreu. Sim, aquele mesmo, que me fazia ter disputas territoriais com a Besta-Fera e que foi responsável pelo incêndio na calça da Sra. Gordon. E foi uma morte estranha, o botão de ligar simplesmente pipocou para fora do corpo do aquecedor, com ele desligado e guardado no quarto (Jonas, alguém?).
Enfim, como era verão, não dei muita importância ao fato. Soltei um “o aquecedor está morto, longa vida ao aquecedor”, lamentei sua morte por dez minutos e continuei tocando a vida.
Entretanto, o tempo passou e trouxe o inverno com ele. Um inverno particularmente frio. Se você mora em São Paulo, sabe que está fazendo um frio de gente grande na cidade. A meu ver, tinha duas escolhas: ou migrava para um lugar quente, ou comprava um aquecedor novo. Assim, na noite de segunda-feira, parti em direção ao Shopping Eldorado com a missão de comprar um novo aquecedor e ter um pouco mais de conforto em casa, sem precisar considerar a hipótese de ligar o forno e ficar sentado no chão da cozinha, como um menor abandonado.
Cerca de uma hora depois, estava entrando em casa com um aquecedor novinho. Já tinha tudo planejado: ia ligar o aquecedor na sala, e ficar assistindo TV sem sapatos, com os pés estendidos na direção do ar quente.
Tirei o aquecedor da caixa (após brigar com a Besta-Fera, que insistia em olhar dentro da caixa, pois não permite que nada entre em casa sem sua vistoria / aprovação) liguei e me sentei no sofá. Meus planos eram deixar a sala parecida com um forno para celebrar a chegada do novo eletrodoméstico da casa.
Passaram-se os minutos e nada. A sala continuava um iglu. Aproximei-me do aparelho e percebi que ele não aquecia, pois apenas o sistema de ventilação funcionava. Li e reli o manual vendo o que eu havia feito de errado e nada. Desliguei e religuei várias vezes, e nada. Tentei ligar em outras tomadas, e nada. Ele continuava apenas ventilando, o que tornava a casa mais fria ainda.
Ou seja, num dos dias mais frios do ano, eu consegui sair para comprar um aquecedor e voltei para casa com um ventilador disfarçado. Ô fase.
Pensei em arrancar a grade externa dele, colocar uns jornais lá dentro, tacar fogo e ficar sentado como um menor abandonado ao lado da minha nova lareira improvisada, mas isso seria humilhante demais. Assim, me enrolei num cobertor e fui dormir emputecido não apenas com o aquecedor e com meu azar, mas comigo. Afinal, onde eu poderia estar com a cabeça ao decidir comprar um aquecedor justamente numa loja chamada Ponto Frio?
Assim, ontem, fui à loja com meu aquecedor-ventilador-mutante embaixo do braço e a nota fiscal no bolso. Entrei na loja e falei com uma das vendedoras.
– Eu comprei este aquecedor ontem, mas ele não funciona. Vim trocar.
– O senhor tem que falar com a gerente.
– Qual o nome da gerente?
(peço licença aqui a todas as normas gramaticais conhecidas, mas colocarei alguns acentos no próximo trecho, para vocês entenderem melhor o diálogo que se seguiu).
– Êdna.
– Édna?
– Êdna.
– Ok. E onde ela está?
– Venha comigo.
Ela saiu andando pela loja em direção à seção de geladeiras, e apontou uma mulher de cerca de quarenta anos.
– Ela é a Êdna.
– Ok, obrigado.
Fui até a gerente, carregando o aquecedor e a cumprimentei.
– Boa noite. Você é a Êdna?
– Édna.
Ok. Começamos bem.
– Hã... Certo. Édna. Bem, eu comprei este aquecedor ontem, e ele não funciona.
Tirei o aquecedor da sacola e ela ficou olhando o aparelho, estudando a marca e o modelo com olhos de especialista.
– Não é possível.
– Oi?
– Esta marca nunca deu defeito. É a mesma que eu uso em casa.
– Bom, ele não aquece. Ele apenas ventila.
Ela pegou o aparelho e saiu andando pela loja. Eu não sabia se deveria ir atrás dela ou não, mas, como o aquecedor-ventilador-mutante ainda era meu, decidi segui-la. Ela parou próxima a uma tomada e ligou o aquecedor. Apertou o botão e o aparelho nem ligou. Ou seja, ele provavelmente estava doente mesmo. Na minha casa, apresentou os primeiros sintomas, e, 24 horas depois, faleceu. Ou, ao menos, entrou em coma.
Mas a Edna (não precisamos mais continuar com o jogo de acentos) não se deu por satisfeita. Pegou o aquecedor e saiu andando novamente pela loja, em busca de outra tomada. Eu, claro, atrás dela como um bobo.
Ela parou no meio da seção de televisões e estudou as prateleiras em busca de uma tomada. Após alguns segundos, encontrou uma e, com ar de quem iria tomar uma atitude arriscada, disse, mais para si própria do que para mim:
– Se queimar, não é problema meu.
Aquilo me assustou um pouco. Nem tanto a informação, mas sim o tom de voz. Dei um passo para trás e perguntei cauteloso:
– Só por curiosidade... Porque ele queimaria?
– Porque esta tomada pode ser 220.
Imediatamente, o pedaço defeituoso do meu cérebro começou a imaginar o aquecedor-ventilador-mutante explodindo, a Edna gritando “parada cardíaca!” e, as outras vendedoras correndo na nossa direção enquanto a gerente tentava ressuscitar o aparelho dando murros no seu peito. Quando eu estava quase começando a gargalhar, chacoalhei a cabeça e afastei a imagem do meu cérebro. Na dúvida, dei mais um passo para trás.
