Desde que me mudei para Pinheiros, eu simplesmente não consigo fugir da Teodoro Sampaio. Tudo bem que eu moro a 15 metros dela, mas o meu relacionamento com a rua chega a ser ridículo. Não importa para onde eu vou, ela está no caminho. Padaria? Teodoro Sampaio. Pão de Açúcar? Teodoro Sampaio. Banca de jornal? Teodoro Sampaio.
Às vezes, tenho a impressão que só para ir do meu quarto ao banheiro, vou ter que andar pelo menos uma quadra da Teodoro Sampaio. Eu não consigo mais escapar das garras desta rua.
Isso, claro, não seria um problema muito grande, exceto pelo fato de que a rua é uma anomalia geopolítica. Se o Brasil pertence ao Terceiro Mundo, a Teodoro Sampaio está no Quinto ou Sexto Mundo. E isso nos seus melhores dias. Quando está chovendo, ela deve cair para Nono ou Décimo, quase empatando com a Praça da República (o Largo da Batata, que, por sinal, fica no final da Teodoro Sampaio, já é um caso a parte, se caracterizando como uma tragédia antropológica).
Fisicamente, porém, a Teodoro Sampaio é uma rua como outra qualquer, com exceção das trinta lojas de móveis amontoadas em duas quadras (e que espantosamente abrem de madrugada, como se alguém saísse de casa às 3 da manhã para comprar um sofá).
Mas basta você colocar os pés ali para ver que a rua não é exatamente normal.
Em primeiro lugar, os carros não andam. Não importa em qual horário ou dia você passe por ali, o trânsito está parado. Veja bem, não está lento. Está parado. Velocidade média: zero. Já cheguei ao cúmulo de ir até a padaria, ficar uns dez minutos lá dentro e observar, na volta, que os mesmos carros nas duas pistas continuavam no mesmo lugar. Desconfio que algumas pessoas estão ali há meses, sem conseguir sair do lugar. Os motoristas já devem até ter feito amizade com as pessoas dos carros mais próximos. Com o tempo, esses relacionamentos vão se expandir e, logo, aquilo vai se tornar uma comunidade com governo e leis próprios, quase um quilombo automotivo.
Mas, enquanto na rua está nascendo a República dos Veículos Unidos da Teodoro Sampaio, as calçadas ainda não atingiram o mesmo estágio de desenvolvimento. Lá, as leis da selva ainda imperam, especialmente devido a os camelôs, que ocupam metade do espaço das calçadas, deixando apenas uma área de mais ou menos 40cm para todos demais os bípedes (humanos ou não) que povoam aquele estranho ecossistema.
Aliás, estranho é a palavra-chave aqui. Se o dicionário fosse ilustrado, os verbetes “estranho”, “bizarro” e “inferno” teriam uma foto da Teodoro Sampaio. Todas as coisas estranhas de São Paulo estão em Pinheiros. Todas as coisas estranhas de Pinheiros estão na Teodoro Sampaio. E todas as coisas estranhas da Teodoro Sampaio estão sempre dois metros à minha frente.
E aí, sem contar os camelôs, diversas criaturas apertam-se no espaço que sobra: casais que insistem em andar de mãos dadas na calçada estreita; office-boys que caminham pela rua girando um envelope no dedo (sim, isso ainda existe) e se recusam a desviar das outras pessoas; mendigos que param sem aviso prévio para ver se a bituca de cigarro do chão é aproveitável; a velha-com-sacola (em toda a minha vida, não importa para onde estou indo, sempre uma velha-com-sacola esteve no meu caminho – e nunca é sacola com um novelo de lã, mas sempre uma sacola com uma geladeira, um pneu de trator ou um leopardo que tenta morder quem passa ao lado dela).
E, claro, não podemos deixar de fora a espécie dominante da Teodoro Sampaio: os Homens-Cães. Você conhece o tipo: são aquelas pessoas que possuem o mesmo sentido de direção de um cachorro e que não sabem se comportar sem coleira. Ele anda cinco metros. Pára. Anda outros dois metros para o lado. Pára. Volta correndo 3 metros. Pára. Vai até uma vitrine e fica cheirando alguma coisa. Anda mais 2 metros. Pára. Fica olhando ao redor, sai correndo para o lado. E você ali, atrás dele, tentando adivinhar em que direção ele irá andar e se contorcendo feito um idiota para não encoxá-lo na próxima vez que ele estacionar.
E, claro, tem eu. Especialmente por volta das 10 da manhã, quando ando cinco quadras até chegar ao trabalho. E a coisa ficou pior ainda quando decidiram levar adiante o projeto de reurbanizar o lugar. Eu nunca entendi direito isso: se o local vai ser REurbanizado, parto do princípio que ele já era urbanizado. E os conceitos “Teodoro Sampaio” e “Urbano” não poderiam ser mais opostos.
