(a parte I você lê aqui)
Olhei para ele. Ele olhou de volta para mim. Fui até a lavanderia, enchi um balde de água e levei para a varanda. Voltei para a lavanderia, peguei uma toalha velha e levei para a varanda. Ele continuou olhando para mim. Voltei para sala e peguei o frasco de xampu. Ele literalmente se teleportou para baixo da mesa.
Tentei chamá-lo, mas ele fez tanta menção de se mover quanto uma pedra.
– Eu não gosto disso tanto quanto você, eu disse, tentando ganhar a simpatia dele. Pense nisso como uma cirurgia. Não é gostoso, mas é necessário, continuei, torcendo para ele não usar este argumento e exigir uma anestesia geral antes do banho.
Ele continuou imóvel. Tentei a estratégia do xaveco. Amansei a voz.
– Se tornar as coisas mais fáceis para você, eu posso servir algumas taças de vinho, colocar um CD do Sinatra. Nós podemos dançar um pouco aqui na sala e deixar as coisas acontecerem naturalmente.
Ele deu um passo para trás, mais assustado ainda – o que me deixou particularmente orgulhoso. Mas eu tinha uma missão a cumprir. Afastei as cadeiras e, colocando metade do meu corpo sob a mesa, coloquei as cartas na mesa.
- É o seguinte. Nós vamos fazer isso do modo fácil ou do modo difícil. Você escolhe.
Ele saiu correndo pelo meu lado na direção do quarto, estabelecendo novos recordes de velocidade – e quase derrubando uma cadeira no caminho – mostrando que seria do modo mais difícil. Retroceder nunca, render-se jamais e fugir sempre que possível. Esse é o meu cachorro.
Felizmente, a porta do meu quarto está sempre fechada. Fui atrás dele aos berros de “vem cá, filho da puta” e o encontrei encurralado num canto, com uma meia minha na boca e um olhar de “jogue esse xampu fora, ou a meia sofre as conseqüências e eu não estou blefando”.
Estreitei os olhos, e ele também. A tensão no ar era quase palpável.
Ficamos nos encarando – ele, com apenas um olho, porque a franja dele estava naqueles dias rebeldes. O silêncio reinava no apartamento, sendo cortado apenas pelo barulho do vento. Posso jurar que ouvi o tema de Três Homens em Conflito tocando em algum lugar do meu cérebro. Dei um passo na direção dele e ele, percebendo que manter a meia como refém não seria garantia de sobrevivência, tentou correr para baixo da pia do lavabo. Fui mais rápido e o agarrei com uma das mãos.
Demonstrando uma maturidade incrível para um cachorro de três anos, ele começou a espernear – ou tentar derrubar o frasco de xampu das minhas mãos, já que na situação que ele estava, qualquer um dos dois seria lucro. Entretanto, como ele é um dos poucos organismos menores que eu existentes na natureza, consegui imobilizá-lo facilmente e manter o xampu em segurança.
Fomos até a varanda e fechei a porta. Ele se encolheu num canto. A coisa não ia ser fácil. Tirei a camisa e, só de shorts, exibi para a vizinhança meu corpão definido*.
Aí, começou a luta.
Ajoelhei no chão e, ao mesmo tempo em que o imobilizei (jiu jitsu mode: on), virei seu corpo de barriga para cima, segurando suas patas traseiras. Enfiei a mão no balde e comecei a molhar sua barriga e pata, reservando um polegar para abrir o xampu. Obviamente, não consegui, pois nunca fui reconhecido internacionalmente pela minha coordenação motora e tiver que largar suas patas, dando chance para ele escapar e tentar arrombar a porta da varanda.
Com o xampu aberto, capturei-o novamente e, novamente numa posição próxima a papai-cachorro, comecei a esfregar as suas patas, a sua barriga e o seu deixa para lá. Enquanto fazia o serviço sujo, olhei para a frente e vi, num prédio bem em frente ao meu, um velho fumando na varanda e visivelmente interessado no que estava acontecendo ali.
Obviamente, ele achou que éramos da mesma espécie, já que somos ambos gordos, baixinhos e brancos, e resolveu praticar o vouyerismo. Pensei em gritar algo sobre “é o meu cachorro, ele está com fungos!”, mas isso só atrapalharia ainda mais a interpretação dos fatos aos olhos do velho (ele poderia começar a se questionar se eu estava usando algum tipo de proteção, etc), então achei melhor deixar quieto e continuar o que estava fazendo.
Voltei a enxaguá-lo – o que permitiu que ele aproveitasse e derrubasse o frasco de xampu, no melhor estilo “morro, mas levo alguém comigo” – e, finalmente, chegou a hora de secá-lo. Coloquei-o de pé e comecei a esfregar a toalha nele, por alguns minutos.
Olhando para a rua – e certamente um pouco mais aliviado – avistou o velho na outra varanda e ainda deu uns dois latidos para ele, para deixar claro que não gostava nada de saber que sua privacidade estava sendo invadida desse jeito. Esse é o meu cachorro.
Abri a porta da varanda e ele entrou correndo na sala. Achei que ele queria apenas manter a maior distancia possível do xampu, mas me enganei. Subiu no sofá, exatamente no lugar onde eu sempre me sento, deu uma chacoalhada de mais ou menos 3 pontos na escala Richter, tornando o sofá inutilizável por algumas horas. Deu um sorriso com o canto da boca e refugiou-se novamente sob a mesa.
Duas semanas disso. Haja afrodisíaco.
E, antes do próximo banho chegar, deixo você com o Top 5 Coisas que o Velho Deve ter Achado que Sou:
1. Ruim de cama – afinal, fiquei o ato inteiro na mesma posição.
2. Exibicionista – afinal, estou na varanda.
3. Zoófilo – afinal, é um cachorro.
4. Gay – afinal, é um cachorro macho.
5. Pedófilo – afinal, é um cachorro; a probabilidade de ter menos de 10 anos é enorme.
13 comentários:
o melhor do post: o top 5
:)
Bem, devo avisar que a cada dia as táticas de fuga dele estarão mais apuradas. Estou à uma semana cuidando do meu gato com fungo. Eu mal o coloco no colo ele já começa a espernear. Não acredito que esta saga acabou.
2 semanas? Oh boy...pena de vc!
hahahaha
sensacional
"papai-cachorro", algo de que sempre vou me lembrar (não intencional ou voluntariamente, é claro)
besta-fera continua sendo #1
HAHAHAHA
O top 5 tá muuuito bom.
quem diria que o post mais indecente e inapropirado para o horário antes das 10 da noite aqui no Champ seria... sobre a Besta-Fera...
"um velho fumando na varanda e visivelmente interessado no que estava acontecendo ali."
Não dou 2 dias para que as fotos do "acontecimento" caiam em algum site do tipo: caiu na net , confiou e foi para net e etc.
Morri de rir! Eu falei prá usar o esfregão...
"Ficamos nos encarando – ele, com apenas um olho, porque a franja dele estava naqueles dias rebeldes."
hahahahahhahha
Amei essa frase!
o melhor do post: o top 5 [2]
que bom que nao sou eu quem dá banho nas minhas "cachorrinhas" (maiores que eu, com certeza)!!!!
Queria ver se você tivesse um São Bernardo!
(chorando de barriga cheia mode: ON)
A se fosse um São Bernardo! uahsahsuha
Top 5 destruidor esse ai! uahsuhas Muito bom!
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