12 de abril de 2009

Cane al Funghi - Parte Final

(a parte I você lê aqui)

Olhei para ele. Ele olhou de volta para mim. Fui até a lavanderia, enchi um balde de água e levei para a varanda. Voltei para a lavanderia, peguei uma toalha velha e levei para a varanda. Ele continuou olhando para mim. Voltei para sala e peguei o frasco de xampu. Ele literalmente se teleportou para baixo da mesa.

Tentei chamá-lo, mas ele fez tanta menção de se mover quanto uma pedra.

– Eu não gosto disso tanto quanto você, eu disse, tentando ganhar a simpatia dele. Pense nisso como uma cirurgia. Não é gostoso, mas é necessário, continuei, torcendo para ele não usar este argumento e exigir uma anestesia geral antes do banho.

Ele continuou imóvel. Tentei a estratégia do xaveco. Amansei a voz.

– Se tornar as coisas mais fáceis para você, eu posso servir algumas taças de vinho, colocar um CD do Sinatra. Nós podemos dançar um pouco aqui na sala e deixar as coisas acontecerem naturalmente.

Ele deu um passo para trás, mais assustado ainda – o que me deixou particularmente orgulhoso. Mas eu tinha uma missão a cumprir. Afastei as cadeiras e, colocando metade do meu corpo sob a mesa, coloquei as cartas na mesa.

- É o seguinte. Nós vamos fazer isso do modo fácil ou do modo difícil. Você escolhe.

Ele saiu correndo pelo meu lado na direção do quarto, estabelecendo novos recordes de velocidade – e quase derrubando uma cadeira no caminho – mostrando que seria do modo mais difícil. Retroceder nunca, render-se jamais e fugir sempre que possível. Esse é o meu cachorro.

Felizmente, a porta do meu quarto está sempre fechada. Fui atrás dele aos berros de “vem cá, filho da puta” e o encontrei encurralado num canto, com uma meia minha na boca e um olhar de “jogue esse xampu fora, ou a meia sofre as conseqüências e eu não estou blefando”.

Estreitei os olhos, e ele também. A tensão no ar era quase palpável.

Ficamos nos encarando – ele, com apenas um olho, porque a franja dele estava naqueles dias rebeldes. O silêncio reinava no apartamento, sendo cortado apenas pelo barulho do vento. Posso jurar que ouvi o tema de Três Homens em Conflito tocando em algum lugar do meu cérebro. Dei um passo na direção dele e ele, percebendo que manter a meia como refém não seria garantia de sobrevivência, tentou correr para baixo da pia do lavabo. Fui mais rápido e o agarrei com uma das mãos.

Demonstrando uma maturidade incrível para um cachorro de três anos, ele começou a espernear – ou tentar derrubar o frasco de xampu das minhas mãos, já que na situação que ele estava, qualquer um dos dois seria lucro. Entretanto, como ele é um dos poucos organismos menores que eu existentes na natureza, consegui imobilizá-lo facilmente e manter o xampu em segurança.

Fomos até a varanda e fechei a porta. Ele se encolheu num canto. A coisa não ia ser fácil. Tirei a camisa e, só de shorts, exibi para a vizinhança meu corpão definido*.

Aí, começou a luta.

Ajoelhei no chão e, ao mesmo tempo em que o imobilizei (jiu jitsu mode: on), virei seu corpo de barriga para cima, segurando suas patas traseiras. Enfiei a mão no balde e comecei a molhar sua barriga e pata, reservando um polegar para abrir o xampu. Obviamente, não consegui, pois nunca fui reconhecido internacionalmente pela minha coordenação motora e tiver que largar suas patas, dando chance para ele escapar e tentar arrombar a porta da varanda.

Com o xampu aberto, capturei-o novamente e, novamente numa posição próxima a papai-cachorro, comecei a esfregar as suas patas, a sua barriga e o seu deixa para lá. Enquanto fazia o serviço sujo, olhei para a frente e vi, num prédio bem em frente ao meu, um velho fumando na varanda e visivelmente interessado no que estava acontecendo ali.

