Sexta-feira. Estava no restaurante ao lado do meu trabalho. Acabei de almoçar e pedi um doce, acompanhado de uma água – quem me conhece sabe que tenho a mania de só comer sobremesa com uma garrafa d’água ao lado. Pedi o doce, e ele fez o melhor possível para anotar o que eu queria na minha comanda (eu já vi um dos garçons dali transformar uma torta holandesa em “ohlandeza”). Esperei ele terminar de desenhar a palavra torta-mousse ali (Deus tenha piedade deste “ss”) e falei com o garçom:
– Você me vê uma água, também? Sem gelo e sem gás, por favor.
– Sem gelo e sem gás?
– Sem gelo e sem gás.
– Ok.
Passam-se os minutos. Eu estava despreocupado, porque sei que o meu pedido não tinha a complexidade de uma Coca Geli-Limão, que abre margens à inúmeras interpretações por parte dos garçons. Afinal, eu queria apenas uma água. E parto do princípio de que se 75% do corpo de alguém é formado por uma substância, esta pessoa obrigatoriamente está familiarizada com ela.
Eis que o garçom volta, com uma água sem gelo e sem gás. Mas com um copo cheio de gelo. Não falei nada, fiquei apenas olhando. Esperei ele abrir a garrafa, e, na hora que ele iria servir, coloquei a mão em cima do copo.
– Era sem gelo.
– Ah, era sem gelo?
– Sem gelo.
Eu estava certo de que ele apenas pegaria o copo e jogaria os gelos na bandeja – a primeira vez que um garçom fez isso na minha frente, achei o cúmulo da eficiência. Mas, não. Ele pegou o copo com gelo, a água (que não tinha gás nem gelo, ou seja, estava exatamente do jeito que eu pedi) e levou tudo embora.
Fiquei olhando. Foi até o balcão de bebidas, ficou lá algum tempo e deu meia-volta, andando na direção da minha mesa com uma bandeja. Conforme ele se aproximava, pude reparar que o copo estava realmente sem gelo; a garrafa de água, por sua vez, estava gelada – o vidro brilhava, como se ela tivesse sido tirada de um freezer naquele momento.
Ele parou ao meu lado e colocou o copo na mesa. Antes que ele pudesse abrir a garrafa, eu disse:
– É sem gelo.
– O copo está sem gelo.
– Eu não estou falando do copo. Sim, o copo é sem gelo, mas a água também. O conjunto inteiro é sem gelo.
– Ah, então você quer uma água natural?
– Toda água é natural.
– Não, natural, que eu digo, no sentido de sem gelo.
– Uma água gelada também é natural.
– É que quando é sem gelo, a gente fala natural.
– A gente quem?
– A gente.
Bom, ok. Mesmo sem saber se por “a gente” ele se referia aos garçons em geral ou se estava falando de “nós” (no sentido de “eu e ele”), consegui aprender o termo técnico. “Água natural” significa sem gelo. Claro que isso me deixou na duvida se a expressão correspondente para água gelada seria “água gelada” ou “água artificial”, mas, na prática, não importa, porque eu não bebo água gelada.
– Ok. Eu quero uma água natural. O copo é natural, também.
– Sim, senhor.
Ao invés de deixar o copo (que já era natural) sobre a mesa, ele novamente levou tudo embora. Suspirei. O problema de você ter tantos problemas com atendentes de telemarketing como eu, é que isso começa a afetar a sua vida de tal maneira que, em alguns momentos, você considera fornecer o número do seu CPF para o garçom para ver se ele acerta o pedido. Estava divagando sobre esta idéia quando ele surgiu de volta, com a tal da água natural e colocou na mesa.
Algo me dizia que outra coisa deveria acontecer, mas ele não fez movimento algum. Apenas ficou parado ao meu lado, tentando ler trechos do jornal de esportes que estava aberto sobre a minha esa. Percebi que a iniciativa não partiria dele, então resolvi tomar uma atitude.
– E o copo?.
– Ah, esqueci! Vou buscar!
– Esquece. Eu tomo no gargalo.
Preciso começar a anotar essas coisas. Ou eu pronunciei errado, ou a expressão “Quero uma água natural” significa “quero uma água sem gelo, mas o copo não é importante”. Maldito dialeto dos garçons, sempre cheio de armadilhas, regras estúpidas e pegadinhas.
As escolas de idiomas deveriam ter cursos que ensinassem isso. De nada adianta você falar inglês, espanhol e francês se você não consegue conversar com uma pessoa que trabalha logo ali na esquina. Cheguei até mesmo a considerar a hipótese de contratar um garçom de outro lugar para ir ao restaurante comigo todos os dias, e ser meu intérprete enquanto almoço. O problema é que, para eu convencê-lo a aceitar o trabalho, eu teria que falar sua língua, ao menos para negociar salários e explicar o que eu quero que ele faça. E, se eu falasse o dialeto dos garçons com essa fluência toda, não precisaria mais de intérprete.
Ou seja, não tem saída mesmo. Estou preso neste inferno.
24 comentários:
er... primeira?
você deu sorte. tava quase achando que, por 'água natural', ele entenderia água da torneira.
garçons devem ser seres de outro planeta.ou nós é que somos e estamos no planeta errado?
passo por isso todo dia quando vou tomar uma coca cola
- sem gelo e sem limão
ai cara traz gelo e limão, claro (não sei está escrito que coca cola se toma com limão)
- eu pedi sem gelo e sem limão!
