29 de abril de 2008

A Pequena Loja dos Horrores - Parte I

Nada se aproxima mais do inferno que sair para comprar roupa junto com a minha mãe. E, se vocês estão pensando que estou exagerando ou que não gosto da minha mãe... Bem, isso não é verdade. Minha mãe é, de longe, uma das pessoas mais carinhosas do mundo, mas, quando ela decidia que precisávamos ir comprar roupas, se transformava totalmente. Deixava de ser uma mãe amorosa e dedicada e se transformava num monstro sanguinário que se deliciava de prazer ao fazer com que eu experimente absolutamente todas as peças de todas as cores de todos tamanhos de todas as lojas.

E eu, como toda criança, detestava ficar experimentando roupas. Justamente por isso que quando ela me avisava que teríamos que ir ao shopping comprar roupas, meus pelos na nuca já se eriçavam. Eu sabia que teria que passar por todo aquele maldito ritual, que envolvia cenas constrangedoras. Duas delas – que se repetiam insistentemente, apesar dos meus protestos – eu nunca consegui esquecer.

A primeira (e mais freqüente) era quando ela abria a cortina do provador (sempre perguntando “ficou bom?”) e me deixava de cuecas na frente de inúmeras vendedoras e clientes. A segunda acontecia quando eu saía do provador com uma calça nova, obviamente ainda sem a barra na perna (leia-se: com meio metro de tecido sobrando para fora dos pés) apenas para descobrir que ela havia decidido ver a promoção de camisetas e estava do outro lado da loja. E, como minha mãe é a única pessoa adulta do planeta que é mais baixa que as araras de roupa, ela desaparecia totalmente, e eu ficava ali, andando como um pato, escorregando pelos corredores com aqueles pés de 80 centímetros de jeans.

Isso, anos atrás. Hoje em dia, como sou eu que pago as roupas, ela apenas presta consultoria. Ou, ao menos, era o que eu achava.

Outro dia precisei comprar um terno. Obviamente, chamei a minha mãe, porque eu não sei comprar roupa. Eu sei comprar coisas mais úteis, como livros, CDs, DVDs, mas não roupas. Enfim, achei que, passado tantos anos, eu nem precisava deixar claro que ela iria se e somente se aceitasse o cargo de consultora, abrindo mão da condição de líder das compras.


"Rob, hoje vamos comprar roupas para você."

Ledo engano. Na porta do shopping ela já começou:

– Você vai comprar um terno claro?

– Não, mãe. Escuro.

– Mas você já tem um escuro.

– Mãe, aquele não serve mais. Então não conta.

– Mas eu gosto de claro.

– Então a gente compra dois, mãe. Um claro e um escuro. Aí, você fica com o claro para você de presente.

Passamos na frente de uma vitrine e ela começa a olhar os ternos.

– Essa loja tem uns bonitos. Olhe aquele ali.

– Qual? Aquele lá atrás?

– Não, esse aqui da frente.

–Mãe...

– Você não gostou?

– Eu DISSE que não vou comprar um terno claro.

– Mas este é lindo.

– Mas é claro!

– Olhe o corte, que bonito. E o preço está bom, também.

– Mãe, você já assistiu a O Poderoso Chefão? A única pessoa que usa terno claro ali, que eu me lembro, é o Johnny Fontaine, e ele é meio merda no filme. O Brando só usa terno escuro. O Pacino só usa terno escuro. O James Caan usa terno claro só em uma cena, e é metralhado quando coloca o pé na rua. Eu não me lembro do Fredo, mas com certeza ele só usa terno claro. Eu vou comprar escuro.

– Mas o claro...

– Escuro! Com risca de giz! E chapéu!

Obviamente, ela tinha quatro respostas na ponta da língua, mas desistiu de usar todas quando eu comecei a andar pelo shopping assoviando o tema do Chefão e imitando o Brando.

Acabamos parando na Colombo. Eu não queria ficar muito tempo na frente da vitrine, antes que ela achasse um terno claro, então entrei direto na loja. Uma vendedora veio nos atender. Eu olhei a mulher e comecei a sentir a gargalhada nascendo nas minhas entranhas.

Ela não era parecida com o Robert Plant, ela ERA o Robert Plant. Há uma parte do meu cérebro (que eu não controlo) que insiste em achar com quem as pessoas se parecem. É uma parte da minha mente que trabalha incessantemente, e ainda vai me fazer apanhar na rua. Enquanto a vendedora vinha até a minha direção, este enorme grupo de neurônios começou a cantar Immigrant Song dentro da minha cabeça. Eu comecei a rir e ouvir minha mãe cochichar um “não começa” atrás de mim.