Obviamente, ele achou que éramos da mesma espécie, já que somos ambos gordos, baixinhos e brancos, e resolveu praticar o vouyerismo. Pensei em gritar algo sobre “é o meu cachorro, ele está com fungos!”, mas isso só atrapalharia ainda mais a interpretação dos fatos aos olhos do velho (ele poderia começar a se questionar se eu estava usando algum tipo de proteção, etc), então achei melhor deixar quieto e continuar o que estava fazendo.

Voltei a enxaguá-lo – o que permitiu que ele aproveitasse e derrubasse o frasco de xampu, no melhor estilo “morro, mas levo alguém comigo” – e, finalmente, chegou a hora de secá-lo. Coloquei-o de pé e comecei a esfregar a toalha nele, por alguns minutos.

Olhando para a rua – e certamente um pouco mais aliviado – avistou o velho na outra varanda e ainda deu uns dois latidos para ele, para deixar claro que não gostava nada de saber que sua privacidade estava sendo invadida desse jeito. Esse é o meu cachorro.

Abri a porta da varanda e ele entrou correndo na sala. Achei que ele queria apenas manter a maior distancia possível do xampu, mas me enganei. Subiu no sofá, exatamente no lugar onde eu sempre me sento, deu uma chacoalhada de mais ou menos 3 pontos na escala Richter, tornando o sofá inutilizável por algumas horas. Deu um sorriso com o canto da boca e refugiou-se novamente sob a mesa.

Duas semanas disso. Haja afrodisíaco.

E, antes do próximo banho chegar, deixo você com o Top 5 Coisas que o Velho Deve ter Achado que Sou:

1. Ruim de cama – afinal, fiquei o ato inteiro na mesma posição.
2. Exibicionista – afinal, estou na varanda.
3. Zoófilo – afinal, é um cachorro.
4. Gay – afinal, é um cachorro macho.
5. Pedófilo – afinal, é um cachorro; a probabilidade de ter menos de 10 anos é enorme.

13 comentários:

renata disse...

o melhor do post: o top 5
:)

Barlavento disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Barlavento disse...

Bem, devo avisar que a cada dia as táticas de fuga dele estarão mais apuradas. Estou à uma semana cuidando do meu gato com fungo. Eu mal o coloco no colo ele já começa a espernear. Não acredito que esta saga acabou.

Flavita disse...

2 semanas? Oh boy...pena de vc!

Otavio Cohen disse...

hahahaha
sensacional
"papai-cachorro", algo de que sempre vou me lembrar (não intencional ou voluntariamente, é claro)

besta-fera continua sendo #1

P! disse...

HAHAHAHA
O top 5 tá muuuito bom.

Gilmar Gomes disse...

quem diria que o post mais indecente e inapropirado para o horário antes das 10 da noite aqui no Champ seria... sobre a Besta-Fera...

Thiago Apenas disse...

"um velho fumando na varanda e visivelmente interessado no que estava acontecendo ali."

Não dou 2 dias para que as fotos do "acontecimento" caiam em algum site do tipo: caiu na net , confiou e foi para net e etc.

Kakah disse...

Morri de rir! Eu falei prá usar o esfregão...

Kel Sodré disse...

"Ficamos nos encarando – ele, com apenas um olho, porque a franja dele estava naqueles dias rebeldes."

hahahahahhahha

Amei essa frase!

Redd disse...

o melhor do post: o top 5 [2]

que bom que nao sou eu quem dá banho nas minhas "cachorrinhas" (maiores que eu, com certeza)!!!!

Varotto disse...

Queria ver se você tivesse um São Bernardo!

(chorando de barriga cheia mode: ON)

Renan Becker disse...

A se fosse um São Bernardo! uahsahsuha
Top 5 destruidor esse ai! uahsuhas Muito bom!