Ela ligou o aparelho e, felizmente, nada explodiu. Um pouco mais confiante, me aproximei e percebi que, desta vez, o aquecedor havia ligado e, assim como aconteceu em casa, apenas ventilava. Dei um suspiro aliviado, porque as chances de ele não funcionar em casa e funcionar corretamente na loja eram bem grandes – aparelhos elétricos e eletrônicos sempre adoraram me envergonhar dessa maneira.
A Edna estudou a ventilação por alguns segundos e, visivelmente inconformada, resmungou algo como:
– Não funciona. Não é possível.
Pensei em soltar algo como “eu disse isso assim que entrei” ou “é exatamente por isso que estou aqui”, mas a prudência recomendou que eu ficasse quieto. Aparentemente, ela estava levando aquilo para o lado pessoal. Olhou para mim, e, resignada, perguntou:
– Quer escolher outro modelo?
– Não, eu quero levar um modelo igual. Mas um que aqueça.
Ela saiu andando pela loja e voltou alguns minutos depois, com outro aquecedor igual. Ligou na tomada e me mostrou que funcionava corretamente. Socou o aparelho na caixa (não existe um modo gentil de descrever como ela fez isso), colocou a caixa na sacola e me entregou.
Eu coloquei a mão no bolso e puxei a nota fiscal.
– Você precisa da minha nota, certo?
– Não. Pode ir embora.
– Mas a nota fiscal...
– Não precisa. Obrigada e boa noite.
O tom de voz dela não abria espaço para novas perguntas. Peguei o aquecedor, agradeci e fui embora. Meia hora depois, entrei em casa e testei o aparelho. Estava funcionando. Caso encerrado.
Ao menos, para mim. Porque passei o resto da noite com a impressão de que a Edna irá ligar agora de manhã para a fábrica, querendo falar com o responsável pelo setor de aquecedores.
E algo me diz que a conversa não será nada amigável.
14 comentários:
Informo-te que este momento 'ô fase' ocorreu pelas bandas de cá também.
Pro meu azar, não existiu uma Édna ou Êdna que pudesse me ajudar...
Recorrer ao procon e só obter respostas no verão ou providenciar outro aquecedor sem lembrar a todo instante que joguei grana fora?
¬¬
Não funcionar em casa e funcionar na loja também é meu grande receio. Isso me faz lembrar o meu amplificador queimado que levei de volta para a loja. Agora o receio é dele voltar pior.
funcionou? por enquanto...
"Dei um suspiro aliviado, porque as chances de ele não funcionar em casa e funcionar corretamente na loja eram bem grandes – aparelhos elétricos e eletrônicos sempre adoraram me envergonhar dessa maneira."
Não é só com você que eles fazem isso... Posso te garantir e mostrar minha centrífuga como testemunha e prova.
Sobre a tomada ser 220... Eu morava no Paraná, e todas as tomadas eram 110... Cheguei em Santa Catarina, todas as tomadas são 220. Comprei um transformador para 3 aparelhos. Ferro de passar, centrífuga e microondas. Bem... A centrífuga morreu, o ferro não esquenta e... O Microondas que é a única coisa que está utilizando a bosta do transformador, eu vou comprar outro pq ele é muito pequeno para meus atuais hábitos (péssimos, aliás) alimentares.
Joguei dinheiro fora com a porcaria do transformador.
"onde eu poderia estar com a cabeça ao decidir comprar um aquecedor justamente numa loja chamada Ponto Frio?"
Ok, não vou dizer que foi o trecho em que mais ri... Mas ficou tão, tão, tão Gilgomexano este trecho, que eu precisava comentar.
(Falando em Gilgomexano:
www.thegilgomex.blogspot.com)
Eu sinseramente achei que ela não iria te dar outro aquecedor.
Acho que o fabricante tem uma política interessante de indenizar clientes que compraram produtos com defeito e, uma hora dessas, Edna (Êdna? Édna?) está planejando uma viagem de férias que podia ser sua.
:D
Então... eu teria dito o “é exatamente por isso que estou aqui” so' pra ver onde isso iria dar :-D
Abraço
*– Não funciona. Não é possível.
**– Não. Pode ir embora.
– Mas a nota fiscal...
– Não precisa. Obrigada e boa noite.
Em resumo:
*Ela olhando para o pobre aparelho com olhar recriminatório.
**o aquecedor-ventilador-mutante deve estar nesse momento dentro de algum freezer para aprender anão envergonhar a gerente Edna.
Aproveite:
http://nuncaouvinemfalar.blogspot.com/
Leandro:
Acredite em mim, você não perguntaria. Você não viu a cara dela.
Thiago Apenas:
Espero que o "anão" tenha sido erro de digitação, e não algum ato falho sobre minha pessoa. :-)
Realmente irrita isso. Te tratam como um rei na hora da compra, e depois, qd vc vem com o pacotinho da loja entrando na mesma, já viram a cara... fdps!
notícia no jornal: "incendio em fábrica é causado por uma discussão no telefone e um aquecedor quebrado"
Tá um frio do caralho e estou comentando o post da agência, onde vou madrugar no meu penúltimo dia de trabalho.
Peidei na Santa Ceia, Gordon.
Seria Êdna/Édna parente da Síndica Mafiosa?
"aparelhos elétricos e eletrônicos sempre adoraram me envergonhar dessa maneira." ri muuuuito!
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