A Plant me cumprimentou (“we came from the land of ice and snow”, meu cérebro gritou, dançando), cumprimentou minha mãe, sorrindo (“from the midnight sun where the hot springs blow” ele continuou) e olhou para mim, de cima a baixo.

Eu congelei. Meu cérebro parou de cantar e congelou também.

Eu reconheceria aquele olhar em qualquer lugar.

Era a mesma expressão vidrada e maníaca que eu via nos olhos da minha mãe quando saíamos para comprar roupas. É o olhar de um daqueles sociopatas que se divertem fazendo com que as pessoas experimentem dezenas de peças de roupas em 5 minutos. Essas pessoas, invariavalmente, se tornam mães ou vendedoras de lojas de roupas. Ou ambos.

E eu ali, cercado por duas delas. Sozinho.

(continua...)

36 comentários:

Unlucky disse...

pânico de mães somadas a lojas de roupas (especialmente a C&A que estará para sempre gravada na minha memória)!!!

Depois de grandes momentos de totura semelhante aos seus, eu ainda aprontava.

Desapareçia e 20 minutos depois ia até o provador, e com cara de "Cachorrinho abandonado", pedia tristemente para a vendedora anunciar no auto-falante da loja para que minha mãe me encontrasse no provador pois eu havia me perdido. Parei depois que eu tomei um esporro (somado com puxões no braço) na frente de um monte de pessoas!

Sinto saudades disso! =/

Anônimo disse...

A combinação "mãe + loja de roupas" acarreta em um assunto delicado. Meu trauma, relacionado a isso veio da insistência da minha em achar que eu ficava LINDO com o short no umbigo e camiseta por dentro. E não me lembro a cor do terno do Sonny, mas ele se fodeu.

Rô Rezende disse...

Só tem uma coisinha básica que não entendi nesse post...se é tão horrível ir as comprar com sua mãe, porque você chamou ela para ir!? rsrs...
Confesse, você gosta! E nem venha me dizer que acreditou que ela aceitou ir apenas como consultora...eu também tenho mãe, sei como elas são e que em casos assim não são nada confiáveis! rs

Foi se a parte que não entendi, vem a parte da reclamação...porque você divide o post em dois...eu quero o final! QUERO AGORA! huahuaah..pelo menos vê se não demora para postar!

Anônimo disse...



Eu fiz isso porque, sem minha mãe, provavelmente eu teria comprado um terno-regata laranja.

E, pior, teria achado que fiz um bom negócio.

Thiago da Hora disse...

eu AMO fazer compras! e até me divirto comprando com minha mãe. felizmente ela não é como a sua. =P

Silvinha disse...

Minha situação é oposta à sua: EU traumatizei minha mãe na hora de comprar roupas. Experimentava a loja inteira (quase sempre para não levar nada) e sò mostrava aquilo de que gostava. Resultado: depois dos 14, 15 anos ela me dava cheque assinado e eu ìa comprar sozinha, hehehe

X)

Anônimo disse...

IRMÃOS RIGOTTI
Como podem ser tão parecidos.....
Até as reclamações são as mesmas.
Hahahahahahaha!!!!
Beijo Cu

Perci Carvalho disse...

aaaah silvinhaaa!! minhamãe nunca me deu cheque assinado... eu quero =/

prefiro levar comigo uma amiga na hr de comprar. pq 1) o que eu gosto, minha mãe nao gosta 2)sou eu quem to pagaando meeermo 3) amigas sinceras valem muuuuuito muuuuito mais do que vendedoras que querem me fazer comprar a loja toda 4) preciso de freios. eu sempre preciso de freios.


ps: ui qui bunitiiinhuuu...to aki imaginando vc com 'pés de 80cm de jeans' ..hahaha...

Anônimo disse...

Rob,

essa é a primeira postagem que estou fazendo no seu blog, bom demais!

Só que mãe não é consultora, é vizir. Vc já viu um vizir que não queira tomar o reino?

Assiste Aladim denovo... Ou lê qualquer coisa das Mil e Uma Noites. Vc vai ver do que estou falando...

Abração, e parabéns de novo!

Amelie disse...

Eu gosto de levar minha mãe para as compras na esperança de que ela pague a conta! Hahahaha

Bjo

Kel Sodré disse...