Enfim, ano passado resolveram trocar todas as calçadas – o que me obrigava a andar pelo meio da rua, desviando de ônibus, pulando por cima de carros e arrumando confusão com motoboys. Esse inferno durou meses. Agora, a emenda ficou pior que o soneto: as calçadas novas são feitas de pedras, e, como 90% delas não foram bem colocadas, já estão soltas. Ou seja, ao pisar em uma delas, a chance de você perder o equilíbrio e cair em cima de um camelô é enorme – claro que no meu caso, eu cairia em cima de um policial e não de um camelô.
Assim, eu não preciso mais do Wii Fit: eu vou trabalhar todo dia pulando entre as pedras que ainda estão presas (sim, eu decorei em quais pedras posso pisar). Imagine a cena: eu, baixinho, barbado e gordinho, pulo em uma pedra; paro, tomo impulso, pulo na cabeça de um camelô e de lá para outra pedra. E assim, vou de pulo em pulo, até o trabalho. Mais Super Mario impossível.
Claro que vocês podem estar pensando – como já me perguntaram – porque, então, eu não desço a Cardeal Arcoverde para chegar ao trabalho. O motivo é simples: eu tenho certeza de que, daqui a algumas décadas, a Teodoro Sampaio vai ser citada nos livros de história como a pedra fundamental da queda da civilização.
Num cenário pós-apocalipse, o planeta inteiro será uma espécie de reflexo da Teodoro Sampaio (para ter uma idéia, imagine a Los Angeles de Blade Runner sem a chuva ácida mas mantendo os camelôs), com pessoas se aglomerando, gangues de motoqueiros aterrorizando os transeuntes, camelôs vendendo objetos absolutamente imprestáveis. E, claro, uma velha com sacola.
E eu vou poder contar para os meus netos: “eu estive lá. E era pior do que o seu livro de história mostra”.
27 comentários:
Droga! Você antecipou minha piada do Super Mario ¬¬
E detalhe: aqui em Recife também tem uma Teodoro Sampaio. Mas ela chama-se Conde da Boa Vista.
É por isso que eu sempre ia pela rua dos Pinheiros :P
Não sinto a mínima saudade da Teodoro.
De Pinheiros eu só sinto falta do Oregon apesar de termos ótimas lanchonetes na Zona Lost :P
Ler o Champ me dá mais raiva ainda de nao ter internet. (instalou speedy HOJE no escritorio do meu pai; pequena melhora)
Tenta vender esse texto pra VejaSP hehehe.. ok, é Veja.. mas pagando bem... :D
Você alguma vez já atravessou o portal interdimensional que separa a Zona Leste do resto de São Paulo?
Se um dia for para Itaquera, você vai achar a Teodoro um paraíso. E olha que eu nem moro em Itaquera, eu só passei por lá sem querer quando a travessia do portal deu errado (não pergunte).
=*
Carai. To chocado até agora.
Rob, o post é bacanão e tudo mais, mas o a coincidência que aconteçeu aqui foi foda. o.O
Depois de ler o seu blog, fui arrumar umas revistas antigas aqui. Daí, peguei uma do Preacher e começei a ler. Era a do Cara-de-Cu. Quando, sem mais nem menos, num dos quadrinhos, ele está tendo uma aula e na lousa está escrito exatamente o titúlo do seu post. Deus/
Cê pegou de lá ou criou esse titúlo? Qualquer um dos dois é impressionante.
Well, é isso. :D
Abraços!
Alguns comentários:
1) "Todas as coisas estranhas de São Paulo estão em Pinheiros. Todas as coisas estranhas de Pinheiros estão na Teodoro Sampaio." [Seria por isso que você mora em Pinheiros, ou Pinheiros ficou assim depois que você foi morar lá?]
2) "Eu sou a quarta touca à esquerda, na oitava coluna." [Bem, se você é careca... a touca...?]
Agora, concordo com Buchecha. Em alguns momentos achei que você estava descrevendo a Conde da Boa Vista. Quando vier à Recife não deixe de conhecer...
Sem comentar a parte alta da Teodoro Sampaio. Vinte e sete lojas de instrumentos musicais por metro quadrado, e com a recente crise econômica, só está faltando os vendedores agarrarem os pedestres pelo pescoço e arrastarem para o fundo da loja. Sei o que passo quando vou lá comprar alguma coisa.
Rob, parabéns pelo blog. Acompanho seus posts faz um ano mais ou menos, e acho este o melhor blog brasileiro.