(ele vira o gelo na bandeja)
- sim! mas o copo já tem gosto de limão.
Volta ele com a coca "natural"
- a coca está quente
- a senhora pediu sem gelo
Daí que aprendi a falar o idiotês... então sempre peço "sem cubos de gelo e sem limão"
ps. na verdade acho que eles leem muito augusto dos anjos
"e que falemos a mesma língua sempre
ainda que seja entendida
SOMENTE POR NÓS."
Beijos
eh, jah pdi a dita agua natural e me vio a torneiral...
jah pedi sem gelo e veio gelada
jah pedi gelada e veio com cubos de gelo
fico com pena deles... mas, mais de mim mesma!
dari
E eu que pensava que o atendimento era péssimo somente em floripa!!!!
Ave maria!
Haha, será que eu acho que o Rob é o único ser que vai em um restaurante pra beber água quente? .-.
Pobre garçom.
Mas, belo post. (y)
É... parece que não tem jeito mesmo. E não dá nem pra falar que você precisa simplificar seus pedidos, porque mais simples do que esse não tem como.
Valeu!
Pior que num filtro aqui da rádio tá escrito nas torneiras: "Gelada" e "Natural".... fim da piscada.
Fiquei boa parte do texto quase esperando o garçon levar uma H2OH no lugar de água normal, ou mesmo água com gás.
Nunca tive grandes problemas com o graçonês, porque sempre peço água gelada que vem com cubos de gelo.
MaxReinert: o atendimento de Floripa É o pior da América Latina e top 3 do mundo. Sem discussão.
Baixinho: o que me mata é pedir uma água e maldita vir sempre com gás. CAcete. O Normal é sem gás. O gás devia ser o "extra" do pedido, não o padrão.
– É que quando é sem gelo, a gente fala natural.
– A gente quem?
– A gente.
Eu posso me incluir nesse " a gente".Sempre pedi água natural...
Alguns comentários:
1) Quando o cara vira o gelo na bandeja é super prático, mas me incomoda porque ele está disperdiçando toda a energia gasta para aquela água tenha atingido o estado sólido. Então EU prefiro que ele leve de volta e devolva ao freezer, máquina de gelo, ou o que for...
2) Quando o cara começou a falar na água natural e, em vez de aceitar, você começou a discutir que a gelada também era natural, você correu o risco de confundir ainda mais a cabeça do cara e ele acabar te trazendo uma dose de caninha 51, ou coisa parecida. Huum, acho que você está começando a ficar viciado em atendimentos confusos...
3) O show do Maiden aqui foi POWER! Pena que eles não tocaram "Maldição" do Luiz Caldas (embora eu tenha feito a minha parte e gritado: toca Luiz Caldaaas!!!).
"Ok. Eu quero uma água natural. O copo é natural, também."
hihihihihihihihihihih
A-DO-RI!!! (e isso não foi erro de digitação, eu adorI mesmo!)
pra mim pode ser com mto gelo... ta um calor infernal!!!
e o show do Iron Maiden?
pra mim pode ser com mto gelo... ta um calor infernal!!!
e o show do Iron Maiden?
Eu sei tem um acúmulo de posts não lidos por mim aqui, mas o que é que eu posso fazer se justo quando eu entro em férias meu computador pifa e eu fico com o acesso à internet limitado? Enfim, vou ver se amanhã eu dou um jeito de me pôr em dia. Enquanto isso, tô aqui só pra avisar que tem selinhos para vc lá no meu blog. Um deles é endereçado, os outros são destinados a todos os meus blogs de cabeceira, nos quais o Champ Vinyl está inserido. Pegue os que quiser. Não espero que vc aceite o "Somos Mulheres Bem Resolvidas" por motivos óbvios, mas se assim desejar, leve este também. Rsssss!
Bjs!
Pelo jeito não foi nada natural para o garçom buscar uma "água natural" ahusaushau
Você é muito "egixente" com esta gente!
Eu não tenho paciência com gente, mas convivo bem com as máquinas.
Eu tenho certos embates com frentistas.
Jesus amado!
Daonde tu tira estas criaturas para cruzarem o teu caminho é que eu não sei...
Vou ter que te contar uma coisa...água natural é mesmo o jargão deles para água sem gelo. Aliás, não só aqui, mas em Portugal também. (sim, você pode começar uma nova sequência de piadas depois desta informação)
Rob... já pensou em reencarnação?
É a mais promissora das soluções.
Sorry! :-D
Adoro essa sua dramaticidade toda. Essa capacidade sublime da fazer tempestade em copo d'água (natural, lógico).
Gostei
Rob, vc e as pessoas próximas a ti deveriam ser estudadas por antropólogos. Sua vida deve ser hilária - não tanto para vc,mas para outros com certeza é.
Adoro essa sua habilidade de tornar fatos corriqueiros sempre interessantes e divertidos. Já que até hoje vc não escreveu um livro, bem que poderia criar um sitcom intitulado "A humanidade não deu certo". Criado, protagonizado e produzido por Rob Gordon.
a Brastemp também faz o "desserviço" de escrever natural naqueles filtros milagrosos que começaram a vender (e nos quais te embutem uma assistência técnica mensal que tens que engulir!!!).
tem dois na minha empresa, e estou sempre pensando: oq ue é água natural???
o mesmo vale para orgânico!!! mesmo os aditivos (com os quais trabalho), na maioria das veze são orgânicos também!!! qual alimento exatamente NÃO É orgânico???
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