EU (against all odds: mesmo sendo mulher, que, supostamente, adora experimentar mares de roupas - vide minhas amigas...) detesto experimentar roupa! Chego a comprar colocando na frente do corpo e vendo se as costuras coincidem (aliás, essa é uma ótima técnica pra comprar sem experimentar, tente!)
E EU também tenho essa repartição do cérebro que acha com quem as pessoas parecem. Achei que fosse hereditário ou algo assim, visto que minha mãe sofre do mesmo mal, mas agora vejo que somos um grupo distinto na sociedade! Pessoas que acham as "parecências" (como costumamos dizer na minha casa), uni-vos!
Então. Tenho duas características em comum com você, Rob Gordon (além do fato de ser gordinha e ter 1,61 e meio - não ouse desprezar meu meio centímetro!)
Gostaria que elas fossem suficientes para me fazer escrever como você!

Arrivederci!

Helen disse...

"Há uma parte do meu cérebro (que eu não controlo) que insiste em achar com quem as pessoas se parecem."

Alguém da sua família (mais velho que você e próximo durante a infância/adolescência) também tem essa mania?

Estou tentando encontrar um padrão, hehehe.
O meu pai faz isso o tempo INTEIRO e comigo não é diferente. Às vezes (quase sempre) rende problemas.

Anônimo disse...

Finalmente vc comentou sobre essa mania, vício ou doença de achar com quem as pessoas se parecem. Antes de te conhecer eu possuía apenas uma leve tendência para isso, mas depois de anos de jantares, vc sabe, sou quase tão doente quanto vc. E a gente vai se aperfeiçoando...
Só uma questão: eu acredito que vc goste de se sentir a vítima do ataque peculiar da sua mãe. Afinal, sra. Gordon talvez pudesse lhe ajudar nessa tarefa. Mas vale pelo esforço, pois realmente acredito que vc não conseguiria realizar essa tarefa sozinho.

Bjs,

PS: Eu preciso fazer 1 observação sobre o comentário da Kel: fica tranquila que vc é mais alta que ele. Essa história de 1,60m é fantasia dele. Ele não se conforma em não ter crescido esses míseros 2cm que faltam...

Helen disse...

"E EU também tenho essa repartição do cérebro que acha com quem as pessoas parecem. Achei que fosse hereditário ou algo assim, visto que minha mãe sofre do mesmo mal..."



RRRRRRRRRÁÁÁÁ!
Vou mudar meu curso para Psicologia, já tenho o tema do meu TCC!

Thiago Neres disse...

Eu também sofria do mesmo problema (incluindo o mico da cueca), mas, pior que você, eu fiquei com um trauma.

Até hoje eu não tenho muito saco de provar várias roupas pra ver qual é que eu gosto mais =P

o'Ricci disse...

a minha mãe também se perde nas araras de roupas... a boa notícia, porém, para mim, claro, é que minha avó é costureira. Então não tenho lá grandes problemas.

Alexandre Rigotti disse...

Rob.

bati o record..

num barzinho encontrei o Coringa (ou Caetano Veloso) somado com o Roberto Justus e desenhados sobre um machado.

A concu da Sra Gordon estava comigo.

beijos

Kel Sodré disse...

Helen, os leitores desse blog estão prestes a realizar um salto na ciência! Estamos chegando a um padrão, finalmente!
Uma pequena discussão para nós, um grande passo para a humanidade.

E, Rob, estou decepcionada... Você não é um "1,58m com orgulho"? Eu sou uma 1,615m com muito orgulho. E não aceito meio centímetro de caridade! =D

Sil disse...

"E, como minha mãe é a única pessoa adulta do planeta que é mais baixa que as araras de roupa, ela desaparecia totalmente, "

Er...eu também sou mais baixa que as araras de roupas. E também abro a porta ou a cortina do provador...coitadas das minhas filhas, prometo que vou mudar daqui para frente.

Bom, vou mudar o hábito de abrir a porta do provador porque a altura não tem jeito mesmo :D

Eu quero a conclusão desta aventura ^_^

Beijo e bom feriado

Sil

Tyler Bazz disse...

Ficar de cueca na frente das mulheres da loja devia ser horrivel pra qualquer moleque que ia comprar roupas com a mãe, fato!

O Fredo acho que usa terno claro em Vegas...

E o Robert Plant vendendo ternos é uma coisa que eu TINHA que ver...
Quando eu fazia cursinho, tinha uma menina que era a caaara do Sammy Hagar.. mas o Plant não tinha.. hehehehe


o/

Gilmar Gomes disse...

Putz... Descobrimos mais um de seus preconceitos!!!