Sem querer comparar São Paulo com o cu onde moro, mas aqui tá meio parecido... e há mais de quatro meses estão fazendo a duplicação das pistas da Estrada da Ribeira, além de todo o caos, ainda tiraram as calçadas e a gente tem de andar entre os carros. Uma vergonha total, sem um pingo de organização. Tenho vontade às vezes, de jogar umas vacas, dromedários e elefantes ali, pra ver se ao menos se parece com a Índia... quem sabe a emissora biscoito de polvilho não loca pra poupar din-din com viagens internacionais... se bem que não deve ter tanto assassinato e furtos na Índia...
Este texto só me revelou que parte da Bíblia está correta ao afirmar:
- Não existe nada novo sobre o mundo.
Sir Lucas
Informações de bastidores: até 10 minutos antes de postar, eu não sabia como iria terminar o texto. Aí, criei esse final e, consequentemente, o título (o título é sempre a última coisa que escrevo em todos os posts). E, por mais que eu já tenha lido Preacher, tenho certeza de que não li essa do Cara-de-Cu.
Buchecha e Barlavento:
Ansioso por conhecer a tal Conde da Boa Vista. Barlavento, apesar da careca, uso a touca quando chove para não chamar muito a atenção.
Matheus:
Eu estou lá, pode me procurar.
Nelson:
Sem palavra para descrever (ou agradecer) seu comentário. Espero te ver aqui mais vezes.
Caro Super Rob Bros., infelizmente todas as grandes cidades tem sua teodoro Sampaio. Pelo menos a sua tem algumas dezenas de lojas de instrumentos musicais acumuladas, o que já a torna motivo para peregrinação.
Momento Cultural Champ:
"The Decline of Western Civilization" foi um documentário, lançado no início da década de '80, sobre o cenário punk-rock de Los Angeles, entre 1979 e 1981.
Bravo!
"Desconfio que algumas pessoas estão ali há meses, sem conseguir sair do lugar."
Profundamente existencialista.
ps: ahá, olha só o centro no sábado: http://www.flickr.com/photos/janeladalma/3443752387/
Varotto
Toda cidade tem sua Teodoro Sampaio. Infelizmente, a Teodoro Sampaio de São Paulo é nada menos que a Teodoro Sampaio.
(Boa colocação sobre o documentário a respeito do movimento punk)
Flavita
Eu tinha visto, quase roubei a foto pra usar no post.
Rob, minhas fotos estão disponíveis para serem blogadas ;o)
=*
O blog é tão bom q a piada se faz sozinha...
eu ia dizer que deve ter tido muita gente te procurando entre os nadadores, mas dois ja se acusaram antes de eu comentar!
Seus posts são incríveis! Estou viciada!
"Mais Super Mario impossível." HAHAHAHA
Muito boa essa!
Mas a desculpa por não passar lá é muito esfarrapada, pra mim você deve gostar de ver toda aquela gente estranha.
Ce não leu a do Cara de Cu??? Caraca... Nem eu...
Sobre a velhinha com a sacola, eu até já escrevi um post sobre sobre isso há uns 17 anos atrás... e fiquei com preguiça de pesquisar na Coluna para colocar aqui, mas realmente, essas senhoras estão em todo lugar...
Sensacional! Fiquei mesmo imaginando você "rolando" pela multidão (rs).
Da última vez que fui a São Paulo me senti exatamente assim ao me deparar com um enorme engarrafamento as 23:00 h. É mesmo o fim da civilização ocidental.
Genial! Acho que já disse aqui que adoro a forma como você aumenta e dramatiza esses nossos pequenos incômodos cotidianos.
fiquei pensando se aqi em BH tinha alguma rua nesse estilo, mas não consegui pensar em nenhuma. Aliás, deve ter, mas graças a Deus não conheci esse lugar, deve ficar pros lados selvagens do barreiro...
O texto está muito bom. ó não te procurei na foto porque eu não consegui localizar a oitava coluna =P
Acredita que essa zona toda que faz parte de São Paulo é umq das coisa que me agrada nela?
Como disse o Tyler, vende o texto pra Veja, assim vai ter algo que preste nela.
Quilombo Automotivo! uahshahsashaush muito bom como sempre!!
É, num sei não.. no fundo a gente gosta. Com tanto lugar no mundo, prefiro pensar que um acaso me fez morar aqui na lapa, no rio. Juro que eu não sou estranha.
Eu até gosto do seu blog!!! rs
Abração!
"E detalhe: aqui em Recife também tem uma Teodoro Sampaio. Mas ela chama-se Conde da Boa Vista."
Concordo com o Bochecha, aqui a Conde da Boa Vista é uma espécie de último estágio de algum jogo de aventura.
E agora com o novo corredor de ônibus ficou pior!
Caral****!
Assim vc. me prejudica. Essa da velhinha com o peneu de trator, ou leopardo na sacola quase me matou de rir aqui...
Eu tentando fazer cara de trabalhador sério e vc. me solta uma dessas... isso acaba com a minha imagem.
[ ]'s Rbns
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