Agora vc tb discrimina ternos claros!!!
Acho que essa classe deveria se unir e fazer um abaixo assinado (com risca de giz) contra seus comentários racistas, contra os ternos albinos.
Você acha que ternos brancos e claros não têm sentimento???
Acha que se cortá-los, eles tb não irão ficar em farrapos (a não ser que seja um belo corte, feito por um bom alfaiate)??
Você não compreendeu ainda, que a lei está aí para ser respeitada...?
Que a "Lei Áurea" dos ternos claros já foi assinada (tb com risca de giz)?

Cada dia vc nos decepciona mais com esses comentários "baichos"!!!

Se eu fosse um terno escuro, sentiria vergonha de andar com vc!!!!

Anônimo disse...

Puts, vendedora de loja e mãe são duas espécies de seres humanos que interagem muito, fácil em poucos minutos elas viram amigas e começam até trocar receitas.

Tava lendo uns post aqui, são realmente muito bons, bate até uma invejinha (boa) pois você tem uma criatividade respeitável, simplesmente genial a sua forma de escrever. caberia uma campanha, se num for loucura de minha parte:

Rob Gordon no programa do Jô.
UHAUAHUAHUAHUAHAUHAUUAHUAHUAU

Renata Schmitd disse...

gilgomex: ahushaushaushaushuashuashuash
A-DO-REI!

Anônimo disse...

[Rob Gordon no programa do Jô]
Concordo plenamente.

Em relação à comprar roupas com a mãe...era clássico ela abrir o provador extamente no momento em que eu estava tentando entrar num calça.E,normalmente,a calça ainda estava na altura dos joelhos,ou seja, a calcinha de bolinhas ficava visível para a loja toda.

Hoje em dia só levo minha irmã pra comprar roupas comigo.Ela é mais sensata quanto ao bom gosto e não abre o provador antes de perguntar se estou vestida.


=]

Anônimo disse...

Hahah cara, com a minha mãe é a mesma coisa. Ela SEMPRE me deixava a mostra pra as vendedoras e outros clientes.
Odeio que abram a porta do provador na hora aqui, eu me sinto tão... nu!
hahahaha

abraço!

Anônimo disse...

É como diz a música (?): "Mãe é mãe; paca é paca e o resto..."

nada melhor que sair com a mãe, pedir a opinião dela e fazer tudo ao contrário. é reviver a infância em grande estilo.

Um abraço.

Thiago Apenas disse...

campanha!
Rob Gordon no programa do Jô.

Já imaginei o top5 da saga:
Tipos de mães.
Mães do cinema.
5 perguntas de vendedoras de loja.

ansioso pela continuação.

PS-Escreve um livros de crônicas!

João Victor Lima disse...

Ora, outra bela crônica ! Quase uma auto-biografia da tua vida, hahaha :D

Gosto bastante, sempre gostei :) e até me divirto.

Parabéns.

ps: o lance das calças sem bainha que se tornavam pés-de-pato, bem, esse é um trauma que partilhamos em comum !

Gilmar Gomes disse...

...er... acabei de ver ali acima...

Alexandre Rigotti???

Hum... Apoio familiar... rs

Kath disse...

Rob, tantas coisas....
Começando pelo final, você tinha que se lembrar logo de Immigrant Song? Tinha que pensar logo no Plant berrando um eterno "aaaaah-ah"? Não podia ser algo mais comedido como Going to California?
Em segundo, seu argumento do terno claro foi arrebatador, nem eu sabia que concordava tanto com isso!
E, se já não gostasse tanto dos seus posts, ainda tem que mencionar O Poderoso Chefão, com tema, Brando e chapéu?? Você nem precisava desse golpe para manter esta leitora aqui!

MaxReinert disse...

hauhauhauhaua... o único emprego que tive na minha vida... antes de virar pseudo artista e produtor de mim mesmo foi "vendedor de roupas" numa loja pra gente rica... não existe coisa pior do que cliente pão-duro.... Poxa! os termos costurados com fio de ouro e que dão as melhores comissões... óbvio!

Anônimo disse...

Cheguei na parte II, porém tinha que ler a parte I.
Rapaz, graças a Deus, minha mãe é prática... ela é como eu... olhou a vitrine acho algo interessante, entra, caso contrário, nem se dá ao trabalho.

Vamos ao final da história...

paula davies disse...

ai gente, por deus, é tão dificil comprar uma roupa assim? hahaha

rbns disse...

Rob... a Jane mandou um beijo aonde?

marifreica disse...

Nossa! Que climax!

Preciso ler o outro post...


Cenas do próximo capítulo...

Carol disse...

Rob, só um detalhe: na parte II o Michael usa terno claro! Não o tempo todo, mas no começo, na festa da 1a comunhão, ele tá de terno claro, acho eu...!